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“Eles não sabem nem sonham que o sonho comanda a vida”, disse-nos um dia o poeta cientista António Gedeão.

Alguns neurocientistas atuais que estudam a evolução do cérebro e das competências que nos tornam especificamente humanos consideram, como hipótese de trabalho, ter sido o sonho a antecâmara da consciência.

Vejamos por partes. Considerando o sono uma função natural que é resultado de um estado funcional particular do cérebro, ele é tão importante para a sua boa saúde como é natural a necessidade de respirar.

Durante o sono, enquanto o corpo restante está em repouso relaxado, o cérebro apresenta uma atividade considerável. Uma dessas atividades em particular caracteriza-se por períodos designados por sono REM (rapid eye movements, ou movimento rápido dos olhos) que, sendo breve, se repete quatro ou cinco vezes durante uma noite de sono. Nestes períodos, sonhamos.

Não cabe aqui analisar nem rever as inúmeras teorias interpretativas sobre os sonhos. Mas há espaço para divulgar a ideia de que, durante a longa noite da evolução da mente humana (em rigor, dos animais com cérebro), esses momentos oníricos (do grego óneiros, que significa sonho) exercitaram a capacidade de o cérebro interligar sensações experienciadas durante o estado de vigília e retidas em memórias, criando composições integradas ou imaginadas mas desligadas do nexo da realidade sensorial.

Estes períodos (sonhos) de composição e integração de memórias aparentemente desconexas podem ter robustecido o tear das vias neuronais que, fora do sono, durante a vigília, se foram consolidando para produzirem uma nova aptidão para o cérebro: a capacidade de gerar pensamentos conscientes e eventualmente independentes da realidade sensorial. Assim o sonho fora a antecâmara da capacidade de pensar concreta ou abstratamente!

Investigar os sonhos sempre foi um tema interessante e por vezes decisivo para o destino de civilizações. Por isso, é com entusiasmo que se divulga o artigo que uma equipa de investigadores japoneses publicou, na edição online de dia 4 de Abril da revista Science.

Nele são apresentados os resultados do estudo efetuado por imagiologia por ressonância magnética funcional (fMRI) de pessoas a sonhar. Através do uso de um algoritmo para isso desenvolvido, os investigadores foram capazes de descodificar a atividade cerebral e prever com uma precisão de cerca de 60% as imagens que as pessoas estudadas estiveram a sonhar.

Esta visualização dos sonhos, agora possível pelo grande desenvolvimento verificado nas técnicas de imagiologia cerebral nas últimas décadas, poderá permitir novas ferramentas de diagnóstico de perturbações e patologias numa maior aproximação a cada caso individual. Na realidade, esta nova ferramenta permite dizer-nos que não sabemos ainda o que vamos encontrar, que ilhas ou continentes os neurocientistas vão descobrir no mar dos sonhos.

A publicação deste artigo surge na mesma semana em que os EUA, pela pessoa do seu Presidente Barack Obama, acabam de anunciar o orçamento (100 milhões de dólares para o ano 2014) para um novo e ambicioso programa de investigação em neurociências.

O projeto, apresentado pela designação “Brain Research Through Advancing Innovative Neurotechnologies”, ou simplesmente “BRAIN”, visa “acelerar o desenvolvimento e aplicação de novas tecnologias que permitam aos investigadores produzir imagens dinâmicas do cérebro, mostrando como as células individuais e os sistemas neurais complexos interagem à velocidade do pensamento”.

Abrem-se novos meios para descobrir o futuro do conhecimento. É o cérebro a decidir conhecer-se a si próprio. A desvendar o sonho imemorial da nossa evolução.

 

Autor: António Piedade
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

 

 

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