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Edificio Mabor_arqueo_03Os primeiros vestígios romanos descobertos na área da atual cidade de Portimão foram identificados nas últimas semanas, durante os trabalhos de acompanhamento arqueológico da obra do chamado Edifício Mabor, na zona ribeirinha, junto à Casa Inglesa.

A intervenção arqueológica, prevista desde o início na obra de requalificação urbana daquele edifício emblemático da zona antiga de Portimão, pôs a descoberto aquilo que o arqueólogo Paulo Botelho, da empresa AES Arqueologia, classifica como uma «zona industrial de preparados de peixe», um conjunto de pelo menos cinco cetárias romanas, onde se produziria o famoso garum.

Esses tanques escavados no substrato rochoso composto por calcários brandos, revestidos a argamassa, deveriam situar-se então junto às margens do Rio Arade.

Trata-se, segundo os arqueólogos da empresa contratada pelos proprietários do Edifício Mabor para fazer o acompanhamento arqueológico, de «três cetárias inteiras e duas afetadas por estruturas mais recentes», que foram abandonadas nos séculos IV a V da nossa era, ou seja, já num período tardio da presença romana no Algarve. A datação foi feita sobretudo graças aos materiais abandonados dentro desses milenares tanques de salga de peixe.

Além dos tanques, há ainda estruturas de muros, três prováveis silos, tendo igualmente sido recolhidos fragmentos de cerâmica, nomeadamente de ânforas, os recipientes em barro que eram usados para acondicionar e transportar o garum, esse molho feito com peixe e suas vísceras, sal e ervas aromáticas, tão ao gosto dos romanos. «Há aqui algumas ânforas partidas, mas com os fragmentos quase todos, o que permitirá a sua reconstituição», revelou ao Sul Informação Sónia Ferreira, a outra arqueóloga da AES Arqueologia.

Edificio Mabor_arqueo_04Além dos vestígios romanos, a equipa de investigadores identificou ainda dois outros níveis: «um nível pré-terramoto de 1755, dos séculos XVI ao XVIII», com muros, estruturas habitacionais, uma zona de calçada, «que assenta diretamente sobre os níveis romanos», pelo menos onze séculos mais antigos.

E ainda um nível contemporâneo, atual, que é representado pelo Edifício Mabor (assim conhecido por exibir, no telhado, um anúncio luminoso dessa marca) e pelo prédio que lhe é contíguo, que fará parte do futuro complexo de lojas, escritórios e habitação que vai ser construído naquele local. Dos edifícios antigos, apenas ficarão as fachadas, naquele que é o mais volumoso investimento em reabilitação urbana em curso no Algarve e apoiado pelo Programa Jessica.

Ou seja, sublinham os arqueólogos, «há um hiato cronológico entre o período Romano e o Moderno». É que, até agora, nas escavações que os investigadores estão a fazer no local – e que irão continuar na zona mais a Sul, logo que terminem os trabalhos de contenção das fachadas e sejam limpos os interiores dos dois edifícios – «não apareceu nenhum vestígio de ocupação entre os séculos IV/V e XVI. Não há aqui, por exemplo, quaisquer vestígios islâmicos».

Do complexo de cetárias romanas, além da realização de escavações e de um registo rigoroso de todas as estruturas, em desenho e fotografia, serão ainda feitos «outros estudos posteriores, nomeadamente a eventuais vestígios de preparados de peixe que possam surgir, para saber, por exemplo, que peixes eram usados, bem como a recolha de sedimentos no interior dos tanques de salga».

Edificio Mabor_arqueo_12Para já, os arqueólogos sabem que o pequeno complexo industrial romano tem uma «orientação de nordeste para sudoeste», podendo eventualmente estender-se por baixo do arruinado Edifício Mabor. Aliás, nas sondagens de diagnóstico já feitas, os investigadores identificaram mais duas cetárias na fachada do prédio e «parcialmente destruídas por infraestruturas contemporâneas», nomeadamente por condutas de água, esgotos e eletricidade, que foram sendo instaladas ao longo dos anos, então sem qualquer preocupação ou acompanhamento arqueológico.

Até agora, os trabalhos de arqueologia têm decorrido na parte norte do quarteirão quase completo que será ocupado pelo futuro edifício, que, como já foi dito, apenas manterá as fachadas dos anteriores. O levantamento e escavações estão a decorrer numa zona que, desde há anos, funcionava como estacionamento informal, depois de derrubados armazéns que aí existiam. Nessa zona, prevê-se agora a construção do parque de estacionamento subterrâneo do novo complexo.

Durante esta próxima semana, e enquanto, ao lado, continuam os trabalhos de engenharia para contenção das fachadas, com a colocação de microestacas e o escoramento de algumas zonas, os arqueólogos vão «escavar dentro dos tanques e dos silos», todos da época romana. Esta primeira fase deverá estar terminada «em meados de Janeiro».

Depois da contenção das fachadas e da demolição dos interiores do setor sul, a intervenção arqueológica avançará, então, para essa zona.

Edificio Mabor_arqueo_09Uma das coisas que os arqueólogos já sabem é que a fachada do Edifício Mabor «assenta diretamente sobre o embasamento da muralha» de Portimão. O quarteirão onde a empresa Carvoeiro Branco, propriedade do empresário holandês Erik de Vlieger, está a promover este investimento, está na zona de proteção da muralha de Portimão, cuja origem e datação não está ainda bem documentada.

Aliás, todo o processo do Edifício Mabor tem sido um bom exemplo do funcionamento das intervenções arqueológicas em Portimão e no Algarve. O Museu de Portimão, no âmbito das suas atribuições na área arqueológica e patrimonial, fez e forneceu gratuitamente aos proprietários o caderno de encargos para o acompanhamento arqueológico que é obrigatório por lei, para mais numa zona de proteção de um monumento classificado, como a muralha.

Com base nesse caderno de encargos, foi definido um programa de sondagens que, neste caso, permitiram detetar as estruturas romanas, modernas e contemporâneas, obrigando a alargar e aprofundar a investigação, como está a acontecer.

Rui Parreira, diretor de serviços de Bens Culturais da Direção Regional de Cultura, que tutela estas questões no Algarve, recordou, em declarações ao Sul Informação, que «o processo do Edifício Mabor já passou por anteriores tentativas de intervenção no quarteirão, mas que previam a demolição total dos edifícios existentes. Tanto o IPPAR como a Direção Regional sempre foram contra essa demolição total».

Por isso, quando surgiu o projeto atual, que se propunha manter as fachadas de dois dos três edifícios (o terceiro já ruiu e foi destruído há anos), «demolindo apenas o interior e conservando os restos da muralha que viessem a ser encontrados», foi possível a aprovação.

Edificio Mabor_arqueo_16E agora, com a descoberta das cetárias romanas, o que vai acontecer a estes vestígios? Rui Parreira, também ele arqueólogo experiente, sublinha que «é muito difícil alterar o projeto para conservar essas estruturas romanas, até porque, na zona onde surgiram, o projeto atual prevê escavação para construir a garagem do prédio». No entanto, «na parte sul, junto à fachada, talvez seja ainda possível manter alguns dos vestígios por baixo das lojas», como se vem fazendo noutras zonas do país.

No entanto, uma coisa é certa: «é ponto assente que a base da muralha vai lá ficar, assim como as fachadas dos dois edifícios mais emblemáticos».

De qualquer modo, explica aquele responsável, por lei, depois de aprovado o projeto pelas entidades de tutela, os proprietários apenas são obrigados a promover o acompanhamento arqueológico e a conservação através do registo. E isso está a ser feito.

No dia em que visitou as escavações e obras em curso, o Sul Informação falou, no local, com uma representante do proprietário, que admitiu a possibilidade «de alguma coisa poder ser integrada» no futuro edifício.

Essa representante fez ainda questão de sublinhar a boa colaboração que o promotor do investimento sempre manteve com o Museu de Portimão, que passou até pela deslocação ao Edifício Mabor de técnicos que recolheram, no local, documentos, objetos e peças de mobiliário em lojas e escritórios, alguns deles históricos, que aí funcionaram até ao fecho do edifício. Grande parte desse espólio, porém, já tinha sido destruída em 2011, por um incêndio, provocado talvez por toxicodependentes que se abrigavam no edifício degradado.

Rui Parreira, da Direção Regional de Cultura do Algarve, fez também questão de referir essa boa colaboração, recordando que «o Museu de Portimão ofereceu-se desde logo para receber os materiais [resultantes da investigação arqueológica], promover o seu estudo numa fase posterior e talvez organizar uma exposição, dando destaque à atitude desta empresa que investe no centro histórico da cidade de Portimão, promovendo a sua revitalização».

Edificio Mabor_arqueo_21Também Paulo Botelho, da empresa AES Arqueologia, salienta a necessidade de «definir possíveis medidas de minimização». «Não queremos que a obra pare, mas também não é possível, nem isso vai acontecer, que tudo seja destruído», insiste o arqueólogo. «Para já, estamos a fazer a conservação pelo registo, algo que durante muitos anos não foi feito em Portimão».

Para Rui Parreira, este caso é um exemplo da necessidade de encontrar «um ponto de equilíbrio» entre a conservação do património e a reabilitação urbana numa zona histórica.

Apesar de, na opinião da entidade que tutela o património, haver ainda questões a definir com os proprietários e o arquiteto, nomeadamente quanto à possibilidade de manter e tornar visíveis algumas das estruturas que venham a ser descobertas na zona sul, «a escavação não vai empatar os timings da obra».

Menos seguro disso está a o engenheiro responsável: «atrasar até atrasa um pouco», disse ao Sul Informação. Mas nada que estrague os planos do investidor.

O Edifício Mabor representa um investimento de cinco milhões de euros e implica a requalificação urbana de um quarteirão no centro histórico e zona ribeirinha de Portimão. O futuro edifício terá três componentes: comércio, habitação e escritórios. Manterá quase a mesma volumetria atual, embora inclua um terceiro piso, de habitação, recuado.

«Prevemos que a obra esteja terminada no final de 2015», salientou a representante do proprietário, que faz questão de sublinhar que os trabalhos estão a cargo de um arquiteto local (Ricardo Pina), uma construtora portimonense (a Bemposta) e de uma empresa de fiscalização algarvia (Veritate). «Quisemos que este investimento, além de significar uma importante intervenção de reabilitação urbana na zona histórica da cidade, fosse também feito recorrendo a empresas locais», acrescentou.

Edificio Mabor_arqueo_02E quanto ao futuro? José Gameiro, diretor científico do Museu de Portimão recorda o caso da alcaria islâmica descoberta no Morgado de Arge, quando foram feitas as obras da Via do Infante, no concelho de Portimão. «Já então, arqueólogos do Museu participaram nos trabalhos, foi feito o devido registo de tudo e há peças daí provenientes que estão em exposição no Museu. É isso que está a ser feito agora, faltando apenas estabelecer um protocolo com os proprietários do Edifício Mabor para agilizar a conservação do registo e do espólio».

Gameiro sublinha que, «desde 2006, ou seja, desde há oito anos, que o Museu de Portimão faz e oferece o caderno de encargos para estas intervenções arqueológicas, obrigatórias por lei. Já houve outros casos anteriores, até nas imediações do Edifício Mabor. Todas as obras na zona têm sido, desde 2006, sistematicamente acompanhadas arqueologicamente, o que não acontecia antes».

E acrescenta: «nos termos da lei, os registos e espólio que resultarem destes trabalhos de acompanhamento arqueológico só podem ser entregues numa estrutura que integre a Rede Portuguesa de Museus, o que é o caso do Museu de Portimão».

Ou seja, tudo se prepara para que, depois das escavações e do estudo dos materiais registados e recolhidos, seja feita, certamente com o apoio da empresa imobiliária, «uma apresentação à população dos resultados», dando assim a conhecer mais uma página importante na longa história de Portimão.

 

 

Texto e fotos: Elisabete Rodrigues|Sul Informação (C)

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