Faltam «cerca de mil enfermeiros no Serviço Nacional de Saúde (SNS), no Algarve», uma carência que pode custar muito mais dinheiro ao país do que se houvesse mais profissionais contratados.
Quem o garante é Sérgio Branco, presidente da secção Sul da Ordem dos Enfermeiros, que considera que a estratégia que tem sido adotada em Portugal de forte investimento ao nível do hospital «é errada» e que o ideal seria apostar nos cuidados primários de saúde, para evitar «o engarrafamento das urgências» e consequente aumento da despesa em saúde.
Numa conversa com o Sul Informação e com a Rádio Universitária do Algarve RUA FM (102.7 FM), enquanto convidado do programa Impressões, o dirigente da Ordem traçou um cenário preocupante, a nível regional, mas também nacional, no que toca ao número de enfermeiros em falta, ao mesmo tempo que defendeu uma mudança de estratégia no SNS.
«Aquilo que nós queremos é que haja qualidade nos serviços prestados à população. Neste momento, com a falta de enfermeiros que está patente tanto nos Cuidados de Saúde Primários, como nos hospitalares, temos uma incapacidade de garantir a qualidade do serviço e, em muitos contextos clínicos, o que existe nem sequer roça a qualidade, tem essencialmente a ver com a sobrevivência dos utentes que ali se dirigem», ilustrou.
«O que a evidência científica nos diz é que qualquer desfalque em termos de cuidados de enfermagem se traduz num aumento da morbilidade, das doenças e, também, da morte. É isso que nós temos de esperar quando não há os enfermeiros necessários», garantiu.
Na visão de Sérgio Branco, é urgente apostar mais na área dos Cuidados de Saúde Primários, já que estes visam «não só o tratamento da doença, mas sobretudo a prevenção da doença e promoção da saúde».
«Capacitando as pessoas, promovendo a saúde e prevenindo a doença, nós teríamos menor número de utentes a precisar de cuidados hospitalares. Mas o que nós vemos é um reduzido investimento a este nível», considerou. E é por não haver uma adequada resposta a montante que «assistimos a um engarrafamento dos cuidados hospitalares», acredita o dirigente regional da Ordem dos Enfermeiros.
«O que nós temos feito, erradamente, é investir ao nível do hospital, quando o investimento tem de passar a montante e a jusante dos cuidados hospitalares. Temos considerado que a doença prevalece e que é na doença que temos de incidir, quanto todas as estratégias e toda a evidência em saúde demonstra que o principal investimento deve ser na promoção da saúde», defendeu.
«Era importante um maior investimento a montante, nos Cuidados de Saúde Primários, mas também a jusante, naquilo que são os cuidados pós-hospitalares, ao nível das residências para idosos e dos lares. Apesar de termos leis que definem o número de enfermeiros necessários para essas instituições, o que temos é um desfalque assistencial», reforçou.
E o dinheiro devia ser aplicado em equipas de cuidados, que juntam médicos, enfermeiros, técnicos e assistentes operacionais, já que «investir tudo num só grupo profissional [os médicos] não me parece que seja uma boa estratégia». «Mas temos de perceber se esse obstáculo financeiro é pertinente. Porque o que temos de equacionar é se este investimento que é necessário se traduz em ganhos para a saúde», disse.
Até porque este investimento se traduzirá numa poupança futura. Com o número adequado de enfermeiros «temos menos doença, temos menos doentes, temos menos morte, doentes menos complexos e uma série de mais valias que neste momento não conseguimos acautelar», acredita Sérgio Branco.
O problema da falta de enfermeiros não é exclusivo do Algarve, mas sim transversal a todo o país, onde a Ordem aponta para a falta de «30 mil enfermeiros». Como termo de comparação, há atualmente cerca de 70 mil destes profissionais de saúde a trabalhar no SNS.
«O que nós propusemos ao Governo foi a contratação faseada, pois temos consciência daquilo que são as limitações financeiras. A nossa proposta é que sejam contratados 3 mil enfermeiros por ano, ao longo de dez anos», disse.
Este esforço teria de ser consistente, ao contrário do que acontece agora, tendo em conta que, apesar de abrirem concursos, de tempos a tempos, para contratação de enfermeiros, o número global deste tipo de profissionais no Serviço Nacional de Saúde tem aumentado «muito paulatinamente», não sendo o Algarve uma exceção.
«Estas contratações nunca têm como principal objetivo o aumento dos cuidados. Visam, sobretudo, a substituição de outros profissionais que, por motivações próprias, abandonaram o centro hospitalar. Por outro lado, tem a ver com a requalificação dos contratos dos profissionais, ou seja, colocar nos quadros os que têm contratos precários. Nunca colmatam aquelas que são as reais necessidades destas organizações, nomeadamente aqui no CHA», revelou Sérgio Branco.