Após atravessar a serra do Caldeirão de carro, o Chefe de Estado tomou o comboio presidencial na gare de Almancil-Nexe (do qual havia saído em Ermidas-Sado), para pouco depois chegar a Faro.
Passavam poucos minutos das três horas da tarde, daquela segunda-feira, 15 de fevereiro de 1932, quando o então Presidente da República avistou a capital algarvia.
Segundo o “Diário de Notícias” a receção foi imponente: “Ao entrar o comboio na estação de Faro subiram ao ar centenas de foguetes, ouvindo-se clamorosos vivas num indescritível entusiasmo. A estação estava apinhada de gente.”
Na gare encontravam-se todas as autoridades civis e militares, grande número de entidades locais, estudantes, bem como muito povo, tendo para isso contribuído o encerramento de todos os estabelecimentos comerciais e industriais da cidade, determinado pela Associação Comercial e Industrial.
A guarda de honra era feita por uma força militar e por um piquete de bombeiros, enquanto duas filarmónicas executavam a “Portuguesa”. O chefe de Estado recebeu os cumprimentos do presidente da Câmara de Faro, Mário Lyster Franco, e de todos os vereadores, para depois e a “muito custo devido à imensa multidão que enchia o largo fronteiro à estação”, subir juntamente com a sua comitiva para vários carros aí estacionados. O presidente tomou o lugar “num elegante «landeau», cavalgando à estribeira um oficial”.
O cortejo atravessou a cidade em direção à Câmara Municipal, onde iria decorrer a receção oficial, sendo no percurso e nas palavras do jornal “O Século”, “o chefe de Estado muito saudado pelo povo, que se aglomerava nos passeios e se debruçava nas janelas dos prédios, de onde pendiam colgaduras e eram lançadas flores, que juncaram por completo o pavimento das ruas. Em vários pontos viam-se outras bandas de música, e os morteiros estoiravam constantemente. Quando o cortejo chegou à Câmara as manifestações atingiram o delírio. No ar evolucionavam a pouca altura os hidroaviões, que haviam seguido de Lisboa, e os sinos repicavam festivamente, sendo queimada uma girândola de foguetes”.
Depois da passagem em revista à guarda de honra, composta por uma força da Marinha e por um piquete de Bombeiros, a qual decorreu por entre vivas dos populares, o presidente entrou nos Paços do Concelho.
Na sala de sessões era aguardado pelas “autoridades civis e militares, o bispo, oficialidades das canhoeiras surtas no porto e muito povo.” O presidente, acompanhado pelos ministros, presidiu à cerimónia. “O Sr. Dr. Mário Lyster Franco, em nome dos Municípios de Faro e de outros concelhos do Algarve, saudou o Sr. general Carmona, agradecendo-lhe a sua visita, que considera um facto digno de ficar marcado em letras de ouro na história do Algarve, onde tão poucos chefes de Estado têm vindo. Elogiou calorosamente a obra da regeneração dos homens do 28 de Maio, que muito têm feito pelo engrandecimento de Portugal e muito ainda farão”.
Seguidamente foram apresentados ao Presidente da República o marceneiro Francisco Assis, o corticeiro Manuel Francisco Lourenço e os marítimos Francisco José Dentinho e Pedro Castelão, os quais foram agraciados com a Ordem do Mérito Industrial e Agrícola. Este tipo de condecoração, que visava homenagear “aqueles que davam tão bom exemplo de uma vida de trabalho honesto”, nas palavras do presidente, seria uma constante em toda a visita presidencial, como se verá.
A apresentação dos homenageados foi coroada com “uma salva de palmas estrondosa”, tendo de seguida principiado o discurso do chefe de Estado.
Sobre este registou “O Século”: “Em nome do Governo agradecia a recepção que lhe acabava de ser feita e pedia que ao povo de Faro fosse transmitido esse seu agradecimento. A obra do Governo – declarou – só quem tenha os olhos obscurecidos pela inveja ou pela intriga é que a não verá! O Governo tem tido bons colaboradores – acrescentou – entre as quais estão as corporações administrativas. O Terreiro do Paço ignorava um pouco o que era o Algarve. As suas estradas estavam intransitáveis e os seus portos assoreados. A Ditadura procuraria dar remédio a esses males, dentro das possibilidades financeiras do Tesouro. Haja fé, e tudo se realizará, para bem do País”. O DN aditou: “Recordando o Movimento do 28 de Maio, afirmou que ele se fez para o prestígio do país, só os maus portugueses não querem ver a obra da Ditadura. Por si só pouco tem feito mas os seus ministros têm realizado uma grande obra de engrandecimento nacional. Apelou depois para a lealdade de todos os portugueses, dizendo que com boa vontade todos cabem na nossa terra. E terminou com um viva à Pátria e à República, correspondido com entusiasmo”.
Feitas as apresentações das entidades oficiais no gabinete da Presidência, o chefe de Estado saiu da Câmara em direção ao Departamento Marítimo, tendo o povo voltado a “manifestar-se com calor e alegria”.
O Departamento Marítimo (localizado no edifício do Paço Episcopal) encontrava-se em parte transformado em palácio presidencial, tendo o chefe de Estado sido ali recebido, “pelo comandante Ramalho Ortigão, e toda a oficialidade, repetindo-se à entrada as mesmas calorosas manifestações de simpatia. Seguiu-se a visita e inauguração do Museu Marítimo, antigo Museu Industrial Marítimo da Escola Pedro Nunes, onde se encontram valiosas marinhas de João Vaz, representando maravilhosos aspectos da costa, fases da pesca, etc. Além disso há colecções de peixes, amostras de madeira e cordame, miniaturas de barcos e armações de pesca da sardinha e do atum. Ficando este a ser o melhor museu marítimo português” (1).
Finda a inauguração, o comandante Ortigão solicitou a interferência do chefe de Estado junto do Governo, para que este concedesse um patrocínio para a ampliação do recém-inaugurado museu, bem como a sua intervenção a favor de um marinheiro condenado injustamente à prisão, de seu nome Francisco Pereira.
O presidente prometeu “interessar-se por estes assuntos, manifestando o seu entusiasmo pelo museu.”
A comitiva presidencial dirigiu-se então para o Liceu João de Deus, onde foi recebida “pelo reitor, Dr. José Júlio Rodrigues, por todo o corpo docente, pelos alunos com estandarte da respectiva associação, etc. O reitor agradeceu a visita acreditando que ela será a varinha de condão capaz de modificar a organização daquele estabelecimento de ensino, dificientíssima pela falta de condições higiénicas e de instalação e de carência de material didáctico, solicitando por último a construção de um novo liceu”.
Da mesma forma que havia prometido interessar-se pela ampliação do museu, o presidente prometeu falar no assunto ao ministro da Instrução. Seguiu-se uma visita à cantina do liceu, a qual culminou num «Porto de honra», onde mais uma vez o general agradeceu a receção que fora alvo.
De seguida foi visitado o Quartel de Caçadores 4, “cujas praças formaram na parada, passando-as em revista o Chefe de Estado”. No interior do Quartel, na sala dos sargentos, foi descerrado pelo ministro da Guerra um retrato do general Carmona, declarando “o sargento-ajudante a admiração, respeito e lealdade dos seus camaradas, a sua disciplina e boa vontade de servir a Pátria”. Afirmações que sensibilizaram o presidente e que o levaram a “incitar os sargentos a serem fiéis cumpridores dos seus deveres, não se deixando levar por aqueles que prometem promoções por casos de rebelião, que não honram ninguém”.
Finda a visita, após a apresentação dos oficiais pelo comandante, os ministros dispersaram pelas casas que lhes haviam sido destinadas, para descansarem alguns momentos, tendo o presidente recolhido ao edifício do Departamento Marítimo, onde ficou hospedado.
À noite, conforme as palavras de “O Século”, a cidade apresentava um “aspecto feérico com as suas vistosas iluminações nas ruas, jardins e fachadas de edifícios. O jardim Manuel Bívar tinha numerosos renques de lâmpadas eléctricas coloridas. Tocavam ali quatro bandas de música, em coretos. A todo o momento troavam os morteiros. Uma enorme multidão percorre as ruas e praças, detendo-se sobretudo em frente dos edifícios da Câmara e Governo Civil, profusamente iluminados”.
Enquanto isso os visitantes participavam num banquete de gala, na sala nobre dos Paços do Concelho, “vistosamente iluminado”, juntamente com duzentos convivas.
(continua)
1-Recorde-se que o museu havia sido criado a 4 de janeiro de 1889, porém e depois de ocupar diversas localizações em Faro, sem especiais cuidados de conservação, passou em 1916 para a alçada da Marinha, através da Escola de Alunos Marinheiros do Sul. Todavia, a inexistência de salas adequadas na escola levou a que fosse distribuído por diversas salas, e com a extinção desta, em 1923, que as coleções fossem arrumadas numa antiga caserna. A sua degradação acentuou-se sobremaneira, sendo que, em 1929, as coleções apresentavam um aspeto deplorável. São a partir de então restauradas e o museu de novo organizado culminando a sua inauguração com a visita do presidente Carmona. Leia a 1ª parte deste artigo aqui:Leia a 2ª parte deste artigo aqui:Leia a 3ª parte deste artigo aqui:Autor: Aurélio Nuno Cabrita é engenheiro de ambiente e investigador de história local e regional