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A EDP devia ser obrigada por lei a manter limpa de materiais combustíveis também uma faixa ao longo da sua rede elétrica de baixa tensão, que, só no concelho de Monchique, é responsável pelo início de um terço de todos os fogos florestais.

A ideia foi defendida esta segunda-feira, em Portimão, pelo presidente da Câmara de Monchique, um dos convidados para a audição pública subordinada ao tema «Incêndios Florestais – Todos os ângulos de um desígnio», promovida pelo deputado socialista algarvio Miguel Freitas, que decorreu ontem à tarde no auditório do Museu de Portimão.

O parlamentar do PS é o relator de um grupo de trabalho da Assembleia da República para discutir a problemática dos incêndios florestais, tendo que apresentar um relatório durante o mês de março, pelo que veio até Portimão ouvir de autarcas, comandantes de bombeiros, agentes de proteção civil, silvicultores e outros intervenientes na floresta o que tinham a dizer sobre o tema. E havia de facto muito a dizer.

O edil monchiquense Rui André, que até é social-democrata, recordou que «a seguir aos fogos de 2003 e 2004 foi criada muita legislação», mas que ninguém resolveu um problema de base: «quem é que paga as intervenções de prevenção necessárias? É só a Câmara? É o ICNF? É a Direção Regional de Agricultura?».

A questão do financiamento das atividades de prevenção e vigilância foi, aliás, o grande tema deste debate que teve sala cheia. Isilda Gomes, presidente da Câmara de Portimão, revelou que as autarquias gastam por ano 200 milhões de euros só em tarefas de Proteção Civil, segundo um estudo da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP).

Rui André, por seu lado, salientou que a Câmara de Monchique gastaria, se pudesse cumprir a lei na totalidade, 3 milhões de euros por ano a fazer a manutenção das bermas e faixas de gestão de combustíveis ao longo dos 3000 quilómetros de rede viária que aquele concelho serrano possui. E quem paga? Quem financia?

 

ZIF não funcionam porque acabou financiamento

A vizinha Serra do Caldeirão, que em 2012 foi devastada por um incêndio gigantesco, é dominada pelo minifúndio, onde as parcelas têm uma média de 0,5 hectares. Aí poderão ser ainda mais importantes as Zonas de Intervenção Florestal (ZIF), que permitem gerir e tirar rentabilidade da floresta tão fragmentada, ao dar-lhe escala. Só que, como recordou José Pedro Albuquerque, da Associação de Produtores Florestais da Serra do Caldeirão, esta zona tem teoricamente quatro ZIF instaladas, mas só três funcionam, porque a quarta, a ZIF Tavira II, viu o «financiamento para o seu corpo técnico terminar em 2010». «É necessário financiamento para manter ao menos um técnico em funções», sublinhou.

Jorge Botelho, presidente da Câmara de Tavira e da Comunidade Intermunicipal do Algarve (AMAL), acrescentou: «o Governo não apoia por aí além as equipas de sapadores florestais, nem as ZIF, nem os Gabinetes Técnicos Florestais. As Câmaras é que têm que assumir tudo isso».

O líder dos autarcas algarvios sublinhou que «há muito trabalho a fazer, sobretudo na clarificação do quadro legal», nomeadamente na definição das fontes de financiamento.

O tenente-coronel João Antunes (GNR), por seu lado, defendeu que os postos de vigia das florestas, que são assegurados por militares da GNR, deviam passar para a responsabilidade das Câmaras, de modo a evitar que às vezes, mesmo nas alturas mais críticas dos incêndios, estejam encerrados devido à falta de pessoal daquela força.

«E quem paga?», perguntou imediatamente José Gonçalves, vice-presidente da Câmara de Aljezur. «As Câmaras assumem cada vez mais responsabilidades sem qualquer contrapartida e essa seria mais uma. É preciso arranjar financiamento, porque, sem ele, não vamos lá. E haver candidaturas a financiamento que não sejam apenas para um ano, mas para vários anos».

O autarca de Aljezur referiu o caso da Associação de Municípios Terras do Infante, que reúne o seu concelho e ainda Lagos e Vila do Bispo, e cujo Gabinete Técnico Florestal tem em andamento o trabalho mais completo de gestão da floresta em todo o Algarve. No entanto, «dos 15 sapadores que aqui temos, queremos passá-los a efetivos, mas vamos ver se continuamos a ter financiamento. É que os sapadores, a partir do momento em que passam para os quadros das Câmaras ou das associações de municípios, deixam de ter financiamento».

Jorge Silva, da AsproCivil (Associação Portuguesa de Técnicos de Segurança e Proteção Civil), afinou pelo mesmo diapasão, dizendo que «as competências passaram do Estado central para as autarquias, mas não vieram acompanhadas das verbas. Isso só desresponsabiliza o Estado central».

Isilda Gomes, presidente da Câmara de Portimão, lançou outra acha para a fogueira desta discussão, quando revelou que a ANMP tem neste momento entre mãos a proposta do Governo de alteração do regime jurídico dos sapadores florestais, que «prevê retirar o apoio ao funcionamento das equipas no montante de 35 mil euros». Esta proposta, garantiu a autarca socialista, já mereceu «parecer negativo» da ANMP, mas tudo indica que deverá avançar.

Se isso acontecer, muitas Câmaras ficarão sem qualquer possibilidade de contratualizar equipas de sapadores florestais, até porque as autarquias estão proibidas de admitir mais pessoal. «Já dissemos ao secretário de Estado: ou se abre uma exceção para que as Câmaras possam fazer contratação para os postos de vigia e isso vem acompanhado de um envelope financeiro, ou muita coisa pára».

«O que se está a passar com os sapadores é demasiado grave!», garantiu Jorge Botelho. «Este ano, as Câmaras até têm de reduzir o seu pessoal em 2% e nós queremos que, se as escolas são exceção, os sapadores também sejam!»

 

Definir financiamento é fundamental

A concluir, o deputado Miguel Freitas elegeu a questão do financiamento tanto das ações de prevenção, como das de proteção civil, como fulcral. Pegando na proposta que momentos antes tinha sido feita por Vaz Pinto, comandante operacional da ANPC, o deputado defendeu que é necessário «clarificar as intervenções da Proteção Civil, mas também as várias competências neste domínio, bem como clarificar a estrutura de financiamento que existe nesta matéria, na prevenção e no combate».

A questão é que, em Portugal, se tem gasto muito, muito dinheiro no combate aos incêndios, campo que já está devidamente estruturado, mas pouco se sabe sobre a sua prevenção. E a administração central, como se pode ver na medida recente em relação aos sapadores florestais, quer diminuir cada vez mais o financiamento a tudo o que tenha a ver com prevenção, passando toda essa responsabilidade para as Câmaras Municipais, a braços com graves problemas de subfinanciamento.

«O despovoamento é a questão central que temos que discutir, mas tenho a consciência de que é um processo irreversível, pelo que isso nos obriga a reforçar o dispositivo de prevenção do risco e de proteção civil. E reforçar esse dispositivo tendo em conta as disponibilidades financeiras para fazer esse trabalho», salientou o parlamentar.

Miguel Freitas lembrou que «conhecemos todos os anos o dispositivo de combate aos incêndios no Algarve, sabemos todos os anos quantas pessoas são, cerca de 400. Mas não sabemos o dispositivo de prevenção que existe no Algarve e em Portugal. Quem é que trabalha na prevenção estrutural? Não sabemos». E isso, na opinião do deputado, é grave, sendo mais um dado que vai incluir no seu relatório.

No final de uma audição que se prolongou por mais de três horas, o deputado do PS e relator do grupo de trabalho da Assembleia da República para discutir a problemática dos incêndios florestais estava satisfeito com o andamento dos trabalhos em Portimão.

«O objetivo desta audição era colher propostas concretas e isso foi conseguido. É sempre muito importante trazer a Assembleia da República ao terreno».

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