«Isto é uma guerra de capelinhas, não tem outra explicação». A opinião é de Joaquim Mourinho, um dos cerca de 700 agricultores que, ao longo do vale entre a Barragem do Arade e Silves, não pode ainda usufruir do moderno sistema de regadio implementado e que custou cerca de 6,5 milhões de euros, porque falta uma autorização da Agência Portuguesa de Ambiente/ARH para a ligação final ao adutor da Barragem do Funcho.
«A obra está feita, está concluída, o dinheiro foi gasto. Não ligar agora a água é de bradar aos céus!», reforça o agricultor, que é um dos principais produtores de citrinos da zona que será beneficiada pelas obras de modernização do regadio da Barragem do Arade, que decorreram ao longo do ano de 2015.
Para contestar a falta de ligação da água, ontem à tarde, cerca de sete dezenas de agricultores reuniram-se em protesto pacífico frente à sede da Associação de Regantes e Beneficiários de Silves, Lagoa e Portimão, junto ao paredão da Barragem do Arade.
Durante a concentração, ouviram as explicações dadas por José Vilarinho, presidente da associação, que recordou todo o processo deste projeto de 6,5 milhões de euros de investimento, financiado pelo PRODER. «O problema do nosso projeto é ser tão bom, com objetivos atingidos, de tal forma que não convém ser posto a funcionar, porque poupamos água e energia», ironizou aquele responsável.
Além dos prejuízos que este atraso causa a 700 agricultores, que não puderam fazer culturas de inverno e em breve não poderão iniciar a rega dos pomares, por não terem ainda água disponível, José Vilarinho salientou que pode estar em causa o financiamento comunitário atribuído às obras, cujo prazo máximo de conclusão está prestes a ser atingido. «A obra foi adjudicada a 14 de Setembro de 2014 e ficou concluída em finais de Dezembro de 2015, tendo decorrido perfeitamente dentro do prazo». Segundo as regras comunitárias, para poderem receber o dinheiro, a conclusão da obra tem de ser comunicada às instâncias em Bruxelas até final de Março, mas, para isso, falta “apenas” fazer a ligação da água.
«A APA/ARH já nos disse que só precisa de quatro dias para fazermos a ligação ao adutor Funcho/Alcantarilha – um dia para vazar a conduta, um dia para fazermos a obra das ligações e dois dias para voltar a encher a conduta». Mas tarda a chegar a autorização para poder realizar essa ligação.
«Nós já temos autorização verbal para fazer essa ligação, agora quando é que se pode ligar é que continuamos sem saber. Falta apenas metro e meio de conduta para ligar o adutor à nossa rede. E o tempo vai passando…», lamentou o dirigente dos regantes.
O que tem estado a atrasar a ligação é que o mesmo adutor Funcho/Alcantarilha é utilizado pela empresa Águas do Algarve para transportar água para a sua ETA naquela localidade, o que cria alguns problemas técnicos e burocráticos. Mas José Vilarinho diz não acreditar que o facto de o atual secretário de Estado do Ambiente Carlos Martins, que tutela o setor, ser o anterior administrador executivo da Águas do Algarve tenha algo a ver com o atraso. «As pessoas estão numa função pública para defender interesses públicos e não interesses particulares», disse aos jornalistas.
E para que serve o investimento de 6,5 milhões de euros feitos na modernização do perímetro de rega em 700 a 800 hectares no concelho de Silves? Segundo José Vilarinho, passou-se de um sistema de distribuição de água datado dos anos 50, em canais a céu aberto, com grandes perdas de água, para uma rega em conduta fechada com água sob pressão. Com isto, sublinhou, «passamos de 35% de perdas de água, para 5%».
Mas há ainda o que os agricultores – e o país – deixam de gastar em eletricidade, com bombagens: «um milhão de quilowats/hora por ano».
Joaquim Mourinho, das Frutas Mourinho, na zona da Pedreira, perto de Silves, produz citrinos, romãs e diospiros. «A água que estava a ser fornecida vem por gravidade, cheia de limos, causa-nos uma grande despesa na limpeza dos filtros, é um incómodo tremendo. E ainda gastamos muito dinheiro na bombagem. Esta água do novo sistema chega-nos filtrada e, além disso, é fornecida com 6 kg de pressão, não precisamos de a bombar. É uma água limpa e sob pressão, o que é incomparável, não só para diminuir os nossos custos de produção, mas para melhorar a qualidade da nossa produção»
«Hoje, bombar é um custo. Diminuir os custos significa poder vender mais barato, para competir com produtores de outros países. Tudo isto só traz benefícios à agricultura e à economia, por isso não compreendo porque é que está a acontecer este atraso», reforça Joaquim Mourinho.
«O parente pobre vai ficar sem água e esse é o agricultor. E nós vemos passar a conduta nos nossos terrenos, mas não podemos usar essa água, porque parece que só pode ser para encher piscinas», lamenta o agricultor.
A questão que se coloca, como explicou o Ministério do Ambiente na resposta ao requerimento do deputado Paulo Sá (PCP), recebida a 10 de Janeiro passado, é que, apesar de reconhecer a «relevância» do projeto, «a utilização do adutor Funcho-Alcantarilha como origem da água pressurizada para o Perímetro de Rega de Silves, Lagoa e Portimão obriga, pelas suas particularidades, à ponderação de diversos aspetos no âmbito técnico, económico e formal/administrativo».
O adutor, que tem ligação às duas albufeiras de Odelouca e Funcho, tem sido até agora «utilizado apenas para o transporte da água para abastecimento público» ao Barlavento Algarvio. Além disso, «por condicionantes hidráulicas», não pode transportar ao mesmo tempo «água proveniente dessas duas origens».
Ora, acrescenta o Ministério do Ambiente na sua resposta, devido a «compromissos assumidos perante a Comissão Europeia, no âmbito dos processos de aprovação da barragem de Odelouca, as águas da sua albufeira não poderão ser afetas a outros usos além do abastecimento público». Ou seja, não podem ser usadas para rega.
A solução para este imbróglio poderia passar pela definição de um «modelo de utilização conjunta do adutor», que serviria para transportar, de forma alternada, a água de Odelouca para abastecimento público e a do Funcho para rega.
Só que esta eventual solução, acrescentava o Governo, obriga a «ponderar as consequências técnicas e financeiras na Estação de Tratamento de Água de Alcantarilha, decorrentes da alteração da qualidade da água, que é diferente nas duas albufeiras». Seria ainda necessário «prevenir a reabertura de eventuais contenciosos comunitários».
Devido à «complexidade» do que está em causa, a avaliação ainda não estava, a 10 de Janeiro, e parece continuar a não estar, agora, concluída. Isto apesar de, na resposta que deu ao requerimento do deputado algarvio do PCP, o Ministério do Ambiente ter garantido que a questão estava «na lista de prioridades da Agência Portuguesa de Ambiente».
Por isso, como salientou José Vilarinho, presidente da Associação de Regantes, em declarações finais aos jornalistas, há a «esperança de que, na próxima semana, nos digam que sim, que podemos fazer a ligação, mesmo que seja uma ligação provisória, até ser construída uma ligação direta à Barragem do Funcho».