Está na ordem do dia o tema da prospeção por hidrocarbonetos no Algarve, que, como se percebe, poderá culminar na exploração de petróleo e de gás natural em praticamente toda a frente marítima Sul e Oeste do nosso território, bem como em quase toda a terra firme.
É, em sentido literal, uma autêntica bomba relógio que nos caiu no colo, algo que nos foi apresentado como um facto consumado. O poder político central sucumbiu ao chamamento do ouro negro, contudo esqueceu-se de envolver os principais interessados nessa discussão, quanto mais não fosse para ouvir as suas preocupações, por exemplo tentar saber se haveria interesse nesse tipo de atividade na região.
Não chamou a si os Municípios diretamente relacionados, nem entidades regionais, tais como a AMAL, a CCDR, o Turismo do Algarve, nem as associações que representam os profissionais do turismo e da restauração, como a AHETA ou a AIHSA. Ninguém!
Esqueceram-se que a vocação do Algarve é o turismo ou atividades que tirem partido da nossa geografia e clima, como a pesca, a agricultura, a náutica de recreio e áreas relacionadas, o turismo de natureza ou o tradicional sol e praia, o turismo cultural, até mesmo o turismo residencial ou de saúde.
Não me convence a ideia de ter plataformas petrolíferas no horizonte nas nossas praias ou da exploração de gás natural em terra, pelo potencial destrutivo que representam, seja pela possibilidade de uma maré negra, seja pela contaminação dos lençóis freáticos de cuja água precisamos.
O Algarve, apresentado como “O segredo mais famoso da Europa”, vê-se a braços com o “segredo mais bem guardado dos governos”, pelo menos até o negócio ter sido consumado, pois todo o processo foi conduzido em silêncio e só depois de tudo estar acertado é que nos vêm “esclarecer”, iluminar, como se população, autarcas e responsáveis vários fossem um bando de gente estúpida, quais ingratos, que não sabem ajuizar da “bondade” da intenção do governo central.
Neste contexto, foi com espanto que li um artigo, num meio de comunicação online, assinado por Steven Sousa Piedade, enquanto Diretor Nacional da ANJE/Algarve, mas que também é Presidente da Junta de Freguesia do Montenegro, em Faro, cuja frente marítima se estende por largos quilómetros e que corre o risco de ter plataformas petrolíferas no horizonte.
A sua visão, ainda que sem o assumir categoricamente, é a favor da exploração de petróleo no Algarve, pois outra coisa não se depreende de quem escreve “(…) Tudo isto para dizer que o Algarve não deve recusar liminarmente o investimento num setor com tantas potencialidades económicas como o energético, sob pena de estar a desbaratar uma oportunidade dourada de impulsionar, diversificar e equilibrar a economia da região. (…)”.
Durante a sua tese, esgrime vários argumentos a favor da exploração petrolífera, isto num suposto responsável que não só fala em representação dos jovens empresários do Algarve, como fala em nome de todos os fregueses que o elegeram.
Não posso deixar de discordar total e frontalmente da opinião que defende. O petróleo e o gás natural não são o combustível da sociedade moderna, a não ser que o enquadrássemos no movimento Moderno que se iniciou em meados dos anos 20 do século passado, portanto há quase 100 anos.
Os combustíveis da sociedade atual são a eletricidade, o sol, o hidrogénio, e a prova disso vê-se nos modelos automóveis recentemente apresentados pela Tesla, Toyota, BMW, Audi, Nissan, Fiat, Chrysler, Ford, Chevrolet, Lexus, etc., até mesmo de super-desportivos.
As alterações climáticas são reais e estão a causar problemas a nível global, e sim, foram causadas pela ação humana que não soube, nem sabe, usar sustentavelmente os recursos do planeta. Há semanas aconteceu uma Cimeira em defesa do clima global, em Paris, caso não se tenha reparado…
A generalidade de cientistas, líderes governamentais, empresários de gigantes tecnológicas e várias personalidades mundiais concordaram que temos que mudar de rumo. Posto isto, a opinião defendida por Steven Piedade, que base científica terá? Nem compreendo esta tomada de posição num momento em que toda a região, autarcas, entidades, exigem o oposto.
Tampouco compreendo que, no mesmo dia em que subscreve esse artigo, esgrimindo argumentos a favor da exploração petrolífera no Algarve, Steven Piedade assina uma posição conjunta com a AMAL e associações empresariais algarvias, enquanto representante da ANJE, exigindo a paragem imediata do processo do petróleo e gás no Algarve…
Qual Dr. Jekill e Mr. Hyde…
A realidade é que, a existir e a avançar a exploração petrolífera no Algarve, passaremos a jogar à roleta russa até que aconteça um azar. E os azares acontecem. É uma questão de tempo. Têm nomes: Ixtoc 1 oil well, México; Atlantic Empress em Trinidad e Tobago; Fergana Valley no Uzbequistão; Nowruz Oil Field no Golfo Pérsico; ABT Summer, Angola; Castillo de Bellver, África do Sul; Exxon Valdez, Alaska; Deepwater Horizon no Golfo do México; Refugio, Santa Bárbara Califórnia; SOCAR Mar Cáspio, Azerbeijão; Amazónia, Peru; e infelizmente muitos, mas mesmo muitos outros casos.
Nem sequer somos a Noruega, onde a legislação para este tipo de atividade é apertadíssima, onde as exigências com a segurança são enormes, onde, apesar de também retirarem rentabilidade do turismo, tal não é de modo algum tão fundamental e tão estruturante como na região algarvia, nem o seu potencial turístico se aproxima do nosso, desde logo pelo nosso clima e temperaturas amenas.
Nem sequer já entro no tema da exploração de gás natural, para não tornar a leitura ainda mais extensa, e de todos os riscos inerentes à atividade extrativa com a contaminação dos aquíferos subterrâneos, devido à técnica de fracking, que contamina com centenas de químicos perigosos a água para consumo. Basta pesquisar tudo o que tem acontecido nos EUA, em que até água inflamável sai pelas torneiras ou há fugas massivas de metano para a atmosfera.
Não, o nosso paraíso não pode sujeitar-se a azares destes, nem dar cartas para que as falhas sísmicas nos destruam a região.
Não vejo mesmo qual é o futuro do petróleo quando todo o mundo se afasta dele, quando se desinveste triliões de dólares nos combustíveis fósseis, num movimento global em defesa da sustentabilidade do planeta.
É uma atividade que não gera assim tanto emprego e o que gera é altamente especializado e vem de fora da região e, se lermos os contratos, reparamos que não vamos lucrar assim tanto, são vagos e nem sequer prevêem uma qualquer proteção eficaz, nem meios de combate efetivos.
Se a isso juntarmos o risco ou a inexistência de meios eficientes para combater uma catástrofe pelo derrame de petróleo, então não vejo qual a vantagem, nem para quem, que não seja a própria petrolífera concessionária.
Não percebo em que livro é que está escrito que a exploração de petróleo e de gás natural, ou a sua utilização, são compatíveis com o ambiente. Não são tabus! A exploração de hidrocarbonetos no Algarve é mesmo uma atividade a rejeitar, pois todos sabemos onde conduz.
Ou não sabemos?
Autor: Miguel Caetano
Arquiteto
miguel.jcaetano@gmail.com