Pedro Nunes, presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar do Algarve (CHA), acusa a médica cardiologista que, na segunda-feira, escreveu na nota de alta de um doente que a falta de um exame fundamental se devia à «ausência de material necessário à sua realização», de ser «uma tonta, que se deixa influenciar por meia dúzia de colegas tontos».
O caso, revelado ontem à noite pelo canal de televisão SIC, conta-se assim: na sexta-feira, António Varela, de Monchique, sofreu um enfarte e foi levado de urgência para o hospital de Portimão e daí para o de Faro, onde ficou internado, tendo recebido alta na segunda-feira, dia 3.
Só que o doente saiu do hospital sem realizar um exame considerado fundamental, um cateterismo cardíaco, que passa pela introdução de uma espécie de sonda para identificar obstruções nas artérias ou veias e que até pode tratar essa eventual obstrução.
«Quando me deram alta, disseram-me que, devido à falta de material, esse exame não podia ser feito, mas que depois me contactavam quando já pudessem fazer», contou ao Sul Informação António Varela, que já regressou a casa.
O doente, um pequeno empresário de construção civil de Monchique, está preocupado com a situação já que, sublinha, «mandaram-me para casa sem eu saber exatamente o que tive».
Na nota de alta, está escrito que «foi solicitado o cateterismo cardíaco ao laboratório de Hemodinâmica, não sendo o mesmo realizado dada a ausência de material necessário à sua realização,segundo informação do responsável de hemodinâmica Dr. Vitor Brandão. Fica o doente de ser contactado posteriormente para realização do exame quando este material existir. Foi devidamente informado o Diretor do Serviço de Cardiologia. Foi ainda explicado ao doente a situação e que assim que possível o laboratório de Hemodinâmica o contactará».
Ora, o presidente do Conselho de Administração do CHA garante que «é mentira» que falte o material em causa, garantindo que o exame não foi feito «por decisão clínica de que não havia urgência em fazê-lo».
«Há uns 10 dias, o Dr. Ilídio [diretor do Serviço de Cardiologia do Hospital de Faro] contactou-me e disse-me: atenção que estamos com este material próximo do fim, só chega para Janeiro, e depois só temos para urgência e emergência. Eu disse-lhe que o material para os doentes da Via Verde Coronária tem prioridade, o senhor compra o que precisar», contou Pedro Nunes ao Sul Informação.
«O concurso para esse material ficou pronto ontem e as instruções que dei antes foi que se podia comprar as quantidades imprescindíveis até o concurso estar pronto», acrescentou. Uma compra que poderia ser feita «por ajuste direto», sendo o material entregue «em 24 horas, no máximo».
«A médica que escreveu isso na nota de alta deve ser novita, porque eu nem a conheço, e, desculpe-me a palavra, é burra. E é tonta, porque nem imagina a responsabilidade que vai assumir. Imagine que, por azar, o doente tem um enfarte, morre e a família vai para tribunal. A administração tem os documentos todos em como o material existe e o hospital está aprovisionado para 30 dias, por isso quem escreveu aquilo é que seria responsável», defendeu-se Pedro Nunes.
«Repito que o exame não foi feito porque o Serviço de Cardiologia entendeu que não era urgente. O diretor do Serviço disse-me que apenas queriam fazer o exame já por uma questão de conforto para o doente, que mora em Monchique e assim vai ter de voltar a Faro. Mas foi uma decisão clínica e com toda a segurança», assegurou.
Aliás, garantiu Pedro Nunes, se de facto o exame fosse urgente, não houvesse material e o doente corresse risco de vida, «chamava um helicóptero e o doente seguia para Santa Maria», em Lisboa.
O administrador considera ainda que «não é normal» a nota colocada pela médica na alta do doente. «Mas no Algarve nada é normal», ironizou.
Apesar de admitir que ontem ficou «furioso» quando soube do caso, Pedro Nunes disse que não vai levantar qualquer processo disciplinar. «Não lhe vou fazer nada [à médica], não estou no Algarve para chatear ninguém».
Este é mais um caso a adensar o mau estar nos hospitais algarvios e a situação de tensão entre os médicos e demais profissionais de saúde e a administração liderada por Pedro Nunes, e que já tinha tido como episódio mais visível a carta assinada por 183 dos 220 médicos especialistas do CHA, denunciando a «degradação dos cuidados de saúde».
Amanhã, terá lugar em Lisboa uma reunião entre uma delegação de autarcas algarvios da AMAL e o ministro Paulo Macedo, precisamente para discutir o estado da saúde no Algarve, enquanto na sexta-feira está prevista uma deslocação do Bastonário da Ordem dos Médicos à região, provavelmente acompanhado pela Direção Executiva da OM, com o fim exclusivo de falar com os médicos sobre a situação dos hospitais.
Imagens: SIC