As formações geológicas da Ponta do Telheiro, na costa oeste do concelho de Vila do Bispo, estão «presentes em manuais de geologia de toda a Europa» e há mesmo quem «faça férias no concelho só para vir cá ver essa estrutura».
As palavras são de Beatriz Oliveira, geóloga e autora do Guia/Roteiro sobre a riqueza geológica daquele concelho que a Câmara Municipal de Vila do Bispo vai lançar este verão.
A especialista, que é atualmente professora da Escola EB 2,3 de Vila do Bispo e trabalhou também no Centro Ciência Viva de Lagos, além de ter estado um mês a bordo do «Creoula» para acompanhar o trabalho dos cientistas nas Ilhas Selvagens, foi aluna da Universidade do Algarve e, nessa qualidade, foi uma das convidadas para apresentar o seu trabalho aquando da recente visita do reitor da UAlg António Branco ao concelho de Vila do Bispo.
Além da Ponta do Telheiro, o território deste município da Costa Vicentina apresenta muitas outros exemplos de um rico património geológico, como as pegadas de dinossauro das praias da Salema e Santa, os vestígios geológicos do Paleozóico na Praia do Castelejo, ou a Praia da Mareta, em Sagres.
A estrela é mesmo a Ponta do Telheiro, do Paleozóico-Terciário, onde, entre outros pormenores, existe um grês de Silves que é branco (e não avermelhado), o que é, segundo Beatriz Oliveira, ainda «inexplicável».
Mas o que lhe confere estatuto de atração internacional é a sua «famosa descontinuidade». Entre as dobras na parte de baixo da falésia e as faixas por cima «há uma descontinuidade de 90 milhões de anos», como se, no livro grosso da história geológica daquela zona, faltassem ali dezenas de páginas. «Não se sabe qual a explicação para esta descontinuidade, que atrai as atenções e os olhares de todos quantos se interessam pela geologia na Europa», mas pensa-se que esse desaparecimento de uma fatia de 90 milhões poderá ter tido a ver com erosão, conta Beatriz Oliveira, com os olhos a brilhar e perante a atenção profunda do reitor da Universidade do Algarve.
Tudo aspetos que, em breve, serão descritos em pormenor no guia a editar pela Câmara Municipal e que já atraem muitos visitantes ao concelho, de tal forma que Beatriz Oliveira garante que «neste momento o turismo geológico já produz riqueza económica no concelho de Vila do Bispo, havendo pessoas que vêm cá fazer férias porque há aqui uma estrutura famosa como a da Ponta do Telheiro».
Por isso mesmo, Luís Azevedo Rodrigues, diretor do Centro Ciência Viva de Lagos, ele próprio paleontólogo e um dos estudiosos das pegadas de dinossauros existentes no território de Vila do Bispo, deixou o desafio, ao presidente da Câmara Adelino Soares e ao reitor António Branco, para a criação de um «Geoparque», a exemplo dos que existem em Idanha ou Arouca.
«Os municípios de Vila do Bispo e de Aljezur podiam pensar em juntar-se para fazer uma inventariação aprofundada do seu património geológico, aproveitando o trabalho da Beatriz Oliveira e de outros, de modo a criar aqui um Geoparque», desafiou Luis Azevedo Rodrigues.
O diretor do CCV Lagos acrescentou que «já há empresas que se instalaram no vizinho concelho de Aljezur para trazer estudantes universitários, estagiários e outras pessoas interessadas, para fazer investigação e passeios sobre a geologia da zona. É um nicho de mercado importante, que já está a trazer, por exemplo, estudantes ingleses que passam cá duas semanas por ano, fazendo este estágio parte do currículo dos seus cursos».
Adelino Soares, presidente da Câmara de Vila do Bispo, aproveitou para sublinhar o interesse com que a sua autarquia vê estas questões, que passa, para já, pela edição do Guia da Geologia a ser lançado em breve. «Quem se interessa pela geologia riquíssima que cá temos é um turista que não vem só no verão, mas sim que nos procura ao longo do ano inteiro», sublinhou o autarca.
Beatriz Oliveira, por seu lado, falou nas dificuldades de proteger o património geológico. «Para nós, seres humanos, é mais fácil protegermos uma fortaleza, que pode ter séculos mas foi construída num tempo mais recente, que proteger o grande património geológico que temos, que também conta outras histórias da Terra, não histórias com séculos, mas com milhões de anos».
«Em Idanha, o Geoparque que aí foi criado deu uma visibilidade a essa região que de outra maneira não existiria. E tem atraído visitantes e turistas, com benefícios para a economia. Se a população local obtiver benefícios com um determinado estatuto de proteção, vai ficar a favor dessa proteção», acrescentou a geóloga.
As rochas são como um livro para os geólogos. «Contam o que se passou há milhões de anos e são a única fonte fiel e credível que temos para estudar o que aconteceu nesse passado mais remoto», sublinha Beatriz Oliveira. Por isso, para ajudar o grande público a descobrir essa história com milhões de anos, vai ser editado o Roteiro Paleo-Geológico do concelho de Vila do Bispo. Uma forma de dar a conhecer um património riquíssimo e de acrescentar mais uma experiência de grande interesse a quem está de férias naquela zona da Costa Vicentina.