Imagine que enfia a cabeça por debaixo de um pano preto (como os das máquinas fotográficas antigas) e vê surgir, projetada numa folha de papel vegetal, uma imagem nítida e a cores. Sem eletricidade ou sensores CCD com muitos megapixéis. Só uma caixa de madeira, uma lente, um espelho e um vidro. É esta a experiência que muitas centenas de visitantes já tiveram na Casa Cerca, um centro de arte contemporânea da Câmara Municipal de Almada.
A Câmara de Desenhar é um projeto de Mário Rainha Campos, responsável pelo serviço educativo da Casa Cerca: “foca-se o assunto principal, agarra-se num lápis de mina mole, para deixar bastante grafite, e começa-se a desenhar. No final é preciso completar o desenho à vista, mas a composição, a proporção e a perspetiva já estão resolvidas.”
O recurso à câmara escura como auxiliar do desenho é há muito conhecido e terá sido usado por Leonardo da Vinci. Mas, com o desenvolvimento da fotografia e da fixação de imagens latentes por processos químicos, o uso da câmara escura para o desenho ficou esquecido.
Mário Rainha Campos sempre teve um enorme fascínio por câmaras de desenhar, embora nunca tivesse visto nenhuma até 2012, quando criou, em colaboração com o fotógrafo Nuno Albuquerque Gaspar o primeiro modelo.
“Fizemos o protótipo e demorou largas semanas até que conseguíssemos encontrar a solução. Eu não sou físico, ele também não, o nosso trabalho anda mais à volta da fotografia. Mas de repente houve um momento Eureka: conseguimos ver a luz vermelha do laboratório através do protótipo. Pressentimos que se houvesse mais intensidade de luz e um manto preto, poderia resultar. E realmente assim foi”.
Entre as pessoas que já experimentaram as Câmaras de Desenhar na Casa da Cerca, encontram-se estudantes de desenho do ensino básico e secundário, universitários de cursos como Arquitetura e Belas Artes, idosos e pessoas com necessidades educativas especiais.
Pedro Monteiro, 13 anos, foi um dos alunos que experimentou a Câmara de Desenhar: “o desenho surpreendeu-me, porque percebi que assim poderia ter uma imagem desenhada, quase exata do objeto que estava a ser representado, utilizando a técnica da fotografia”.
Para Mário Rainha Campos, a Câmara de Desenhar é uma excelente ferramenta para desenvolver uma atitude de desenho de observação (por oposição ao desenho simbólico, de imaginação ou de memória): “um bom exemplo disso é o desenho científico, ou seja, o desenho como meio para conhecer e dar a conhecer o real visível.”
Para além disso, permite que muitas pessoas que não desenham, não se sintam inibidas. “A Câmara de Desenhar é como as rodinhas de uma bicicleta. Permite que cada um desenvolva a expressão do traço com que revela as zonas mais escuras da imagem projetada. Satisfaz a necessidade de realismo na figuração que, normalmente, todos os que dizem não saber desenhar desejam”, acrescenta Mário Rainha Campos.
Autor: David Marçal
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva