Please ensure Javascript is enabled for purposes of website accessibility

O Prémio Maria Veleda, instituído pela Direção Regional de Cultura do Algarve para destacar e reconhecer a atividade cultural de personalidades algarvias, protagonistas de intervenções particularmente relevantes e inovadoras na região, foi entregue este sábado a Margarida Tengarrinha, num cerimónia emotiva que decorreu no Grande Auditório do Teatro Municipal de Portimão.

Na sala, estiveram muitos familiares, amigos, alunos e admiradores de Margarida Tengarrinha. A sessão contou com dois momentos musicais, um a cargo do duo «ViolinAcordeão» (João Pedro Cunha e Gonçalo Pescada), outro com a orquestra de jovens violinistas do Conservatório Joly Braga Santos, de Portimão.

Foi ainda exibido pela primeira vez um documentário de 17 minutos sobre Margarida Tengarrinha, em que esta recorda a sua vida de 86 anos ricos de histórias, lutas e conquistas. Este documentário, que resulta de quase cinco horas de conversa gravadas com a premiada, vai agora integrar a base de dados do novo site da Direção Regional de Cultura.

No fim, Alexandra Rodrigues Gonçalves, diretora regional de Cultura, entregou à primeira galardoada o prémio, simbolizado por um troféu em cortiça, concebido pela Pelcor.

Aqui ficam as imagens da cerimónia, bem como, depois da galeria de fotografias, o discurso de agradecimento proferido por Margarida Tengarrinha.

 

 

Discurso de Margarida Tengarrinha, na íntegra:

«Em primeiro lugar, quero dirigir à Direção Regional de Cultura e ao júri, que me julgaram digna deste prémio, os meus comovidos agradecimentos. E se digo “comovidos” não é por uma questão de pieguice, mas sim porque cheguei a uma idade em que, naturalmente, no íntimo de nós próprios, fazemos um balanço da vida que vivemos, e quando são outros (e bem qualificados) que a ela dão valor, torna-se maior a segurança de que não vivemos em vão.

Por me darem essa força, obrigada! Creio que quem tem a avidez de viver e também a necessária coragem para cortar com os caminhos previstos e enveredar por outros desconhecidos e perigosos, deve sentir como eu senti dois impulsos em sentidos opostos; ir ou ficar.

Recordo que, ainda muito jovem, Rimbaud escreveu que «queria experimentar o mais possível e com a maior intensidade». Eu acrescentei a esse pensamento «e também com a maior utilidade».

E essa foi a razão primeira que me levou a lançar numa intensa luta pela Paz, num mundo devastado pela Guerra em que surgiam novos perigos, como as duas bombas atómicas lançadas pelos EUA sobre Hiroxima e Nagasaki.

Éramos jovens e queríamos um mundo melhor, num Portugal em que grassava a miséria, dominado por um pequeno grupo de grandes financeiros monopolistas e latifundiários.

Éramos jovens e queríamos a liberdade, pois abafávamos num Portugal dominado por todos os medo: a Mulher era desconsiderada ao ponto de lhe serem retirados direitos fundamentais e ser tratada como de menor idade; a Censura omnipresente cortava as notícias dos jornais, impedia peças de teatro, proibia a publicação de livros pela grelha estreita de um index tão feroz quanto os da velha Inquisição; a polícia política, a PIDE, era uma sinistra aranha, que, informada pela sua rede de bufos e informadores, usava as armas da mais feroz repressão, prisões, torturas e assassínios, mas também uma outra arma não menos eficaz, que era tirar o pão aos adversários; e estrangulava todos os meios de cultura, de que nós, jovens, estávamos ávidos.

Assim, só havia um caminho – o da luta!

A luta que, depois de 48 anos, com a frente de combate do MFA e o massivo apoio popular, fez eclodir o 25 de Abril da Liberdade e da Democracia. Mas muito há ainda a fazer, neste país onde, este ano, mais de 390 mil desempregados perderam o direito ao subsídio de desemprego; onde mais de 52 mil crianças perdera o direito ao abono de família e uma em cada três crianças vive no limiar da mais extrema miséria; onde mais de 5 mil pessoas perderam o direito ao subsídio social de integração; onde o SNS é cada vez mais degradado; e a educação e a cultura são lançadas para o último plano das necessidades fundamentais do indivíduo; onde as mulheres sofrem uma tal violência que este ano 39 foram assassinadas pelos seus companheiros.

Por tudo isto, para mim é claro que só há um caminho – continuar a luta!

Em segundo lugar, receber o Prémio «Maria Veleda» tem para mim um particular significado, pois sempre a considerei a mais corajosa e a mais coerente revolucionária entre as mulheres que lutaram pela Revolução Republicana.

Quando Ana de Castro Osório se referia displicentemente a Maria Veleda num artigo do jornal «O Tempo», de Maio de 1911, dizia que Maria Veleda «se declarara abertamente anti-sufragista, anti-feminista e exclusivamente livre-pensadora».
Maria Veleda refutou muitas dessas e outras afirmações, dizendo: «se se reconhece à mulher o direito de voto, é uma incoerência reclamá-lo só para aquelas que tenham um curso ou possam ser consideradas intelectuais. Se uma mulher tem direito ao voto, deve tê-lo em igualdade de circunstâncias com o homem; e neste sentido, nos declaramos desde já “sufragistas”…embora esta atitude brigue com o nosso ideal, – pois queremos defender a mulher do povo contra todas as aristocracias – a aristocracia do diploma, a aristocracia do talento e a aristocracia do dinheiro».

Maria Veleda tinha a convicção da importância de elevar o nível cultural e a consciência social da mulher, o que a levou a dar aulas de alfabetização a mulheres operárias; empenhou-se no combate contra a “escravatura branca”; teve um papel ativo na fundação da Tutoria da Infância, na qual trabalhou desde o início; e, sendo ela própria mãe solteira, deu-lhes um apoio particular, no âmbito da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas. Quando a Liga se dividiu em dois grandes grupos, o das mulheres conservadoras e o das radicais, elegeram-na presidente deste último grupo.

Ela tinha plena consciência de que a defesa dos direitos da mulher está indissoluvelmente ligada à luta geral pela liberdade e a democracia.

É a mesma convicção que o Movimento Democrático das Mulheres, a quem agradeço ter proposto a minha candidatura, mantem hoje, pois, quanto mais desenvolvida é uma sociedade e mais progressistas os ideais que a norteia, tanto maiores e mais vastos são os direitos das mulheres. Pois a luta pelo progresso social é também a melhor defesa dos direitos das mulheres. Por tudo isto, a luta continua!

 

Margarida Tengarrinha
6 de Dezembro de 2014»

 

sulinformacao

Também poderá gostar

Sul Informação

Beta Talk festejou 5º aniversário com Bolinhas no Blanco Beach

Os cinco anos de conversas inspiradoras da Beta Talk de Portimão foram festejados no

Sul Informação

Se estiver na Fortaleza de Sagres e lhe perguntarem “vai uma fotografia em família?”, não se surpreenda

“Vai uma fotografia em família?”. Esta é uma pergunta que todos os visitantes da

Sul Informação

Sindicato acusa Pestana Algarve Race de abusos laborais, empresa nega que trabalhadoras sejam suas

«Retidas e forçadas a trabalhar». É desta forma que o Sindicato dos Trabalhadores da