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Num dia, podem estar sentados a uma bancada, a fazer um minucioso trabalho de restauro ou conservação de uma obra de arte. No outro, podem sair do museu para cuidar do património municipal espalhado pelo concelho ou concentrar-se a montar uma nova exposição. Certo é que, seja onde for passado, o dia de um elemento do Serviço de Conservação e Restauro do Museu Municipal de Faro nunca é aborrecido.

Esta equipa, apesar de trabalhar nos bastidores, de forma discreta e quase sempre longe do olhar dos visitantes, é fundamental não só para a vida e funcionamento do museu, mas para o  “bem-estar” do património cultural de Faro. De caminho, também assume a montagem de exposições e dá apoio a outras entidades, na área da conservação e restauro.

A importância deste serviço levou a Câmara de Faro a investir na melhoria das condições da equipa de restauro e conservação, através da requalificação e adaptação de um antigo armazém, situado no espaço conhecido como Quintalão, contíguo ao Museu Municipal de Faro.

Esta obra está inserida num investimento mais amplo, que já permitiu tornar o museu acessível a todos. A primeira fase desta intervenção, focada nas acessibilidades e que motivou o encerramento temporário do museu, foi inaugurada em Agosto.

Já depois desta inauguração, o Sul Informação esteve à conversa com Marco Lopes, diretor do Museu Municipal de Faro, e com Susana Paté, responsável pelo Serviço de Conservação e Restauro do museu, para ficar a conhecer melhor esta unidade, que tem já trabalho agendado até 2026.

«O grosso do nosso trabalho é restaurar e conservar o património municipal, que vai desde o que está no Museu Municipal e no Museu Regional do Algarve, até, por exemplo, às estátuas urbanas, capelas, retábulos e painéis de azulejos. Esse é o objetivo número um, que representa, se calhar, 50% do total», explicou ao nosso jornal Susana Paté.

«Depois, há aquele património, principalmente urbano, que não sabe bem de quem é, de onde vem e qual é a origem, mas acabamos por fazer também (risos). Trabalhamos igualmente património que não é municipal, mas que é património religioso da cidade. Nas igrejas, as paróquias pedem-nos ajuda para restaurar retábulos, santos, nichos, pintura de cavalete, pintura mural, etc. E nós, na medida do possível, vamos ajudando», acrescentou a conservadora-restauradora.

 

Susana Paté – Foto: Beatriz Bento | Sul Informação

 

A unidade também realiza trabalhos para outras instituições e para outros municípios, no âmbito de protocolos.

«Por exemplo, temos um protocolo há muitos anos com o Município de Tavira. Também temos feito imensas coisas para São Brás de Alportel, tanto para o Museu do Traje, como para a Câmara Municipal. Trabalhámos para várias igrejas de Tavira e de Loulé. Fomos nós que restaurámos a Mãe Soberana, há uns anos», elencou a mesma responsável.

Grande parte do trabalho de conservação e restauro é feito numa sala que, além de não ter as condições de trabalho ideais, nomeadamente ao nível da ventilação, fica situada nos claustros do museu e ocupa um espaço que pode ser utilizado para ampliar a área expositiva.

«A nossa oficina fica aqui dentro do Museu. A nossa sala era a antiga Biblioteca de Faro, há uns anos, não tantos como isso. É uma sala que está dentro do percurso expositivo e esse é o primeiro problema. O nosso museu é pequeno, temos poucas salas e queríamos ter mais. Nós temos em reserva, se calhar, três vezes o que temos exposto, ou mais, muito mais. Dessa forma, esta é uma sala que é essencial no percurso expositivo, porque nós não temos muito para onde crescer», explicou Susana Paté.

Desta forma, «em vez de ter um serviço técnico a ocupar uma possível sala de exposição, o melhor é o serviço ir para o outro lado».

Além disso, a sala onde o serviço funciona atualmente «não tem as melhores condições, desde logo porque quase não tem luz natural, tem uma janela pequena para uma sala enorme. Estamos quase num bunker, não temos praticamente luz, o que é mau, para não dizer que a sala é gelada e húmida».

Mas «o pior de tudo é não ter arejamento, não ter um sistema de exaustão, tendo em conta que nós trabalhamos com químicos altamente nocivos para a nossa saúde. Se está num colega a trabalhar com químico, os outros têm se estar todo o dia de máscara química ou de fugir para o outro lado, porque fica um cheiro horrível dentro do espaço e é muito mau para a nossa saúde. Há químicos que nós usamos que são, inclusivamente, cancerígenos».

«Nós estamos aqui inseridos num Monumento Nacional, o que nos cria uma série de problemas para instalar qualquer tipo de condutas ou algo do género», lembrou Susana Paté.

 

Foto: Beatriz Bento | Sul Informação

 

A nova sala de restauro, um armazém que vai ser readaptado, já terá outras condições.

«Este espaço terá muitas janelas grandes e um portão enorme. No futuro – não está previsto neste projeto -, podemos vir a ter um sistema de extração de ar, uma vez que o edifício tem pé direito para isso. O tamanho do espaço vai ser similar ao que temos atualmente, apenas será mais direito. O que vai melhorar, substancialmente, é o acesso. Teremos uma porta larga onde podem entrar coisas de grandes dimensões, algo que não acontece na nossa sala atual», acrescentou.

«Teremos aqui essas duas possibilidades, que já estavam identificadas desde há algum tempo: libertar uma sala e criar melhores condições para o serviço de restauro. Realmente, a equipa aqui não ganha espaço, mas fica com outras áreas e acaba por ser beneficiada, ganha outros componentes que a favorecem. Por outro lado, ampliamos a área expositiva e damos a oportunidade ao acervo, nomeadamente o do período islâmico, de ser exibido», disse, por seu lado, Marco Lopes.

«Há um acervo significativo deste período que está acondicionado, que está em reserva. A partir do momento em que se proporcionar esta mudança, será criada uma nova sala, complementar à que já existe relativa a este período, com temáticas diferentes», enquadrou o diretor do Museu.

A ideia é «fazer uma cobertura um pouco mais ampla daquilo que era a vida, a sociedade, a economia e os rituais do período islâmico, que estão «confinadas a uma sala pequeníssima», que retrata «o ambiente doméstico de uma família muçulmana no Algarve».

«Nós queremos ampliar esta sala, porque o acervo permite isso mesmo. E queremos ampliar para outras componentes e outras dimensões», nomeadamente «a dimensão militar da própria chegada da Ordem de Santiago aqui a Faro, questões políticas, questões do próprio território, que não estão exploradas devidamente nesta sala islâmica, nesta sala minúscula», revelou o responsável máximo pelo Museu de Faro.

Será precisamente isso que será feito a partir do momento em que o Serviço de Conservação e Restauro passe para as novas instalações: «ampliar o circuito expositivo, dar oportunidade às peças que estão em reserva de ser expostas e “ver a luz do dia”».

Quando for hora de criar nova áreas de exposição, o Serviço de Conservação e Restauro do museu também será chamado.

«Uma tarefa que nos ocupa 40% do tempo é a montagem, desmontagem e transporte de exposições. Nós tratamos tudo o que tem a ver com a parte de produção», conta Susana Paté,

Em alguns casos, é necessário ir levar ou buscar peças a outros museus. «Fazemos um bocadinho também de empresa de transportes de obras de arte, naquilo que nos é possível e quando é possível – se for para museus nacionais ou outros tipos de museus, tem que ser com uma transportadora de obras de arte especializada, mas para outras instituições ou artistas, nós normalmente fazemos esse trabalho».

«Tratamos também da parte da conservação preventiva de todas as coleções que temos, de tudo o que está na reserva, tanto neste museu como no Museu Regional», acrescentou.

 

Foto: Beatriz Bento | Sul Informação

 

Quando o Sul Informação fez a entrevista a Susana Paté e a Marco Lopes, a equipa de restauro estava divida em três frentes: o restauro de uma Ermida na cidade, a montagem de uma exposição no Museu Municipal e o trabalho de restauro de peças do acervo, na sua oficina.

«Nós, neste momento, somos seis, e é também por isso que nos conseguimos dividir assim. Temos dois técnicos que estão na área de conservação e restauro, sendo eu uma delas, e temos três assistentes técnicos e um assistente operacional. Estamos dois ou três na Ermida, há um que está aqui mais flutuante e dois ou três aqui a trabalhar [na oficina]. Atualmente, não estamos a restaurar quase nada aqui porque estamos a montar as exposições», contou a responsável pelo serviço.

«Estamos a acabar ali duas peças, uma para cada colega, e eu estou a tratar das exposições todas de 2024. Normalmente uma exposição demora muito tempo a tratar. Nós tratamos também dos seguros e dos contactos, de muita coisa referente à exposição. Estamos a trabalhar intensamente nas exposições que vão acontecer em Fevereiro».

Atualmente, a equipa coordenada por Susana Paté está a ser renovada, uma vez que «mais de metade da equipa está perto da idade da reforma. Entrou agora um técnico superior, mais jovem, e quando os colegas se aposentarem – daqui a uns anos, só, não queremos que ninguém vá embora – entrará mais alguém, para técnico superior também. No futuro, ficarão três técnicos superiores e um assistente técnico, porque são as pessoas mais novas da equipa. E ficaremos quatro, em princípio, nessa altura».

Na visão da coordenadora do serviço, o ideal seria juntar mais um ou dois elementos a essa futura equipa, «porque temos de dar acompanhamento a muitas coisas. Cinco, seis pessoas, máximo, acho que é bom, para o volume de trabalho que temos».

«Também há aqui outra questão importante, que são as próprias competências técnicas dos elementos da equipa. Esta renovação, que tem sido pensada há algum tempo, não visa apenas o rejuvenescimento da equipa, mas também pretende diversificar e dar aqui alguma autonomia», explicou.

Isto porque, até há pouco tempo, Susana Paté era não apenas a coordenadora, mas igualmente a única pessoa da equipa com determinadas competências técnicas, algo que mudou com a entrada de um elemento mais jovem na equipa, também ele técnico superior.

«Isto permitirá elevar o grau de autonomia, no seio da equipa, uma vez que há mais uma pessoa com a possibilidade de fazer o acompanhamento de intervenções e de tratar de questões mais burocráticas que também que têm que ser feitas. Por outro lado, a entrada de novos técnicos superiores permite aumentar o nível geral de competências da equipa, tendo em conta que «no restauro existem várias áreas de trabalho, existem especializações», disse.

 

Foto: Beatriz Bento | Sul Informação

 

«Neste momento, temos mais uma área neste museu, desde que entrou um novo técnico superior, que é a área de pintura de cavalete. Embora nós déssemos alguma resposta, era um bocado incipiente, porque era o que conseguíamos fazer. Agora temos alguém especializado em pintura de cavalete», exemplificou.

«Normalmente, em restauro, a maioria das pessoas só se dedica a uma área. Eu, infelizmente, acabo por trabalhar um bocadinho tipo médico de família (risos), porque o museu tem imensas áreas e tentamos dar a resposta naquilo que conseguimos», afirmou Susana Paté.

Ainda assim, há áreas que a equipa do Museu de Faro não trabalha «de todo». Nestes casos, valem protocolos com outras entidades, nomeadamente com outras Câmaras Municipais.

«Por exemplo, temos protocolo de restauro de metais arqueológicos com a Câmara Tavira. Áreas que não nos são conhecidas ou que não estão dentro das nossas possibilidades, tentamos dar a empresas exteriores ou outras instituições com protocolo», revelou a coordenadora do serviço.

«Vai ser aberto, em breve, mais um lugar para técnico superior, que ficou por preencher, e isto vai-nos permitir, durante os próximos tempos, ter aqui uma equipa com capacidade musculada de resposta», disse, por seu lado, Marco Lopes.

«Temos muito trabalho agendado. Temos que ir dividindo o apoio por todas as instituições que nos contactam, porque somos o município e a nossa ajuda tem que chegar ao máximo número de pessoas e de instituições possível, não sempre às mesmas. Nós gerimos um bocado esse tipo de pedidos de ajuda. Às vezes, não são para restaurar nada, são só para dar pareceres ou para contactar empresas, para ajudar em alguma coisa, para fazer a ponte entre a Direção Regional de Cultura – que já não existe com esse nome -, e os padres ou outras instituições que não percebem como é que as coisas funcionam no património classificado», descreve Susana Paté.

Quanto aos privados, esta equipa não pode prestar serviços, mas tenta dar algum tipo de orientação.

«Normalmente a nossa ajuda é mais pedagógica, no sentido de dizer: “não, não faça em casa, não veja vídeos do Youtube, nem do Instagram, para restaurar pinturas. Contacte um profissional”», exemplificou.

«Isto parece uma tecla muito gasta, mas convém continuamente fazer esse trabalho pedagógico de sensibilização. (…) Grande parte das intervenções que fazemos, por exemplo, em retábulos, servem para retirar e remover tudo o que foi mal intervencionado, no passado», concluiu.

 

Fotos: Beatriz Bento | Sul Informação

 

 

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