Mas afinal porque é que as petrolíferas se lembraram agora de pesquisar se há ou não petróleo e gás no Algarve? Que indicações deram os estudos preliminares feitos antes da atribuição das concessões? Há algum palpite que esteja na base dos dois blocos terrestres delimitados e concessionados no Algarve? E se se quiser reverter o processo, isso ainda é possível?
Estas são apenas algumas das perguntas que continuaram sem resposta, mesmo depois da longa e muito participada sessão de esclarecimento promovida ontem à noite, pelo grupo de Facebook «Stop Fracking Vila do Bispo», no salão dos bombeiros desta localidade da Costa Vicentina.
Uma sessão que surgiu mesmo no tempo certo, já que amanhã, sexta-feira, dia 18, haverá uma reunião em Faro, entre os 16 autarcas que compõem a Comunidade Intermunicipal do Algarve (AMAL) e a Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis (ENMC, o organismo oficial do Estado que regula estas questões em Portugal), precisamente para discutir o assunto. Depois de se terem manifestado, por unanimidade, contra o «secretismo» que tem envolvido um processo onde «não foram tidos nem achados», os autarcas querem agora ouvir as explicações da ENMC. Que posição tomarão depois é outra questão…
Rui Pena dos Reis que, com os seus colegas Nuno Pimentel e Paulo Fonseca, se disponibilizou a participar na sessão para, nas suas palavras, «ajudar as pessoas da região a tomar decisões de melhor qualidade», é geólogo e professor da Universidade de Coimbra.
Afirmando ter «relações com a indústria do petróleo desde 1992» e «muita experiência no ramo», não escondeu a sua qualidade de membro da equipa que fez o Parecer Técnico que esteve na base da concessão dos blocos “Aljezur” e “Tavira”, feita em Setembro pela ENMC à PortFuel, do empresário Sousa Cintra, que até é um filho da terra, uma vez que nasceu no concelho de Vila do Bispo.
Pena dos Reis fez questão de recordar que «desde os anos 40 do século passado se faz pesquisa de hidrocarbonetos em Portugal», explicando que, no país, «tudo o que se está a fazer na área do petróleo, neste momento, é apenas pesquisa, em lado nenhum é exploração». Mas admitiu que, «se a pesquisa der resultados», pode avançar-se, «no futuro, para a fase de exploração».
Procurando sempre defender que a indústria do petróleo tem impactos muito baixos na paisagem e nos territórios, sobretudo na fase de pesquisa, mas até na de exploração, o geólogo que é um dos autores do Parecer que garantiu as concessões onshore algarvias à PortFuel salientou, a dado momento, que «as descobertas de petróleo hoje são muito mais caras que as que se faziam há vinte anos», tanto mais que «as descobertas mais fáceis já foram feitas, agora só há as mais difíceis».
Então se são mais caras e difíceis de fazer, se o preço do barril de petróleo está tão baixo, se o investimento na energia solar, por exemplo, rende hoje bem mais que no petróleo, como indicam estudos do próprio setor petrolífero, porque insistem? E porquê em Portugal? Porquê no Algarve? Várias vezes as perguntas foram feitas, mas ficaram sempre sem resposta.
Nuno Pimentel, o outro geólogo, este da Universidade de Lisboa, também presente na sessão, comentou: «o conhecimento evolui, a tecnologia evolui. Em Portugal, se um dia for encontrado petróleo, é em sítios que até já foram estudados, mas onde antes não tinha sido encontrado».
Mas o que é que está em causa no Algarve? Alguma vez haverá poços a jorrar petróleo no quintal dos algarvios ou na linha do horizonte, em alto mar?
Não se sabe, uma vez que as concessões são, para já, apenas para pesquisar se há hidrocarbonetos – ou onde os há – e, em caso afirmativo, se a sua exploração tem viabilidade comercial.
O que está a assustar mais quem se opõem à exploração no Algarve é a possibilidade de a região vir a ser um paraíso para a «estimulação hidráulica», o famigerado fracking, que permite a extração do gás de xisto, através da injeção no subsolo de água, areia e de um cocktail de produtos químicos cujos efeitos no ambiente, nomeadamente na contaminação dos lençóis freáticos, ainda não estão minimamente estudados.
Essa é a exploração «não convencional», que Rui Pena dos Reis tentou abordar de forma muito rápida, nunca lhe chamando sequer fracking, nunca referindo os químicos que é preciso injetar no subsolo (até que essa questão lhe foi colocada por uma pessoa da assistência) e tentando passar a mensagem de que teria apenas «impactos mínimos».
Mas o especialista sublinhou que a concessão atribuída pela ENMC à PortFuel não é especificamente para pesquisar a possibilidade da exploração «não convencional». «A primeira e única região de Portugal onde foi feita a pesquisa apenas para gás de xisto foi a zona de Torres Vedras, S. Pedro de Muel e Porto de Mós. Esse projeto era especificamente para não convencional , ao contrário deste do Algarve».
Ainda assim, o geólogo salientou que «esta última tecnologia exige, de acordo com a legislação portuguesa, estudos de impacto, acompanhamento e controlo apertados por parte das entidades reguladoras (ENMC e Ambiente)».
«Num futuro hipotético, se esta questão se vier a pôr, terá de haver sempre autorização prévia das autoridades reguladoras, acompanhada de estudos», garantiu. «Mas se uma dessas autoridades reguladoras é a mesma que atribui as concessões…como é que regula?», interrogou outra pessoa da assistência.
Laurinda Seabra, da ASMAA, invocando os seus «trinta anos de experiência na área petroquímica» na África do Sul, chamou a atenção para a contestação, à escala global, que está a ser feita ao fracking e aos seus impactos no ambiente, na paisagem e no território.
E interrogou: «como é que a PortFuel conseguiu ter um contrato de concessão para o Algarve inteiro? Qual a sua reputação como companhia? Qual a sua experiência anterior?». Novamente perguntas sem resposta, até porque o empresário Sousa Cintra, convidado para participar na sessão, tinha declinado o convite invocando o facto de estar fora do país.
Manuel Vieira, da PALP, começou por rebater os argumentos da indústria petrolífera – ali representada pelo geólogo Rui Pena dos Reis – de que nem a pesquisa, nem a exploração de hidrocarbonetos comportam riscos e impactos significativos. «A própria pesquisa sísmica [como já foi feita na costa algarvia] não é assim tão inócua como se pretende, porque afeta os peixes e afeta sobretudo os cetáceos e as tartarugas marinhas».
«As fases de pesquisa não são assim tão inócuas como se quer fazer crer, por isso a Almargem e a Quercus exigiram, antes destas concessões, que mesmo para a fase de pesquisa houvesse estudos de impacto ambiental». Uma pretensão que não foi atendida, claro.
Se se chegar à fase de exploração, Manuel Vieira considerou negativo que «em Portugal ainda não se saiba que regras de segurança serão exigidas», recordando que, de país para país, a prática das empresas petrolíferas varia, «precisamente de acordo com o rigor das regras que lhes são impostas».
Quanto ao fracking, Manuel Vieira recordou que, nos Estados Unidos da América, onde há estados que simplesmente proibiram essa prática ou impuseram uma moratória, já há dados que indicam que «polui mais do que o normal, que emite níveis de poluentes para a atmosfera maiores que o normal, além de provocar a contaminação dos aquíferos». Falou ainda nos riscos de «indução de atividade sísmica», provavelmente mais graves em zonas já de si com forte atividade sísmica, como é o caso de Portugal.
Elvira Martins, igualmente membro da PALP, acrescentou que «ao contrário do que se pretende passar, os contratos de concessão não são apenas para a fase de pesquisa, valem para todo o processo», além de terem «por base um decreto de 1994, apesar de há 21 anos os tempos e as prioridades serem bem diferentes».
Adelino Soares, presidente da Câmara de Vila do Bispo, que amanhã será um dos 16 autarcas algarvios a participar na reunião da AMAL com a ENMC, adiantou que a «grande questão» que vai colocar é: «porque é que, quando o preço do petróleo estava mais alto, não se fez nada, e agora que está baixo é que se avança com isto?»
Para o edil socialista há que decidir: «queremos ou não queremos isto para o Algarve? Como é que a exploração de petróleo pode existir se a nossa principal indústria é o turismo?»
Considerando ser «uma vergonha que os autarcas não tenham sido ouvidos» antes da atribuição das concessões, e que a reunião com a ENMC só ocorra «depois de estar tudo consumado e definido», Adelino Soares avisou que, «se não formos muito bem informados sobre isto, os 16 presidentes de Câmara manterão a sua posição contra». Ou seja, ainda pode ser que os autarcas algarvios, se gostarem das explicações da ENMC, mudem de posição…
A sessão de esclarecimento em Vila do Bispo, que contou com mais de centena e meia de pessoas não só do concelho, como de outros municípios vizinhos, prolongou-se até à 1h00 da manhã.
Após quatro horas de conversa e debate, muitas questões ficaram por responder, mas mais pessoas se mostravam dispostas a lutar contra a exploração de hidrocarbonetos no Algarve, em especial do gás de xisto. E amanhã, haverá muita gente à porta da sede da AMAL, em Faro, «para dar força aos autarcas nas suas negociações com a ENMC».