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João Nascimento vive e trabalha em Sagres, onde dirige uma empresa marítimo-turística com a sua mulher, Carla Costa. João é doente de Esclerose Múltipla (EM) e, quando tem os surtos (episódios em que a doença se agrava e apresenta sintomas), até agora só tinha que percorrer 50 quilómetros para ir ao Hospital do Barlavento Algarvio, em Portimão, e receber a medicação que teria de manter durante os sete dias seguintes.

«Com isto, gastávamos uma manhã, a ir e voltar, mas ainda dava para manter a empresa aberta e trabalhar», explica Carla Costa.

Só que agora, uma das duas médicas do Serviço de Neurologia do hospital de Portimão saiu e os seus cerca de 150 doentes ficaram sem qualquer apoio. «Já fui lá perguntar como é que vai ser agora, e disseram-me que teremos de ir para Faro», explica Carla Costa. São cerca de 240 quilómetros para ir a Faro e voltar a Sagres, pelo menos um dia inteiro de trabalho perdido, durante uma semana. «É impossível podermos continuar assim», garante.

Esta é, no fundo, mais uma situação que pode ser atribuída, pelo menos em parte, ao progressivo desmantelamento dos serviços e valências do hospital de Portimão, desde a sua integração no Centro Hospital do Algarve (CHA), situação que o seu responsável máximo se tem empenhado em negar.

Carla Costa, em seu nome e sobretudo em nome do seu marido, bem como Maria Filomena Conceição, também ela doente de EM e presidente da Associação da Pessoa Esclerose Múltipla do Barlavento, foram, até agora, as duas únicas autoras de reclamações escritas sobre a situação, inscritas no Livro de Reclamações do hospital.

«Mas há mais de uma centena de pessoas afetadas por esta situação, pessoas que, como eu, eram acompanhadas pela Dra. Edmeia Monteiro, algumas delas há mais de dez anos, e a quem a administração do hospital não foi capaz de dizer nada, a informar da nova situação e a explicar o que teremos de fazer agora», explica Filomena Conceição.

O acompanhamento que os doentes de EM recebiam, até agora, no Hospital de Portimão, era quase único a nível nacional, tendo até sido objeto de reportagens televisivas dada a forma exemplar como funcionava. É que os pacientes, em vez de irem para a Urgência geral do hospital de cada vez que tinham um surto, dirigiam-se diretamente ao Serviço de Neurologia, onde lhes era dada prioridade e por isso eram atendidos rapidamente, começando quase de imediato a receber a medicação necessária para debelar os sintomas do surto desta doença crónica, sem cura e debilitante.

«Agora teremos, ao que parece, de ir para Faro, que é muito mais longe, e ir para a Urgência, esperar que nos atendam, sabe-se lá quando. E podem estar lá médicos que não saibam do nosso historial. Como é que vai ser?», interroga Sandra Geraldo, também ela doente de EM.

Os doentes e seus familiares também não sabem se, por terem de se dirigir à Urgência, não terão de pagar a taxa, quando antes, no Serviço de Neurologia, estavam isentos.

«E como será com a medicação, que tem que nos ser entregue na farmácia hospitalar? Qual será o médico que vai ficar responsável por isso? Será aqui em Portimão? Também teremos de ir a Faro?», interroga Filomena Conceição.

São interrogações para as quais, apesar das duas reclamações feitas, dos contactos telefónicos e pessoais, da carta endereçada pela Associação à administração do Hospital do Barlavento Algarvio (agora integrado no Centro Hospitalar do Algarve) e outras entidades, os doentes de Esclerose Múltipla e seus familiares continuam sem respostas. «A Dra. Edmeia diz que uma das coisas que nós precisamos é de estabilidade emocional, de diminuir o stress nas nossas vidas. Ora toda esta situação de incerteza faz com que andemos nervosos e preocupados e não é nada boa para a nossa condição», sublinha Sandra Geraldo.

Além da dificuldade das grandes deslocações, sobretudo para doentes que residam em concelhos mais periféricos como Vila do Bispo, Aljezur ou Monchique, e que até agora tinham uma resposta de qualidade em Portimão, há ainda a questão das despesas. «Para irmos para Faro não há transportes públicos em condições, perde-se muito tempo. E nem um doente de EM, com um surto, pode ir num transporte público. De ambulância sai caro e só pode ir o doente, não pode ir um acompanhante. E quem tem mais dificuldades de locomoção? Quem está acamado ou numa cadeira de rodas? E quem não tem dinheiro para pagar essas deslocações, como faz?», pergunta ainda a presidente da Associação.

Mas há ainda outros problemas. É que, em Portimão, havia acompanhamento da equipa de Neurologia (médicos, enfermeiras, pessoal auxiliar) ao fim de semana, o que significava que, aquando de um surto, o doente podia ir ao hospital do Barlavento receber a sua medicação e voltar para casa, mesmo ao sábado e domingo. «Agora em Faro dizem-nos que se o surto começar, por exemplo, a uma sexta-feira, teremos de ficar internados no fim de semana, com todas as desvantagens que isso tem», conta Ana Maria Cristina, outra doente de EM, residente em Portimão.

«Levou-se anos a construir um serviço de Neurologia competente, de qualidade, com uma equipa com a qual podíamos contar. Tínhamos uma espécie de Urgência direcionada para a Esclerose Múltipla, o que nos dava outro conforto. E agora, de repente, sabe-se lá porquê, mas se calhar para poupar meia dúzia de euros, acaba-se com isso», lamenta Sandra Geraldo.

«A Neurologia em Portimão funcionava muito bem, havia uma enfermeira permanente. O máximo que esperávamos para ser atendidos era 30, 40 minutos, e iniciávamos logo o tratamento. Agora temos que ir para uma Urgência normal, de um hospital que fica muito mais longe, esperar pela triagem, correr o risco de o médico nos diagnosticar mal porque não conhece o nosso historial», acrescenta Ana Maria Cristina.

A Associação da Pessoa Esclerose Múltipla do Barlavento escreveu na semana passada uma carta à administração do CHA pedindo esclarecimentos sobre a situação, mas até agora ainda não recebeu qualquer resposta. Na carta, que foi divulgada nas redes sociais, a Associação dá conta da falta de informação sobre o que se está a passar com os doentes de EM do Barlavento algarvio.

«O problema é que não sabemos a quem nos devemos dirigir, ninguém nos dá respostas!», sublinha Sandra Geraldo. «Tudo o que nos estão a fazer com este processo só nos vai fazendo mal», acrescenta.

«O que estão a fazer, ao acabar aos poucos com o apoio que tínhamos na Neurologia de Portimão, é tratar um doente crónico como se fosse um doente que corta um dedo e vai à Urgência», lamenta João Nascimento.

«E se o argumento é para reduzir custos, já fizeram bem as contas? Será que a deslocação para Faro e todo o stress a isso associado não vai aumentar os surtos nas pessoas? Será que isso não causa mais custos, além dos efeitos negativos que terá na saúde de doentes crónicos como nós?», interroga ainda João.

«O hospital de Portimão tinha uma equipa ótima para estes casos, tinha todo o equipamento necessário. Faro não tem uma equipa de Neurologia como aqui havia. É um crime isto que estão a fazer!», conclui Carla Costa.

O Sul Informação já contactou com a administração do Hospital de Portimão e do Centro Hospitalar do Algarve para pedir esclarecimentos sobre esta situação.

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