O recorde absoluto de participantes no Dia da Pré-História, nos Monumentos Megalíticos de Alcalar, foi batido no domingo, com 1609 pessoas de todas as idades a passar os torniquetes da entrada.
«Isto só prova que, quando temos um bom programa para oferecer, as pessoas interessam-se e correspondem», comentou o arqueólogo Rui Parreira, da Direção Regional de Cultura do Algarve.
«Há aqui gente de todas as idades, muitas famílias com as crianças, que vieram de Faro, de de Monchique, de Portimão, e de muitos outros sítios, mas também estão cá os idosos que são vizinhos do monumento», acrescentou Isabel Soares, uma das arqueólogas do Museu de Portimão e coordenadora da equipa que pôs de pé mais esta iniciativa.
Miúdos e graúdos divertiram-se a “caçar” javalis e veados com arco e flecha, a fazer tecelagem ou a modelar o barro, a moer o grão, a amassar e cozer o pão em placas de pedra aquecidas, a puxar a pedra de tonelada e meia, a tocar ou a construir instrumentos, a aprender como se faz o fogo sem fósforos, ou simplesmente a vestir-se com as roupas pré-históricas, num guarda-roupa criado ao longo dos anos pela equipa do Museu de Portimão, que todos os voluntários, mas também os visitantes, podem envergar.
Num canto, à sombra de uma moita de aroeira, crianças e pais aprendiam a fazer colares de contas ou a desenhar placas de xisto para colocar ao peito, tendo como orientadora Margarida Tengarrinha, artista plástica e uma das mais entusiastas integrantes do Grupo dos Amigos do Museu de Portimão. «Não sou capaz de ficar só a olhar, gosto é de estar aqui a explicar como isto se faz e a falar com as crianças e os pais», explicava a voluntária mais idosa – e elegante – do grupo.
Noutro local, sob o olhar atento dos bombeiros pouco pré-históricos, Sara Navarro colocava as peças de barro feitas dias antes num ateliê e que ali foram cozidas, numa soenga, uma enorme fogueira que é mantida em brasa durante um dia inteiro, para cozer as peças de cerâmica. Esta terça-feira, depois de a fogueira se ter apagado e as peças terem arrefecido, a soenga será desmontada. «Estou curiosa para ver como ficou a peça que fiz», comenta Gisela Lima, professora reformada, uma das participantes no ateliê promovido pelo Amigos do Museu de Portimão.
Mas, em tudo o que mete portugueses, não há dúvida de que o maior sucesso foi garantido pelos comes e bebes, à moda pré-histórica.
Quantos aos bebes, havia cerveja feita por métodos artesanais e usando até bagas e plantas aromáticas colhidas ali mesmo, em Alcalar. E a prova que centenas de pessoas fizeram de três tipos de cerveja diferentes deixou toda a gente entusiasmada…até porque a cerveja tinha 7 graus…
Houve logo quem sugerisse a criação de uma cerveja com a marca Alcalar, a ser vendida no Museu de Portimão. Uma sugestão bem aceite pelo André Gonçalves e pelo Ruben Pires, da Quinta dos Avós, que estão a preparar o lançamento da primeira cerveja artesanal algarvia.
No que diz respeito aos comes, houve muito para comer. Em primeiro lugar, o pão, amassado à mão e cozido em placas de pedra aquecidas pelo fogo.
Mas antes, como era costume há 5000 anos, houve que desmanchar o porco oferecido pela Câmara de Monchique. E desmanchá-lo não com uma afiada faca de talhante, mas com lâminas de sílex, uma pedra especialmente dura e resistente, que, talhada por quem sabe, dá origem a lascas afiadas que «cortam tanto como uma faca japonesa», como dizia Nuno Silva, do Museu de Portimão.
O desmanchar do porco, bem como a preparação das peças de carne para assar na fogueira, o acender da fogueira sem o recurso a fósforos, todas essas tarefas estiveram a cargo do arqueólogo experimental Pedro Cura, com a ajuda preciosa do Nuno Silva.
Com base em estudos e investigação, Pedro Cura mostrou como seriam preparados os alimentos há cinco milénios, nos tempos do Neolítico, desde a preparação da carne, peixe e marisco, à construção de lareira e fornos e todo o processo de cozedura, até ao consumo final. Não se tratou de uma simples recriação histórica, mas muito mais do que isso, verdadeira arqueologia experimental.
Ao longo do dia, assou-se carne untada com mel na lareira, mas também peixe envolto em couve e barro, lentilhas cozidas em panela de barro sobre a fogueira, enquanto ao lado, num forno escavado na terra e forrado também a barro, se cozinhou uma mistura, por camadas, de carne de porco, berbigão e lagueirão da Ria de Alvor, ali tão perto, e cogumelos. O resultado estava uma delícia que todos partilharam, com alegria.
«A carninha está muito boa, mesmo com este doce do mel», comentava um velhote de Alcalar, um dos muitos que foram espreitar o que se passava no monumento.
Pelo meio de todas estas atividades, mais ou menos lúdicas, mais ou menos educativas, os voluntários do Grupo de Teatro da Escola de Artes da Bemposta encarnavam a sério o seu papel, vestidos a rigor com tecidos grossos e peles, mesmo sob o sol quente de domingo. A quem tentava falar com eles, respondiam «Ughh! Aghh!» e coisas semelhantes, uma linguagem pré-histórica inventada, que usavam mesmo para comunicar entre eles.
Os jovens encenaram também uma cerimónia de enterramento na mamoa principal, um dos túmulos dos Monumentos Megalíticos de Alcalar, com direito a cortejo, a cânticos e outros rituais, acompanhados pelo feiticeiro mor, o senhor João, que é voluntário destes Dias da Pré-História desde os tempos em que era segurança no Museu de Portimão. «Agora já estou reformado, mas quero sempre fazer parte disto», contou ao Sul Informação, enquanto levantava o búzio para o soprar com toda a força.
Se, para o grande público, este Dia da Pré-História teve lugar entre as 10 e as 16h30, a verdade é que, para a equipa do Museu de Portimão, principal responsável por todas as atividades, o dia começou bem mais cedo, às 7h00 da manhã, com a preparação. E continuou até depois das 19h00, em mais de 12 horas de trabalho intenso, que mostram bem o empenho da equipa.
No fim, a arqueóloga Isabel Soares, principal responsável pela organização deste Dia, exultava: «correu tudo muito bem! Estamos cansados, mas muito felizes!».
Este ano, o evento foi organizado pela Câmara Municipal de Portimão, Museu de Portimão e Direção Regional de Cultura do Algarve, mas extravasou as fronteiras do concelho e estendeu-se ao território onde, há 5000 anos, a comunidade de Alcalar desenvolveu as suas atividades, assumindo um caráter intermunicipal, através de uma parceria entre os municípios de Portimão, Lagos e Monchique e as Juntas de Freguesia de Portimão, Alvor e Mexilhoeira Grande.
A iniciativa «Um Dia na Pré-História» integrou a programação das Jornadas de «Porta Aberta» da Cultura, no âmbito do Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, bem como faz parte do programa de Dinamização e Valorização dos Monumentos (DiVaM), promovido pela Direção Regional de Cultura.
Contou também com o apoio de 40 voluntários e do Continente, Hotel Júpiter, Restaurante Restinga e do Grupo de Amigos do Museu de Portimão, que se candidatou pela primeira vez, este ano, a um apoio da Direção Regional de Cultura no âmbito do DiVaM, verba que permitiu, por exemplo, pagar a deslocação do arqueólogo experimental, bem como outros aspetos do evento.
Fotos de: Elisabete Rodrigues/Sul Informação