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“Não é tradicional haver cinema documental no Algarve. O cinema no Algarve é mais vocacionado para o cinema comercial. Estamos aqui noutra vertente: um cinema com algum pensamento e intervenção”, sublinhou Joaquim Guerreiro, vereador da Cultura de Loulé, na abertura da primeira edição da LUSODOC – Mostra de Cinema Documental de Loulé.

“Visto que temos uma forte presença da comunidade lusófona na região, pretendemos também abranger a Lusofonia. Estamos a fazer esta iniciativa em parceria com o Consulado Geral de Angola e Consulado Geral do Brasil”, referiu. No entanto, segundo este responsável, este poderá ser o primeiro passo para “poder fazer um festival de cinema”.

A Mostra decorreu de 15 a 17 de novembro, o Cine-Teatro Louletano, numa iniciativa que pretende refletir acerca da importância do documentário na sociedade e na memória coletiva, enquanto janela sobre o mundo.

Neste ano de estreia, o evento deu a conhecer ao grande público o cinema realizado nos países membros da comunidade dos países de língua portuguesa (CPLP), geralmente pouco conhecido em Portugal e exibido quase sempre fora dos grandes circuitos comerciais, particularmente do Brasil, Moçambique e Angola.

Segundo o vereador Joaquim Guerreiro, a opção por criar uma Mostra dedicada ao cinema documental prendeu-se com o facto de esta ser uma das áreas emergentes do cinema. “Estamos a dar os primeiros passos nesta matéria”.

Mirian Tavares, Coordenadora do CIAC – Centro de Investigação em Artes e Comunicação e uma das responsáveis pela organização do evento, enalteceu o facto da LUSODOC juntar três cinematografias que são, contemporaneamente, bastante importantes mas pouco conhecidas.

“É uma forma de dar a conhecer o cinema que é feito, principalmente um cinema documental, que fora dos circuitos festivais, não tem uma circulação que seja visível. A ideia do documentário tem aparecido nos últimos anos, cada vez com mais força, na cinematografia mundial. Por um lado porque a ficção esgotou-se e, por outro lado, porque a realidade é muito rica”, explicou Mirian Tavares.

No arranque desta Mostra de Cinema Documental, a realizadora brasileira Liliana Sulzbach abordou algumas questões sobre o panorama do documentário no Brasil, que vive um pouco isolado no contexto sul-americano por questões relacionadas com a língua.

“Isolamo-nos do intercâmbio, do contacto, da troca de experiências com os países vizinhos”. Por outro lado, a realizadora refere não haver muito contacto com o cinema de Portugal, situação que se poderá alterar no futuro. “Existem novos acordos, acordos de coprodução, tudo isso faz com que a partir de agora possamos pensar em realizar e coproduzir em conjunto”, sublinhou.

Liliana Sulzbach falou ainda da importância da introdução das novas tecnologias no cinema, a linha ténue que muitas vezes separa o que é documentário e o que é cinema, a representação de um país tão vasto e diversificado como o Brasil e os novos canais de socialização do filme através da internet.

No segundo dia de LUSODOC, o produtor José Pedro Pimenta abordou o cinema documental moçambicano. Se durante anos, este foi um cinema de subvenção pública, aquele que foi o primeiro produtor do Instituto Nacional de Cinema em Moçambique refere que atualmente este cinema “está moribundo porque se deixou prender numa armadilha confortável”.

Com a crise europeia, os sistemas de cooperação internacional de países como França, Portugal, países nórdicos que permitiam aos cineastas moçambicanos continuar a exprimir-se, desapareceram.

Por isso, José Pedro Pimenta acredita que “hoje a situação é complicada porque não foram criadas ao longo dos tempos alternativas sustentáveis para a existência de um cinema em Moçambique. O único financiamento é de ONG, que fazem encomendas de relatórios visuais. Isso coloca em risco a existência de um cinema com identidade própria”, considerou.

A falta de renovação desde a independência do país, a falta de uma cultura associativa, a influência do cinema cubano, a falta de salas de cinema e a necessidade de mudar o paradigma do cinema, voltando a ser uma forma de divertimento popular, foram outras das temáticas trazidas a lume.

No encerramento da LUSODOC, o realizador angolano Kiluanje Liberdade falou das dificuldades financeiras no mundo do cinema documental e a limitação das equipas de realização em Angola.

Quanto à participação das “personagens” nos seus documentários, o realizador falou do olhar externo do documentarista que acaba por mostrar a sua própria interpretação da realidade. “Em muitos casos, as personagens que participam ficam admiradas por aquela ser a sua realidade”, frisou.

Quanto à relação cinema documental/política, Kiluanje Liberdade disse o documentário pode ser “um agente político na tomada de consciência da nova Angola”. “Acabamos por influenciar o pensamento dos próprios angolanos que veem os nossos filmes”, afirmou.

Além dos painéis de debate, a LUSODOC trouxe ao público louletano a exibição de seus documentários sobre as realidades do Brasil, Moçambique e Angola.

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