A recuperação dos mosaicos da villa romana da Abicada, guardados nas reservas do Museu de Portimão, vai começar em breve. A Direção Regional de Cultura já adjudicou o trabalho à empresa responsável, enquanto o Museu de Portimão «está a preparar todas as condições para que a intervenção possa ter início».
Os mosaicos que cobriam as principais divisões da casa romana, situada numa península sobre a Ria de Alvor, foram retirados do local em 2010 e 2011, através de minuciosos trabalhos a cargo dos especialistas da empresa Palimpsesto.
É que aquele que é considerado o mais importante conjunto de mosaicos romanos em todo o Barlavento estava degradar-se de dia para dia, com as minúsculas pedrinhas que formam os desenhos sujeitas ao sol e à chuva (e até ao vandalismo).
Hoje, os metros e metros quadrados de mosaicos formados por pequenas pedrinhas coloridas, as tesselas, estão depositados no Museu de Portimão, onde agora vão começar, finalmente, os trabalhos de conservação e restauro, para que, num futuro próximo, sejam motivo de uma grande exposição.
Os mosaicos foram retirados do local onde estiveram durante cerca de 2000 anos através de uma técnica que consiste em colá-los a um pano de algodão com uma cola especial, solúvel em água, e depois levantá-los como de se uma pesada manta de tratasse. Essa tela em algodão com os mosaicos colados mostra o inverso dos mosaicos, o chamado tardoz.
Para reconstituir os mosaicos e um dia pensar em devolvê-los ao seu local original, há agora que tratar com todo o cuidado tessela a tessela, pedrinha a pedrinha, numa intervenção que requer mão de obra especializada em restauro e doses maciças de paciência.
Será, como foi dito em setembro, durante das Jornadas Europeias do Património, numa visita que o Museu de Portimão promoveu às suas reservas, como «mostrar a Abicada do avesso».
A intervenção, segundo Rui Parreira, arqueólogo e diretor do serviço de Bens Culturais da Direção Regional de Cultura do Algarve, «cruza dois campos, o da arqueologia e o da conservação, no fundo promovendo o restauro aplicado à arqueologia».
O restauro, que será pago pela Direção Regional de Cultura do Algarve, custará perto de 68 mil euros e ficará a cargo da empresa ERA Arqueologia SA.
Recuperação do sítio arqueológico terá que esperar por melhores tempos
Os mosaicos romanos da Abicada, considerados dos «mais ricos do Algarve e do país», são, segundo Rui Parreira «de inspiração norte-africana», já que «não são figurativos, são geométricos».
Em alguns locais foram colocados diretamente sobre a rocha em que assenta a casa romana, sem a camada de argamassa que habitualmente era colocada. Um erro de construção – pelos vistos, já naquela época havia empreiteiros aldrabões – que acelerou a degradação de algumas zonas dos mosaicos e que até dificultou a sua retirada do local.
Hoje, apesar de haver uma placa castanha à beira da EN125 a indicar as ruínas romanas da Abicada, quem se aventura a ir até lá visitá-las acaba por apanhar uma deceção, porque pouco se consegue ver, além de uns muretes de pedra de poucos centímetros de altura, que eram parte dos alicerces da antiga casa rural.
Isso mesmo constataram as dezenas de pessoas que, em abril passado, participaram na visita ao local organizada pela DR de Cultura, no âmbito do Dia Internacional dos Monumentos e Sítios.
«Este sítio só vale a pena ser visitado se tiver o conjunto dos mosaicos, que é o maior conjunto de mosaicos de todo o Barlavento Algarvio», diz o arqueólogo Rui Parreira. «A própria arquitetura da villa só será percetível de houver recriação do volumes construídos do edifício», acrescenta.
O local em si, uma pequena península com vista privilegiada sobre a Ria de Alvor, é ele próprio merecedor de uma visita. «É um verdadeiro miradouro sobre a ria, um ponto a partir do qual se pode fazer a história da paisagem», sublinha Rui Parreira.
E qual será o futuro destes mosaicos? José Gameiro, diretor do Museu de Portimão, diz que, depois do restauro, deverá ser feita uma grande exposição sobre a villa romana da Abicada e os seus mosaicos. «E, no futuro, os mosaicos deverão voltar para o seu lugar, na Abicada».
Mas isso só depois de o próprio sítio, que é monumento nacional e pertence ao Estado, ter condições para os receber, sem que voltem a estar sujeitos à agressão dos elementos e do vandalismo. Quando é que isso acontecerá? Não se sabe…
O Estado é dono da parcela de terreno onde se situa o monumento, mas, para garantir a sua salvaguarda e, sobretudo, o seu usufruto pela população e pelos turistas, haveria que investir, nomeadamente na criação de um pequeno centro de acolhimento e de uma estrutura que protegesse os mosaicos, depois de repostos no local original. Estes são planos que existem há muito, mas que, para já, e na atual situação financeira, terão muito que esperar…
«A recuperação deste monumento nacional, de modo a torná-lo visitável, articulando-o até com outro monumento que existe no concelho de Portimão e que se situa perto, o conjunto megalítico de Alcalar, seria muito importante para criar novos circuitos turísticos e patrimoniais, e, sobretudo, para criar a tal nova oferta de que os responsáveis do Turismo tanto falam, necessária para esbater a sazonalidade», sublinha José Gameiro, diretor do Museu de Portimão.
Daí que haja quem se interrogue por que razão o Turismo (do Algarve ou de Portugal) ou mesmo empresas desse setor não se chegam à frente para participar num projeto que devolva a villa romada de Abicada à fruição dos visitantes.
Nota: O desenho do mosaico que ilustra este artigo é da autoria do professor Jaime Palhinha, que integrou a Comissão Instaladora do Museu de Portimão.