O Algarve “saltou” para as páginas da imprensa nacional em fevereiro de 1932, a propósito da visita à região do Presidente da República de então, General Óscar Carmona.
A vinda do Chefe de Estado teve como objetivo a inauguração de vários melhoramentos na província sulina, ou com ela relacionados, mostrando simultaneamente as “virtudes” dos governos da Ditadura Militar, instaurada em 28 de maio de 1926.
Os jornalistas, além da cobertura noticiosa do acontecimento propriamente dito, enumeraram e caracterizaram também as ambições de uma região, quase sempre esquecida e menosprezada.
Vejamos pois, e antes da receção presidencial, as pretensões das autarquias barlaventinas:
Aljezur ambicionava ainda a canalização da água para abastecimento da vila, dado que as populações se abasteciam em poços e valas, bem como o desassoreamento da ribeira em frente da localidade, pois esta última constituía no verão um “depósito de água estagnada e fonte inesgotável de perigosos mosquitos”.
Pretendia também a construção de uma estrada para a Praia do Monte Clérigo, melhoramento que considerava de “inadiável necessidade e de grande utilidade do ponto de vista turístico”.
Com generosas descrições da costa marítima do concelho, com belezas “dignas de figurar no «Roteiro» mais exigente”, Aljezur debatia-se, porém, com uma ausência total de estradas e tais cenários idílicos só podiam ser visitados “por aqueles que tenham a coragem homérica de trocar o cómodo e rápido automóvel pelo vagaroso e pachorrento jumento.”
Mesmo assim, no concelho, que albergava 4160 habitantes, avançava a construção da EN n.º 20 – 1ª (hoje EN 120), cuja conclusão estava prevista para 1934.
Se Aljezur era considerada uma povoação “pequena e pobre”, Vila do Bispo, que tinha 1122 habitantes, era “evidentemente ainda mais pequena, perdida no meio de charnecas desoladas e à beira duma linda e grande várzea”. Por isso e pela fertilidade desta última, era considerado o “celeiro do Algarve”.
Em termos de ambições municipais, salientavam-se a construção de uma estrada que ligasse o povo da Salema à estrada nacional, e a reclassificação da estrada municipal em nacional de Vale de Boi – Barão de São Miguel – Capelas.
Lagoa era, pela sua “pequenez”, o concelho algarvio com maior densidade populacional. Já do ponto de vista político, constituía “um dos núcleos mais conservadores da Província, predominando ainda um certo fervor religioso, que o torna sóbrio nas suas reivindicações, ordeiro e respeitador do princípio de autoridade”.
Nada mais que os princípios defendidos pela nova ordem instituída com a Ditadura Militar. Com uma amplo hospital, o concelho era um centro ativo de vinicultura, exportação de frutos, de pesca e indústria conserveira, bem como de cerâmica e de segeiro (construção de seges – carroças).
Em termos de aspirações, a Câmara desejava a instalação da rede telefónica urbana na vila e cabines telefónicas em Porches e Estômbar. Ambicionava ainda que a dívida do Município aos hospitais de Lisboa de 60 000$00 fosse paga em cinco prestações anuais, com início em julho de 1932.
Por sua vez, Lagos, cuja guarnição militar se batera ativamente no movimento de 28 de Maio, “num gesto de grande patriotismo, bem digno do reconhecimento do país inteiro”, dispunha de rede de abastecimento de água e de energia elétrica.
A Câmara Municipal apresentava como principais prioridades a construção da primeira fase das obras do porto, bem como do caminho de ferro de Aljezur, a edificação de uma nova escola e a conversão da Escola Industrial “Victorino Damásio” em Escola Comercial.
Pretendia também o alargamento da rua da Ribeira, e que os três empréstimos que totalizavam 1100 contos fossem convertidos num empréstimo único, com a diminuição da taxa de juro e a amortização em 15 anos.
Já Monchique via com agrado o avanço das obras da estrada que ligaria aquela vila à estação de caminho de ferro de Sabóia, “velhíssima e grande aspiração dos monchiquenses”, de há mais de 40 anos.
A autarquia desejava a restauração da comarca, alegando que o Julgado Municipal não preenchia o fim para que fora criado, a montagem da luz elétrica na vila, a continuação dos trabalhos numa mina para abastecimento da fonte de Marmelete e canalização para um lavadouro.
Idêntica pretensão para Alferce, com a abertura de uma mina de água para abastecimento e construção de um lavadouro.
Aspirava ainda a construção de estradas para as sedes de freguesia, bem como a ligação telefónica com estas, que considerava “completamente isoladas”.
Silves era um dos concelhos “mais ricos e mais industriais” da região, porém carecia que o “Estado dirija as suas atenções para a crise que afeta as suas principais atividades”.
Em termos de ambições municipais, a Câmara queria a reparação da estrada de Albufeira a Pêra e a sua incorporação nas estradas nacionais.
Quanto a Portimão, a cidade havia passado, segundo um jornalista, por “uma quase completa remodelação”, evidenciando: “ao desembarcar do comboio, no largo da Estação onde outrora se amontoava lixo e as águas se estagnavam, deparamos com um bem delineado jardim; (…) Em frente aos Paços do Concelho, desapareceram os casebres que ali se ostentavam e em seu lugar existe um dos mais belos jardins desta Província com os seus 10 artísticos bancos de azulejo; Ruas que antigamente tinham um aspeto repelente, sujas, porcas, hoje graças à rede de coletores que envolve toda a cidade, são limpas, asseadas. Possui bons estabelecimentos e o seu movimento de automóveis de praça, diz bem da sua importância”.
A Câmara de Portimão “desejava a construção de um edifício escolar próprio para a instalação e funcionamento das escolas do ensino primário na sede de concelho, e também de um novo edifício para a cadeia da comarca”.
Era ainda considerado prioritário o início da construção do lanço da Avenida da Praia da Rocha ao perfil 296, ligando com a estrada nacional à Penina, passando pelos Montes de Alvor, e acima de tudo a “dotação e começo das obras do porto, um dos mais importantes da província em exportações e pesca”.
Este último constituía mesmo uma ambição antiga, pois era aberto apenas à navegação costeira, fazendo-se fora da barra a carga e descarga de mercadorias, com todos os inconvenientes daí advindos.
Ainda uma curiosidade, quanto à situação financeira da Câmara. Inquirido sobre ela, o presidente Francisco José Duarte respondeu: “O Município de Portimão, como não podia deixar de ser, ressente-se da enorme crise que esta província vem de há muito atravessando”.
Para terminar o panorama dos 16 concelhos da região, refira-se ainda Olhão – “uma das mais típicas e florescentes terras do Algarve”. Vila moderna de pescadores, tinha 32 fábricas de conserva de peixe em azeite, 14 em salmoura e muitas salgas, 9 cercos de pesca a vapor e cerca de 200 artes de “Sacada”.
Toda a vida local se desenvolvia em torno da indústria conserveira, sendo o seu comércio “bastante numeroso e o seu mercado diário, (…) um dos mais importantes e movimentados das províncias e o maior do Algarve”.
A balança comercial de Olhão em 1931 cifrou-se pela importação de 8 535 926 $00, contra uma exportação de 42 099 435$00.
Em termos de pretensões municipais, refira-se o telefone para a Fuzeta e Moncarapacho, um empréstimo de 100 contos (€500) para obras importantes no concelho, e a macadamização da estrada de Bias a Jordana.
Naquela manhã de segunda-feira, 15 de fevereiro de 1932, a Praça do Comércio, em Lisboa, vivia um ambiente desusado. Pelas 8h30 da manhã, formou do lado ocidental uma força da GNR, com a respetiva banda, com o objetivo de prestar a guarda de honra ao Presidente da República, que por ali deveria passar momentos depois em direção ao Algarve. A viagem presidencial iniciava-se.
(Continua)
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Autor: Aurélio Nuno Cabrita é engenheiro de ambiente e investigador de história local e regional