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wim de vosO belga Wim de Vos, membro do Conselho Executivo do Conselho Internacional dos Museus (ICOM Internacional) e presidente do júri do Prémio Museu Europeu do Ano (EMYA), este em Portimão, pela primeira vez, como um dos convidados especiais dos Encontros de Outono do ICOM Portugal, que este ano tiveram lugar no Museu portimonense.

Sendo uma das vozes mais importantes da museologia a nível mundial, Wim de Vos falou com o Sul Informação sobre o papel dos museus, as dificuldades que atravessam em tempos de crise e o muito que se pode fazer no campo do património.

Sul Informação: Qual é o novo papel (ou papéis) dos Museus nos dias de hoje e no futuro?

Wim de Vos: Cada vez mais, os Museus são sítios onde as pessoas se encontram, onde se ligam entre si e com a sua herança cultural. O património já não é apresentado como algo para que devemos olhar, mas como algo que tem um papel na nossa vida e nos une a todos. É apresentado como algo que resulta do que os nossos avós, ou mesmo muitas gerações antes deles, fizeram e usaram, e como isso é simbólico de uma atitude em relação à sociedade: nós temos respeito pelo que fizeram, estamos a olhar e a admirar isso, juntos, e isso pode inspirar-nos a, juntos, criar uma sociedade baseada no respeito, no trabalho coletivo.
Os museus têm que ter laços fortes com as comunidades, têm que apostar na acessibilidade e na inclusão. Têm que ouvir e dar a ouvir a voz dos que a não têm, ouvir as vozes das pessoas da comunidade. Os museus são cruzamentos, não são anexos da sociedade, são a própria sociedade.
Por isso, os museus são cada vez mais uma peça importante na engrenagem da construção de uma comunidade, onde diferentes comunidades se podem juntar, podem ouvir-se umas às outras, podem encontrar-se e por isso podem desenvolver projetos em conjunto.
Mas a base continua a ser: tradições antigas, objetos antigos, arte antiga, ou mesmo arte moderna ou até produções contemporâneas, um estudo do que a sociedade criou num dado momento.

SI: Muita gente pensa que o Museu é apenas uma “casa” e pouco importa o que se coloca lá dentro. Esta é uma abordagem completamente diferente…

WV: Claro que é preciso um edifício e um bom edifício. Em muitas grandes cidades em todo o mundo, vê-se que o museu é um local simbólico, é um marco na paisagem, e muitas vezes o redesenvolvimento das cidades após uma crise começa também com museus, com belos edifícios, edifícios simbólicos, bons para o turismo e para o marketing da cidade.
Mas isso não é suficiente. E nem sempre isso é necessário. É bom ter um belo edifício, mas pode ter-se um museu sem isso, sem um edifício de prestígio, mesmo que todos nós gostemos de belos edifícios, como este em Portimão.
Precisamos de uma “casa”, mas precisamos de mais. Precisamos de atrair as pessoas, de trazê-las cá, que elas se sintam em casa, que esta é a sua casa, que é aqui que trabalhamos com a sua herança, com aquilo que é o património da nossa comunidade, e que elas podem vir aqui, ver isso, viver isso, em conjunto.

Wim de Vos: «Museus são um daqueles fatores que custam dinheiro quando são construídos, mas que trazem de volta mais, muito mais, para a comunidade, em valor económico, mas também em coisas que é muito mais difícil de medir»

SI: Com a crise será mais difícil criar esse novo tipo de museus?

WV: Construir museus é, sem dúvida, mais difícil com a crise. Aliás, desenvolver todo o tipo de novas atividades, se se precisa do envolvimento de profissionais, é mais difícil. E não se pode fazer tudo com voluntários. Voluntários são importantes, mas não podemos apenas ficar por aí.
Em tempos de crise, é importante que os Governos invistam na Cultura. É bom para o Turismo, mas também para o emprego e para que as pessoas se sintam orgulhosas da sua cidade, da sua comunidade. É bom para o nível global de vida. Museus são um daqueles fatores que custam dinheiro quando são construídos, mas que trazem de volta mais, muito mais, para a comunidade, em valor económico, mas também em coisas que é muito mais difícil de medir. As mais valias para a sociedade, o sentir-se bem nesta sociedade que, no final das contas, também têm um valor económico, que é estimulado pelo museu.

SI: Mas a Cultura, pelo menos em Portugal, tem um orçamento cada vez mais baixo. Será necessário mudar a maneira como os responsáveis políticos pensam na Cultura?

WV: Mas também mudar o que o público pensa sobre o assunto. Se se vê televisão, até nos canais públicos não é fácil encontrar programas sobre Cultura. É isso que nós [os Museus] temos de fazer: dar a conhecer, explicar, como a Cultura sabe bem quando é provada, devemos insistir nisso. E tentamos fazer isso: que as pessoas venham ao museu e percebam como isto é fantástico. E então, se o público estiver conquistado, automaticamente os responsáveis políticos serão mais inclinados para apoiar a Cultura e poderemos então convencê-los a também apoiar a Cultura.
Este museu em Portimão mostra isso, trabalhando em conjunto com o município e a comunidade. Não são só os grandes museus internacionais, em Glasgow, Liverpool, o MOMA de Nova Iorque, a mostrar como um museu pode ser importante para uma cidade, para o nível global de vida nessa cidade.

SI:  O senhor é também membro do júri do Prémio Museu Europeu do Ano (EMYA) e por isso conhece muitos museus em todo o mundo. Ainda se surpreende com um museu?

WV:  Este é o meu primeiro dia em Portimão e eu estou surpreendido. Estou surpreendido pelo facto de este Museu, que está instalado numa antiga fábrica de conservas de sardinha, ser tão luminoso, tão acolhedor, sentimo-nos totalmente à vontade aqui, numa atmosfera muito acolhedora, quase caseira. Não é tanto um museu de arqueologia industrial com muitas explicações técnicas, com muito barulho, numa atmosfera escura. É um ambiente de descontração, ideal para uma viagem de férias. Nesse sentido, é uma obra prima na forma como o edifício se aproxima e integra na comunidade, através da sua arquitetura, da sua recuperação, das políticas públicas. Estou muito contente por aqui estar.

SI: Como membro do júri do Prémio EMYA, o que procura nos museus?

WV: Procuramos ideias luminosas e novas. Procuramos a qualidade do edifício, mas também do acolhimento ao público. Se lá formos com a família ou com os filhos, durante as férias ou apenas por uma tarde, está lá tudo para podermos passar uma boa tarde? É um museu onde se pode sentar, onde se pode descansar, onde se pode tomar um café, ali ou na vizinhança? Tudo isso deve estar presente num museu.
Claro que a primeira coisa é o tratamento científico que o Museu faz do património, como é que o Museu se aproxima dessa herança cultural, desse património, não contando mentiras.
Mas, mais importante que isso, procuramos como é que isso é apresentado, como é que se trabalha o património, como é que se consegue fazê-lo criando uma atmosfera acolhedora e de qualidade, como é que o fazem trabalhando com e ligando-se à comunidade. Esse é o core business da nossa atividade. E se vemos ideias brilhantes, que nunca vimos em lado nenhum, é claro que somos seduzidos por isso.

SI: Em Portugal, há muitos museus, pequenos e grandes, e, apesar da crise, os Municípios continuam interessados em investir nesta área. Tivemos aqui o presidente da Câmara de Monchique, que falou do seu interesse em criar uma rede de pequenas unidades museológicas no seu concelho. Acha que estes movimentos são importantes?

Wim de Vos: «É também importante que as pessoas da terra sintam orgulho da sua própria herança cultural, do seu património, do que foi feito aqui em tempos antigos»

WV: O Algarve é uma zona turística, mas os turistas precisam de ter onde ir e o que visitar, nomeadamente quando chove ou quando lá fora está demasiado calor.
É também importante que as pessoas da terra sintam orgulho da sua própria herança cultural, do seu património, do que foi feito aqui em tempos antigos, ficando em contacto com correntes mais alargadas da civilização. Sentimo-nos menos isoladas, quando olhamos para arte ou artefactos que também existam noutras partes de Portugal, na Península Ibérica ou em toda a Europa.
Há exemplos de museus que são construídos de propósito para que as pessoas dessa comunidade tenham orgulho da cidade onde vivem e do seu património, o queiram defender e deixem de partir da sua terra.
Há que construir museus, locais de património. As pessoas muitas vezes dizem que precisamos de construir uma nova narrativa, uma nova História para a Europa, para que esta continue a ser uma terra de paz e de prosperidade. O património deve desempenhar um papel importante nisso. Porque nós temos um património muito rico na Europa e devemos sentir-nos orgulhosos dele, valorizá-lo e mostrar que é isso que somos: europeus!

 

Foto: Wim de Vos, ao centro, ladeado por José Gameiro, diretor científico do Museu de Portimão, e José Alberto Ribeiro, presidente do ICOM Portugal

 

 

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