Por cada noite dormida no Algarve no mês de Agosto, um turista produz, em média, 3,6 quilos de resíduos, o que representa mais ou menos o dobro do que um residente produz por dia. Esta foi apenas uma das muitas conclusões do estudo “As implicações da atividade turística na região do Algarve para a gestão de Resíduos Urbanos”, apresentado na quarta-feira, 27 de Novembro.
O estudo é pioneiro e foi promovido pelo Centro de Investigação em Ciências Económicas e Empresariais (CICEE), em parceria com a Universidade do Algarve, e com o apoio da Algar, a empresa do grupo EGF que gere os resíduos nesta que é a região do país onde a população mais aumenta em época alta turística.
Quem mora no Algarve sabe que, principalmente entre Maio e Setembro, é frequente encontrar os ecopontos sobrelotados. A recolha, feita pela Algar, parece não dar resposta às necessidades, mas em que medida o turismo tem implicações nisso?
Tendo como ponto de partida o ano de 2023, o estudo concluiu que «o Algarve registou 29 milhões de dormidas, das quais 82% ocorreram na época alta, o que gerou uma pressão significativa nos serviços de gestão de resíduos».
Durante o mês de Agosto, o turismo foi assim responsável por 41% da produção de resíduos, equivalente a 3,6 kg por pernoita, ou seja, mais do que o dobro da produção per capita dos residentes locais.
No que diz respeito ao impacto económico, também se concluiu que há custos médios significativamente superiores na época alta. O custo total de gestão de resíduos foi de 81,3 milhões de euros em 2023, chegando a 436 euros/tonelada para resíduos indiferenciados em época alta, comparados aos 147 euros/tonelada na época baixa.
Numa conferência que contou com a participação de dezenas de entidades, entre as quais se destacam representantes de Municípios, CCDR Algarve ou grupos hoteleiros, três das palavras de ordem foram «redução», «sensibilização» e «ação».
«O turismo é fundamental para a economia do Algarve, mas precisamos de assegurar que o seu crescimento não compromete o desenvolvimento sustentável da região, pelo que o desenvolvimento deste estudo é um passo importante para alinhar as práticas e necessidades locais com as metas ambientais europeias», considerou Eduardo Cardadeiro, professor coordenador do estudo, reforçando ainda que o Alojamento Local é um desafio.
Outro dos pontos que o estudo revela é que, atualmente, mais de 80% dos resíduos municipais do Algarve são depositados em aterros, enquanto as taxas de reciclagem e reutilização ficam abaixo de 15%.
Estes são números muito abaixo das metas definidas pela União Europeia para 2035 (que indicam 65% de reciclagem e reutilização e um máximo de 10% para aterros a nível nacional).
Questionado pelo Sul Informação sobre se acredita que o Algarve conseguirá atingir os objetivos propostos, Eduardo Cardadeiro não se mostrou confiante.

«O objetivo é muito ambicioso para o Algarve, mas também para o país inteiro. Eu julgo que vai sendo mais ou menos consensual que não é possível atingir as metas para os resíduos até 2030», revelou.
Ao nosso jornal, o investigador explicou que «o setor dos resíduos não é fácil» e que Portugal tem uma abordagem única no mundo, mas que não está a resultar.
«Se nós somos o único do mundo e não estamos na frente do pelotão a dizer que desempenhamos muito bem, se calhar o nosso modelo não é o mais fantástico. Seguramente que, há 20 anos, houve muito boas razões para que tivesse havido políticas públicas que levaram a este modelo que temos hoje, mas a minha convicção, enquanto académico e economista, é que o modelo está completamente desadequado da realidade de hoje e dos desafios atuais e por isso o modelo é uma das condicionantes para podermos atingir as metas», justificou.
Outra das questões apontadas por Eduardo Cardadeiro é que Portugal acordou demasiado tarde para a necessidade de adaptação às metas.
«Nós tivemos um plano estratégico de resíduos aprovado em 2023, quando as metas já eram conhecidas desde 2018. Estamos a começar muito tarde, o desafio é muito grande e o tempo que sobra para chegarmos a essas metas é insuficiente», enfatiza.
Luis Masiello, presidente da Algar, não nega que as metas são «um grande desafio», mas garante que a empresa que gere os resíduos do Algarve fará «todos os investimentos necessários» para os poder atingir, «mas é preciso mais».
«Eu posso duplicar ou triplicar o número de ecopontos, viaturas e pessoas, mas, se nós como cidadãos não formos depois capazes de depositar e selecionar como deve ser os nossos resíduos diferenciados, dificilmente podemos melhorar. Portanto, é uma missão de todos: não só dos cidadãos, como também do canal Horeca e dos grupos hoteleiros, que têm essa responsabilidade e já o fazem bem», disse ao Sul Informação.

Na opinião de Luis Masiello, este estudo foi importante para se chegar a algumas conclusões e, a partir daqui, começar a desenvolver um projeto-piloto que tem como objetivo melhorar a gestão de resíduos no Algarve.
«A implementação de um projeto-piloto, em 2025, para otimizar a gestão de resíduos, como circuitos de recolha dedicados através do envolvimento de stakeholders regionais, como Algar, AMAL, RTA, operadores turísticos, hotéis e restaurantes, e o desenvolvimento de indicadores de desempenho ambiental, social e de sustentabilidade para monitorizar o progresso e a adaptação de soluções às necessidades locais», é, aliás, a segunda fase do trabalho que está a ser desenvolvido pelo Centro de Investigação em Ciências Económicas e Empresariais.
Nas suas declarações ao Sul Informação, Eduardo Cardadeiro referiu que o projeto está, neste momento, a começar a ser desenhado com as várias entidades e que o Município de Olhão foi um dos que primeiro se disponibilizou para participar.
«O desenho do projeto-piloto, no nosso entender, não deve ser feito pelos académicos, ou de uma forma centralizada, achamos que essas medidas têm de ser desenhadas pelos próprios e por isso a abordagem que estamos a seguir é essa. Temos de encontrar um mínimo denominador comum em que todos se revejam e estejam mobilizados para tentar fazer», disse.
Apesar das críticas constantes ao trabalho da Algar, Luis Masiello considera que a empresa tem «melhorado muito a atividade, não só em época baixa, como também na alta».
«Mudámos muito a forma de fazer a recolha. Mas, efetivamente, há um período de ociosidade dos meios e isso tem um custo e pretender fazê-lo de outra maneira é muito difícil. Uma forma de o fazer era ter os meios imprescindíveis durante a época baixa e contratar muitos meios durante a época alta, mas já vimos que isso não é solução, porque o mercado laboral não o permite e não existem empresas suficientes para prestar serviços nessa época», justifica o presidente da Algar.
Com a ambição de que o projeto-piloto dê frutos, todos os envolvidos na produção deste estudo esperam ainda que, numa terceira fase, se possa «alargar as medidas testadas com sucesso no projeto-piloto a toda a região do Algarve e promover a sustentabilidade a longo prazo, através da monitorização contínua dos indicadores regionais de recolha de resíduos e do desenvolvimento de indicadores específicos para monitorizar melhorias anuais».
«O que queremos é que a região, em si, faça tudo o que está ao seu alcance para melhorar,porque tem benefícios imediatos, independentemente de cumprir ou não cumprir metas e é esse o contributo que eu quero dar», rematou Eduardo Cardadeiro.
