Please ensure Javascript is enabled for purposes of website accessibility

Boa Esperança, Boavista, Clube União, Glória ou Morte, Pedra Mourinha e Vencedora. Estes são os seis clubes recreativos e desportivos mais antigos do concelho de Portimão, cuja história está agora retratada num livro da autoria de José Garrancho, lançado há dias.

Estas coletividades ainda hoje existem, tendo sobrevivido, melhor ou pior, às alterações que o tempo trouxe. E hoje, apesar de tudo, já se esbateram as diferenças entre as agremiações que eram dos ricos, dos comerciantes, dos operários, dos pescadores, dos estivadores, reproduzindo nos clubes as diferenças sociais da época.

«História do Associativismo da Freguesia de Portimão – Retrato de Seis Associações» é o título do livro que levou ao autor dois anos de investigação e escrita.

O grande problema foi encontrar arquivos e documentação. «Na maior parte destas coletividades, quase não há arquivos. Por isso, fui obrigado a recorrer aos jornais da época, e a alguns documentos sobreviventes, fotografias e à memória das pessoas ligadas a essas associações», contou José Garrancho ao Sul Informação, no dia do lançamento do livro, na sede da Junta de Freguesia de Portimão, que edita a obra.

Só que, quando se chega às datas, a memória das pessoas não é fiável: «as pessoas misturam já as datas ao fim destes anos todos».

Uma das grandes fontes foram os jornais da época, desde 1900 até agora, alguns consultados em microfilme, no Centro de Documentação do Museu de Portimão, na hemeroteca do Algarve (online), ou na Biblioteca Municipal portimonense.

«Foi um trabalho bastante moroso», admite o autor.

Graças à sua pesquisa, José Garrancho até descobriu dados inéditos e que contrariam o que os clubes contavam de si próprios. Por exemplo, descobriu que «o União tem quase 10 anos a mais do que aquilo que eles diziam. Agora têm de mudar a data da comemoração do aniversário», brincou.

 

Sala a abarrotar – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

O lançamento da obra de 150 páginas, ilustradas com muitas fotos e documentos, teve lugar numa sala do novo edifício da Junta de Freguesia, completamente a abarrotar de gente, na sua maioria membros das coletividades e seus familiares, que quiseram estar presentes.

Perante este público atento, o autor, antigo diretor hoteleiro, crítico gastronómico, amante e praticante do fado, poeta e jornalista desde que se reformou, recordou algumas particularidades das seis associações retratadas.

Apesar de serem coletividades com objetivos diferentes, frequentadas até por grupos sociais diversos, tinham em comum, no seu início, o facto de serem agremiações destinadas aos homens, que «usavam muito a sede, onde iam conversar, ler o jornal, jogar às cartas ou até discutir política».

Lembrou «o caso do Boavista», onde, nos anos 40 e 50, «os homens conseguiam reunir-se, enganando o pessoal da PIDE, que andava a controlar os sindicalistas da zona».

Quatro das seis coletividades (Glória ou Morte, Boa Esperança, Boavista e Pedra Mourinha) tiveram o seu início com a prática do futebol, sendo que «as atividades culturais e recreativas aparecem por acréscimo, para satisfazer as necessidades dos familiares, sendo a biblioteca uma secção presente em todas elas».

Os clubes, que «viviam das quotizações e das receitas dos bares, que eram explorados diretamente ou que dados a alguém para explorar pagando renda», apesar de serem todos da mesma cidade e concelho, «fechavam-se sobre si próprios, era difícil os membros de uma coletividade entrarem na outra, e os processos para entrar novos sócios eram apertados».

 

O autor com autarcas e dirigentes das coletividades – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

O autor sublinhou que, «em certa medida, as coletividades iam fazendo uma divisão social real, ou imaginária, porque por vezes não era tão real assim».

Explicando a sua observação, deu o exemplo de «duas moças do Bairro Pontal ou do Bairro dos Pescadores. Os pais de ambas eram pescadores, mas uma ia trabalhar para a fábrica e a outra ia para a loja, para o comércio. Portanto, essa da loja achava que era superior à outra, que ia para a fábrica, quando, na verdade, vinham do mesmo sítio. Mas acabavam por escolher coletividades diferentes», em função desse estatuto social aparentemente diverso.

Nas primeiras décadas do século XX, as agremiações eram quase só para os homens. «Naquela altura, só as senhoras finas é que iam aos salões de chá. As outras, reuniam-se as vizinhas na casa de uma delas, iam conversando e pouco saiam».

Daí que «os bailes e alguns outros espetáculos que as coletividades davam fossem a oportunidade para as senhoras se aperaltarem, irem ao baile, irem dançar, irem divertir-se».

«É por isso é que os bailes duravam até às seis horas da manhã. Ou mais!», acrescentou, arrancando uma gargalhada ao público que enchia a sala.

E a juventude também gostava muito das coletividades, «porque era o sítio onde iam dançar e onde muitos namoricos se iniciaram».

Apesar de as mulheres poderem frequentar os clubes nestas ocasiões especiais, de início, «só os homens é que eram sócios. As mulheres tinham muita dificuldade em se associar. Se eram menores, tinham de ter a autorização do pai. Se eram maiores, tinham de ter a autorização dos maridos. As viúvas e as filhas dos sócios que morriam podiam ir aos bailes porque eram convidadas pela direção».

De tal forma que só quase 30 anos depois de a primeira coletividade ter sido fundada (em 1907) é que há registo de uma sócia.

José Garrancho encontrou esse dado no arquivo do Boa Esperança, que «tem muita documentação e um livro com as fichas dos primeiros 300 sócios. E então, o sócio número 292 foi uma senhora, Maria José da Conceição, que era maior, tinha 21 anos, solteira e dona de casa, e que foi aceite em 16 de maio de 1933».

 

José Garrancho a dar autógrafos – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

Todas estas instituições tiveram os seus altos e baixos, mas ainda hoje resistem. O autor recordou o Glória ou Morte, que, «em 1925, vendeu o mobiliário em hasta pública para pagar aos credores. Quase que acabou. Mas meia dúzia de anos depois, nos anos 30, estava na pujança, era um dos maiores clubes de futebol do Algarve».

Falando sobre a génese deste livro, Maria da Luz Santana, presidente da Junta de Freguesia de Portimão, recordou «o repto lançado em fevereiro, março de 2022, aos presidentes das associações, para fazermos uma reunião, que imediatamente aceitaram».

Depois foi preciso encontrar um autor e a escolha recaiu em José Garrancho, que, «com estoicismo e com um excelente trabalho de investigação», concretizou a obra.

«É muito bom estarmos aqui a assistir ao lançamento do primeiro volume deste livro, que retrata, para memória futura, a vida destas coletividades», disse a autarca, anunciando que este é apenas «o primeiro volume porque, se as outras coletividades quiserem e aceitarem o repto, nós podemos fazer o segundo, o terceiro, e o quarto».

E será na mesma José Garrancho a fazer o trabalho? «Esta gente esquece-se que eu já tenho três quartos de século», responde o autor, com uma gargalhada. «Mas em princípio, sou capaz de, pelo menos o próximo, ainda ser eu a fazer».

A fechar, Álvaro Bila, presidente da Câmara de Portimão, afirmou ter «muito orgulho que o nosso concelho tenha associações como estas que hoje estão aqui retratadas, porque contribuíram sempre para os 100 anos da cidade, algumas são mais velhas que a cidade de Portimão, e acima de tudo souberam diversificar as suas atividades e também estar em todos os eixos onde a cidade está».

«Este projeto tem uma mais-valia, porque conhecermos o passado das nossas associações é conhecermos a nossa história também», salientou ainda.

E isso «dá-nos uma garantia de futuro, para que estas associações também tenham futuro. As associações vão continuar a viver, vão reinventar-se, tenho a certeza», concluiu o autarca.

 

José Garrancho com a sua família – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

Leia mais um pouco!
 
Uma região forte precisa de uma imprensa forte e, nos dias que correm, a imprensa depende dos seus leitores. Disponibilizamos todos os conteúdos do Sul Infomação gratuitamente, porque acreditamos que não é com barreiras que se aproxima o público do jornalismo responsável e de qualidade. Por isso, o seu contributo é essencial.  
Contribua aqui!

 



Também poderá gostar

Igreja Matriz Mexilhoeira Grande

Paróquia da Mexilhoeira Grande celebra “três jubileus” em 2025

portimonense vizela

Portimonense resiste com nove jogadores e vence Alverca

Janeiras em Portimão

Sete grupos animam sétima edição do “Cantar das Janeiras” em Portimão