Fortalecimento de laços entre associativismo juvenil, nova visão estratégica da CPLP e do paradigma de desenvolvimento, cooperação e Língua Portuguesa marcam o arranque da primeira Semana da Juventude da CPLP, que decorre de 25 a 28 de junho na Guiné-Bissau.
“Está na altura de refletirmos um novo paradigma de desenvolvimento”, afirmou Tiago Soares, um dos oradores convidados no arranque da Semana da Juventude da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), evento que reúne, até dia 28 de junho, no centro de Bissau, jovens da CPLP, representantes da lusofonia, líderes governamentais e especialistas em questões de juventude e desenvolvimento.
Segundo o ex-presidente do Conselho Nacional de Juventude (CNJ) de Portugal, “é preciso criar novas linguagens e novas narrativas nas questões de desenvolvimento para a juventude”, diz, usando o exemplo da poesia para unir a estética e a inovação a partir “do nada”.
Tiago Soares sublinha o direito à felicidade, quando se fala em desenvolvimento e privilegia questões de fundo como os direitos humanos, muito além da visão economicista, já que são comuns a todos os países do mundo afetados por problemas sociais como o desemprego, a pobreza e a desigualdade social.
Segundo defendeu na sua intervenção, o sucesso da CPLP depende da capacidade de as várias culturas se conhecerem melhor. “Depois da independência, não houve mais nenhuma geração que conseguisse construir em conjunto. O trabalho de construção coletivo é penoso, porque não nos conhecemos. As pessoas não se reconhecem. Há uma questão de fundo, como é que um conjunto de países que se desenvolveu com uma potência colonizadora, constrói uma identidade comum?”, desafia.
Nessa mesma linha de raciocínio, Domingos Simões Pereira, primeiro-ministro da Guiné-Bissau, que integrou a primeira parte do plenário, valorizou a importância em se apostar naqueles que serão os próximos líderes para a construção de uma identidade lusófona.
“Os problemas que afligem a nossa juventude são problemas que preocupam todos os povos do mundo que ambicionam desenvolvimento. Os jovens têm a capacidade e a energia para esse desenvolvimento. Por isso, esperamos muito desta semana”, realçou.
O chefe do executivo guineense destacou, igualmente, os problemas que atingem a sociedade da Guiné Bissau, como o HIV e as doenças sexualmente transmissíveis. “Não podemos pretender a excelência e ignorar o fundamental, que é proteger a saúde humana que sustenta o desenvolvimento da sociedade. Precisamos de uma reflexão séria, para a mudança de atitude, onde a educação e a formação irão ocupar um lugar de destaque, para construir um futuro com confiança.”
Por seu lado, para o secretário de Estado da Cultura e do Desporto da Guiné Bissau, Tomás Gomes Barbosa, esse “futuro sustentável” passa pela consciencialização social e política como forma mobilizadora para dar resposta a desafios comuns.
“A juventude vem atravessando vários problemas: saúde, questões de sexualidade, cidadania, desemprego, participação e debate de ideias, empreendedorismo. Quero, por isso, lançar um desafio: está na hora de transformarmos a nossa CPLP, de consolidarmos os ganhos desde o passado, que tem um papel histórico no desenvolvimento dos nossos países. Somos falantes da Língua de Camões cuja identidade merece atenção”.
Uma atenção, aliás, que, na perspetiva de António Nabituque, presidente do Fórum da Juventude da CPLP, passa pela inclusão efetiva da juventude naquele que é o espaço privilegiado de debate independente. “O fórum da CPLP define-se pela sua total independência governamental, partidária, ideológica, religiosa e étnica. Os seus fins são aprofundar os laços de solidariedade, de cooperação e do diálogo entre os jovens lusófonos, bem como promoção dos direitos humanos”, enunciou.
Objetivos de Desenvolvimento do Milénio e Agenda Pós-2015
Na segunda parte da sessão da manhã, a revisão dos objetivos de desenvolvimento do milénio das Nações Unidas e o debate sobre o futuro estiveram em destaque.
Pela primeira vez, a ONU tem em curso uma auscultação pública para uma agenda pós-2015, que irá abranger todas as geografias e não somente os países em via de desenvolvimento.
Essa foi a tónica da apresentação de Joana Branco Lopes, presidente do Conselho Nacional de Juventude em Portugal, que reforçou o facto de grande parte dos problemas de desenvolvimento serem transversais ao mundo inteiro.
A representante da CNJ, a única mulher presente no painel de oradores, reivindica uma maior participação feminina nestas questões, aproveitando o momento para fazer uma ponte com as linhas gerais da agenda pós-2015.
“As raparigas são parte considerável da juventude no mundo. Estão consideradas em vários dos objetivos e em várias das metas. Os rapazes não tanto, sabemos que, efetivamente, existem assimetrias e que eles já têm acesso a uma série de coisas que as raparigas não têm. Mas de facto, consideramos que, mesmo nos 17 objetivos já traçados, e nas quase 200 metas que existem, a dimensão da juventude ainda não tem a relevância e o protagonismo que deveria ter”.
O Fórum da Juventude da CPLP não tem ainda uma posição definida na agenda para o desenvolvimento de 2015.
Durante o debate promovido no final do segundo painel, o sociólogo guineense Dautarim da Costa, sublinhou a importância basilar da sociedade civil, que no seu entender, ainda, se encontra dispersa no contexto da CPLP.
“A minha perspetiva é a de uma comunidade que ainda pode crescer mais, com um potencial enorme e que está subaproveitado. Estamos umbilicalmente ligados e a minha questão é o que fazemos com esta ligação toda? Acho que temos que dar outros passos, fomentar a integração. Podemos ser muito mais CPLP. Há um barómetro muito importante a ter em conta, se falarmos de CPLP as pessoas menos integradas identificam o nome. Mas não percebem muito bem onde se enquadram nessa comunidade. É um indicador de que há algo mais a ser feito”.
Dautarim prosseguiu com a sua análise crítica, provocando controvérsia na plateia. Na sua opinião, a CPLP falha em alguns aspetos, sobretudo no que diz respeito a uma ação concertada para o desenvolvimento.
Alinhado com esta perspetiva, Inácio Ilé, representante do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento da Guiné Bissau, reforçou as questões levantadas pelo sociólogo. Segundo os dados que apresentou, o Índice de Desenvolvimento Humano apresenta, ainda, um cenário muito preocupante. A maioria dos países da CPLP demonstra níveis muito baixos de desenvolvimento.
Para o economista, a CPLP tem de se fazer sentir nos países que mais precisam. Na sua opinião, há um longo caminho a percorrer e mais inclusivo, dando como exemplo as questões da pobreza extrema.
“Em 2002, aquando da elaboração do relatório dos ODM, [os índices de] pobreza extrema estava a 22 por cento. A avaliação de 2010 diz que a pobreza extrema estava nos 33 por cento. Os dados mostram que cresceu. E a avaliação que está a ser feita, agora, pode trazer novos números”, por isso, afirma, convicto que perante estes dados apresentados, e com esta nova abordagem das Nações Unidas, ao envolver todos de forma igualitária, ‘”o futuro começa hoje”’.
Autores do texto: Ana Gonçalves, Bruno Filipe Pires, Vanessa Rodrigues, no âmbito do projeto Radar da Associação Par – Respostas Sociais