O soro de leite pode dar uma grande ajuda à alfarroba, mais precisamente aos excedentes de produção da indústria de transformação deste multifacetado fruto, na criação de um biocombustível cuja produção seja competitiva e compense quem nela investir.
O projeto «Soro & Alfaetanol», que está a ser desenvolvido no Laboratório de Engenharia e Biotecnologia Ambiental do Centro de Investigação Marinha e Ambiental (CIMA) da Universidade do Algarve, foi apresentado em Novembro e dá um passo mais adiante, em relação ao seu irmão mais velho, o projeto «Alfaetílico».
Ambos os projetos são coordenados por Emília Costa, que falou com o Sul Informação e explicou que o sub-produto industrial que foi escolhido para esta nova linha de investigação causa algumas dores de cabeça à indústria de lacticínios.
O facto de o soro de leite, que resulta da produção de queijo, ser um resíduo que obriga a um tratamento antes de ser descartado, já que é um agente poluidor, levou a equipa do CIMA a olhar com atenção para este produto, como forma de aumentar a matéria prima disponível para a produção de biocombustível.
«Depois do estudo de caso que foi feito com o soro de leite, que é um efluente muito poluente, queremos chegar ao modo de produção de bioetanol, a partir do soro e da alfarroba, com elevada eficiência e com um rendimento muito elevado», revelou a investigadora algarvia.
A utilização de soro de leite para a produção de bioetanol não é inédita, uma vez que já foi feito noutros países, embora «sempre com um rendimento baixo, já que o soro tem baixo teor de açúcar». «O que nós procuramos é usar outros resíduos que possam ser adicionados ao soro e enriquecer a quantidade de açúcar a ser transformado em álcool etílico, que é daquilo que estamos a falar», disse Emília Costa.
No que toca ao custo de produção, um factor determinante para que este conhecimento possa ser transferido para a indústria e posto em prática, o cenário depende do custo das matérias primas, mas os testes feitos são promissores. «Nós dimensionámos para diversas volumetrias e o preço de produção vai dos 60 a 90 cêntimos por litro, dependendo das quantidades de que estivermos a falar», disse.
«E ainda podemos introduzir na parte comercial alguns sobreprodutos da produção, como o extrato de levedura e a fibra que é extraída da alfarroba, que pode ser usada para produzir calor. Ou seja, este projeto, caso haja interessados em investir, pode ser trabalhado e otimizado para situar o custo do etanol abaixo dos 60 cêntimos», salientou Emília Costa.
A equipa do CIMA já conseguiu produzir bioetanol de 2ª geração recorrendo apenas a polpa de alfarroba, muito rica em açúcar, há muito tempo. Mas, tendo em conta as limitações quanto à quantidade de matéria prima (a polpa de alfarroba algarvia não é suficientemente abundante e é muito diferente, por exemplo, da de Marrocos, que não daria o mesmo rendimento), bem como o crescente número de usos que estão a ser encontrados para a polpa de alfarroba, que fazem aumentar o valor deste produto, os responsáveis pelo «Alfaetílico» procuraram seguir linhas de investigação alternativas.
«A questão que se coloca aqui é, de facto, a quantidade de polpa de alfarroba disponível. Por isso, nós temos vindo a investigar a possibilidade de utilização de outros frutos, nomeadamente citrinos, que têm muito açúcar. E o que nós precisamos é de um elevado teor de açúcar», explicou Emília Costa.
A alfarroba dá, à partida, «um teor de açúcar muito elevado», daí ter sido a primeira aposta. «Mas julgo que poderemos pensar em dimensionar um projeto que possa reunir diversos resíduos agroindustriais. Estes resíduos, normalmente, ou são desperdiçados ou vendidos a um preço muito baixo», acrescentou.
A necessidade de ir mais além foi, de resto, salientada por um industrial do ramo da transformação da alfarroba na apresentação do «Soro & Alfaetanol», que considerou que utilizar, apenas, aquele fruto, poderia não ser interessante. Com a entrada do soro de leite na equação, ganha-se mais matéria prima e arranja-se uma solução interessante para a indústria e o ambiente.
Para já, revelou Emília Costa, o «Soro & Alfaetanol» ainda não chegou a uma fórmula que possa ser, desde logo, usada na indústria. «Há um projeto de engenharia em curso. Mas, obviamente, se houver um investidor interessado, precisaremos de fazer um estudo de aumento de escala, para garantir que os valores se mantêm, e depois um projeto adaptado à matéria prima em causa», disse.
«Na altura do Alfaetílico, houve empresários que se mostraram interessados, mas não concretizaram. Mas, com a versão que junta alfarroba ao soro de leite a a outros resíduos agroalimentares, poderá ser diferente», acredita. Admite mesmo que possa haver uma colaboração com associações de produtores, «nomeadamente de frutos, já que existem bastantes no Algarve».