Já há bebés de esturjão a prosperar em tanques numa sala da Universidade do Algarve (UAlg). O projeto Caviar Portugal deu passos concretos para tornar realidade um negócio de produção do precioso caviar em Portugal, que pode vir a ter um retorno milionário, com a aquisição dos primeiros espécimes.
Esta primeira leva servirá para começar uma pequena unidade de produção, ainda longe do potencial que os responsáveis do projeto acreditam que se poderá atingir, a médio prazo.
Também será uma forma de testar tecnologia e as técnicas produtivas, uma vez que este é um empreendimento inovador em Portugal.
Para já, o investimento é dos dois mentores do projeto, o investigador da Universidade do Algarve Paulo Pedro e do seu sócio neste empreendimento Valery Afilov, um cidadão ucraniano que tem muita experiência na produção desta espécie de peixe em aquacultura.
Paulo Pedro esteve à conversa com o Sul Informação e com a Rádio Universitária do Algarve RUA FM no programa Impressões. Em foco esteve, naturalmente, o mais recente desenvolvimento do projeto, a chegada do que eram para ser ovos de esturjão, mas que quando chegou a Portugal «eram já larvas», devido a um problema com o fornecedor.
Uma situação que acabou por ter final feliz, mas que chama a atenção para outros dos riscos do negócio: o facto de se estar a lidar com seres vivos. «Neste momento, temos bebés, mas mesmo bebés. Eram para ter chegado ovos, mas, com as dificuldades que houve no transporte, já chegaram cá larvas», revelou.
«Foi um stress muito grande há duas semanas, pois tudo o que se relacionava com o transporte se complicou. O contrato que nós tínhamos era para que os ovos fossem colocados cá em Faro. Mas, dois dias antes da eclosão das larvas, disseram que não nos podiam garantir o transporte, tivemos nós de os ir buscar à Holanda», contou.
«Não se pode trazer por avião, por isso tivemos de mandar uma pessoa, que teve de tratar de um transporte urgentíssimo em condições especiais», disse.
Tudo acabou por correr bem e os bebés já estão instalados e a crescer. «Inicialmente tivemos 40 mil ovos e, se tudo correr bem, acredito que ficaremos com 10 mil peixes. Mas tenho esperança de conseguir bastante mais», acrescentou.
Neste momento, os espécimes assemelham-se «a girinos» e pesam, o seu conjunto, «40 miligramas» e ainda demorarão três anos a crescer e a chegar ao ponto de produzir ovas. Até lá, Paulo Pedro vai arranjar um espaço para os acomodar, do qual ainda está á procura. «Neste momento temos umas instalações de 50 metros quadrados, que dá para fazer uma maternidade, mas não dá para fazer a engorda», ilustrou.
«Se pensarmos que podemos ter dez mil peixes e que estes terão em média três quilos quando atingirem a maturidade sexual, estamos a falar de 30 toneladas de peixe», lembrou. «Há aqui uma segunda fase, cuja localização ainda não está totalmente fechada. Mas até podemos fazer uma instalação piloto, que já nos permitiria ter produto para mostrar no mercado, com os nosso próprios recursos», disse.
Este é apenas uma parcela bem pequena do projeto que os dois sócios querem implantar. «O projeto grande que queremos desenvolver implica um investimento de cerca de 3 milhões de euros. Isto não é muito dinheiro para os grandes investidores, mas está fora do nosso alcance sem ajuda exterior», explicou.
Negócio tem riscos, mas Paulo Pedro acredita no sucesso
O projeto Caviar Portugal não está isento de riscos, desde logo o facto de se estar a lidar com seres vivos, mas também o elevado investimento e, principalmente, o tempo que demora a dar retorno, que nunca será menos de «7 ou 8 anos».
Do outro lado, o das vantagens, está o preço do caviar à saída da unidade de produção, que neste momento «ronda os mil dólares por quilo». Sendo uma espécie ameaçada de extinção, sem ser no mercado negro só é possível encontrar caviar vindo de peixes criados em cativeiro. Também a carne de esturjão tem um preço de mercado interessante, com uma média de preço de 10 euros por quilo.
Quanto aos riscos de produção, Paulo Pedro confia nas suas capacidades técnicas e cientificas próprias e do sócio, até porque já está «metido nisto até ao pescoço», ao nível financeiro. Mas nem sempre é fácil dar garantias a potenciais investidores, nomeadamente a de que não haverá outros a tentar fazer o mesmo na região.
«Há muita informação que não se consegue nos livros, o que não quer dizer que não se encontrem as pessoas que a tenham. Quando começamos a pesquisar percebemos que há muitos segredos que não estão contados. Por isso houve casos de insucesso neste tipo de aquacultura. Más escolhas de tecnologia ou até mesmo alguma falta de humildade, pensando que é simples», disse.
«O tipo de aquacultura que nos propomos fazer é diferente da tradicional em esteiro ou em tapada [tanques de terra]. Estamos a falar de uma tecnologia completamente diferente, com sistemas de recirculação de água, em ambiente completamente controlado. É uma aquacultura industrial», disse.
Outra coisa que distingue esta aquacultura das muitas que já existem no Algarve, em terra ou em alto mar é o facto de utilizar água doce, «o que tem uma grande implicação ao nível do licenciamento».
Caviar Portugal nasceu num concurso de ideias da UAlg
O projeto Caviar Portugal nasceu em 2010 no âmbito do concurso «Ideias em Caixa», dinamizado pelo CRIA – Divisão de Empreendedorismo e Transferência de Tecnologia da UAlg com o patrocínio da Caixa Geral de Depósitos. E, curiosamente, nem era para ser o projeto que Paulo Pedro ia apresentar a concurso.
«Sou Biólogo Marinho, mas, de esturjão, percebia muito pouco. Agora já percebo alguma coisa, depois de estar metido nisto há três anos. Antes tinha o conceito base, que é um peixe de águas frias, da Rússia, o peixe do caviar. Nunca pensei em meter-me numa aquacultura de esturjão», confessou.
Tudo mudou quando conheceu Valery Afilov. Depois de ter feito uma análise de água para aquele que viria a ser o seu sócio neste empreendimento, interessou-se pela sua ideia de criar esturjão em Portugal.
«Vi que era uma pessoa que estava muito bem documentada em termos técnicos e que a informação científica que tinha estava muito atualizada. Fiz a minha pesquisa e percebi que fazia todo o sentido, tendo em conta algumas das vantagens de produzir cá», revelou. Vantagens que não revela, «porque senão todos querem ter o mesmo negócio» (risos).
«O Valery é ucraniano e teve durante 12 anos a concessão de uma aquacultura de esturjão numa barragem na Ucrânia e já tinha muita experiência a trabalhar com esturjão. Veio para Portugal trabalhar na Construção Civil e andou ai uns anos a tentar convencer outras pessoas a meter-se nisto», contou. Depois de levar a nega dos bancos, Paulo Pedro ofereceu-se para ajudar a procurar soluções.
«Dois meses depois, surgiu o Ideias em Caixa. Eu estava envolvido numa área completamente diferente e a desenvolver um outro plano de negócios e chegou ali a um dia antes do fecho das candidaturas e pensei: o esturjão, se calhar, era uma boa ideia para submeter», contou.
Paulo Pedro e Valery Afilov juntaram-se e submeteram a ideia. «Qual não foi a minha surpresa quando soube que era uma das ideias que estava a causar mais entusiasmo» e que acabou por vencer na categoria do Mar. «Perdi muito mais tempo na outra ideia, que também acabou por ser premiada, do que com esta», disse.