Ajudaram a fazer vigilância a fogos florestais, a fazer levantamentos aéreos da costa algarvia, para aferir o risco de queda de arribas, e até garantiram uma ponte aérea entre Gibraltar e Faro, nos anos 70/80, para facilitar (muito) a vida aos portugueses que estavam ali a trabalhar, na altura.
A história do Aeroclube do Algarve é rica e antiga, assim como já vem de longe a disponibilidade dos seus sócios para apoiar diferentes causas, de forma voluntária, mas a associação criada em 1959 sentiu muito o peso da crise e esteve em risco de desaparecer.
O futuro da associação ainda é incerto, mas há já alguma luz ao fundo do túnel, graças a um grupo de sócios do Aeroclube que se mobilizou para tentar evitar o fim da coletividade. Na passada sexta-feira, conseguiram eleger uma nova direção, que irá agora trabalhar para «revitalizar o clube».
Entre eles, está Francisco Conde Soares, uma das muitas pessoas que aprendeu a voar na escola de aviação do clube, que não se conforma com a ideia de o clube fechar portas e partilhou com o Sul Informação a história e a difícil situação atual do Aeroclube.
«A partir do momento que a crise financeira se instalou, o clube foi muito afetado. Houve pilotos que se afastaram, alguns porque emigraram, outros porque deixaram de ter condições para custear a operação», explicou Francisco Soares. Apesar de terem acesso à avioneta bilugar da associação, em condições privilegiadas, os sócios do clube têm, ainda assim, «de pagar um custo operacional por hora», que deixou de ser acessível para a bolsa de todos.
Isto não significa que ser membro do clube e voar seja uma atividade reservada a pessoas ricas. «Os pilotos sócios do Aeroclube são pessoas com recursos e profissões normais, que tiraram o brevet e têm gosto pelo voo. Esta é uma paixão muito particular e muito forte, é um dos sonhos mais antigos da humanidade», ilustrou Francisco Soares, professor e atual diretor do Agrupamento de Escolas Pinheiro e Rosa.
A esta dificuldade, mais ligada à economia, juntaram-se outras. «Aqui há alguns anos, um tornado que assolou o Aeroporto de Faro destruiu-nos um dos aviões, situação que acabou por desmobilizar alguns dos pilotos. Posteriormente, a direção de então ficou desinteressada de continuar, o que levou a que o Aeroclube ficasse quase dois anos sem atividade», revelou.
«Um grupo de sócios, nos quais me incluo, perante o cenário do Aeroclube se poder extinguir, decidiu começar a mobilizar outros pilotos e algumas entidades, como a Câmara de Faro, para tentar salvar o clube», disse Francisco Soares. «Penso que estão criadas as condições para não deixar cair o clube. Espero que os sócios e a comunidade ajudem a manter uma associação que tem sido uma referência na cidade e na região», desejou.
Para já, há garantias da parte da Câmara de apoios «na mesma linha das outras associações desportivas» e abertura do diretor do Aeroporto de Faro para continuar a deixar o Aeroclube usar aquela infraestrutura aeroportuária e a manter lá a sua aeronave.
O principal “trunfo” ao dispor da coletividade sediada em Faro é a sua história, na qual os serviços à comunidade foram sempre um ponto de honra. «Podemos passar dez anos sem salvar uma vida. Mas, quando o fazemos, justificamos a nossa existência para sempre», considerou.
O Aeroclube nasceu nos finais dos anos 50, fruto da vontade de «um grupo de homens que tinha paixão pelo voo». Criada a coletividade, os seus sócios começaram a fazer os primeiros voos «a partir dos terrenos junto à Ria Formosa onde hoje está o Aeroporto de Faro».
Estes pilotos desde cedo que começaram a mostrar veia para ajudar os outros. «Temos o estatuto de utilidade pública e temos vindo a desenvolver, ao longo do tempo, serviços de cariz humanitário, com trabalho exclusivamente voluntário dos membros do Aeroclube».
Nos anos 70 e 80, o Aeroclube do Algarve foi protagonista de uma ponte aérea criada entre Gibraltar e Faro, da qual beneficiaram os portugueses que trabalhavam neste enclave britânico à beira do Mar Mediterrâneo, hoje com cerca de 30 mil habitantes. Na altura, a fronteira entre Espanha e o enclave britânico estava fechada, o que determinava que a entrada e saída do território só se fizesse por via marítima ou aérea.
«Nessa época, havia muitos portugueses em Gibraltar, a trabalhar na construção civil, já que aquele território estava a conhecer um desenvolvimento muito grande. Mas, como as fronteiras estavam fechadas, não podiam passar para Espanha», contou Francisco Soares, reproduzindo a história vivida por antigos pilotos, associados do clube.
A solução era fazer a viagem pelo caminho mais sinuoso. «Tinham de apanhar um barco para Tânger, daí apanhavam outro para Algeciras. Depois apanhavam um autocarro para Sevilha, outro para Huelva e um terceiro para Ayamonte. Muitas vezes, já chegavam lá a uma hora em que não havia barcos para Portugal, tendo de dormir em bancos de jardim, para apanhar o barco da manhã, o comboio para Faro e, a partir daí, transporte para as suas terras», descreveu. Isto podia demorar «três dias».
Desta forma, era particularmente penoso para estes portugueses vir até casa, nomeadamente nas épocas festivas, como o Natal e a Páscoa, e no Verão.
«O cônsul honorário de Portugal em Gibraltar da altura era sócio do Aeroclube do Algarve e começou a ser sondado pelos emigrantes, para saber da possibilidade de ser o clube a transportá-los. Assim, fizeram-se todos sócios [os estatutos determinam que só sócios podem voar nos aviões do Aeroclube] e passaram a fazer a viagem numa hora e 40 minutos», disse.
«Na altura, tínhamos um avião com seis lugares e outro com quatro. Houve dias em que o mesmo piloto fez mais do que uma viagem entre Gibraltar e Faro», acrescentou. E, como os portugueses conseguem sempre tirar o melhor de todas as situações, os aviões partiam de Faro «apenas com a gasolina suficiente para lá chegar e atestavam em Gibraltar, onde o combustível era a metade do preço».
Este é apenas um exemplo, a que se juntam outros. Durante muitos anos, o Aeroculbe do Algarve fez vigilância contra incêndios, em colaboração com a Autoridade Nacional de Proteção Civil. «Voávamos com um aparelho de GPS no avião, que transmitia em tempo real aquilo que nós detetássemos. Eu, pessoalmente, cheguei a voar até Castro Verde», lembrou.
Francisco Soares também se voluntariou para acompanhar técnicos da ARH Algarve no trabalho de monitorização da costa e da Ria Formosa. No primeiro caso, os voos tinham o objetivo de avaliar a erosão costeira e o avanço das marés, permitindo antecipar a queda de arribas. Já os voos circulares por cima das barras da Ria Formosa visavam ver onde havia bancos de areia, para facilitar o trabalho de desassoreamento. Nestes voos, a vista seria esta, que Francisco Soares captou em vídeo.
Em 2003, acrescentou, também foi esta associação, em colaboração com a Câmara de Faro, que proporcionou batismos de voo a cerca de 100 munícipes farenses. «Foi no Dia da Cidade. A medida foi direcionada para idosos e crianças carenciadas. Passámos o dia todo a voar, desde o nascer do sol ao crepúsculo. Os pilotos revezavam-se constantemente e só tiveram tempo para comer umas sandes ao almoço», recordou, saudoso, o sócio do Aeroclube de Faro.
O futuro não é certo, mas há muitas ideias que o grupo de sócios que se propõe a revitalizar o clube quer implementar. Uma delas passa por uma renovada aposta na escola de aviação, olhando não só para o mercado local, mas também para o além fronteiras.
«Em muitos locais da Europa, não se consegue voar durante boa parte do ano, devido às condições climatéricas. Nós temos aqui um excelente clima e condições ótimas para dar formação, em qualquer altura do ano. Durante a época baixa, até temos a vantagem de o Aeroporto estar menos sobrecarregado», ilustrou.