Uns param e ficam a olhar. Outros passam e olham de lado, rapidamente, sem abrandar o passo. Há ainda os que metem conversa com o artista ou com outras pessoas que por ali estejam a ver. Ou quem pose para selfies e fotografias com a parede como pano de fundo. Certo, certo, é que ninguém fica indiferente.
E tudo isto acontece por causa do mural que o artista Mário Belém está a pintar numa parede lateral, antes nua, de uma casa na Praça 1º de Maio, frente à Câmara Municipal de Portimão, no âmbito do Março Jovem.
Além das cores fortes, onde domina o amarelo («amarelão!», como comentou uma senhora que por ali passava), o que mais chama a atenção é a frase que o artista escolheu para pintar no topo do mural: «Tem cuidado com tudo».
Porquê esta frase?, quis saber o Sul Informação. «No ano passado, comecei a desenvolver trabalhos que partem de um trocadilho: “Murais e bons costumes”. Já pintei murais desta série em Viseu, em Lisboa, em Loures, agora em Portimão», começou por explicar Mário Belém.
A ideia foi «brincar com os formatos e a estética da publicidade antiga e subverter um bocado a coisa». O artista interroga: «e se a publicidade fosse brutalmente sincera?».
E com o que é, então, preciso ter cuidado? O que é esse «tudo»? «É preciso ter cuidado com tudo, mesmo: e por isso vou pintar uma televisão, um frango, uma lata de coca-cola, medicamentos…quem sabe se não pintarei um jornal», avisa, meio a rir. Estas são as coisas que hoje nos intoxicam, o corpo e a mente. Por isso, é preciso ter cuidado com elas.
Mas lá estará, preparada para acabar com esses perigos, a velhota de mata-moscas na mão. Olhando para o mural que Mário Belém há-de acabar ainda hoje ou amanhã, quase se espera ver o mata-moscas a esmagar um desses males da vida atual.
O jovem artista Mário Belém, que é um dos valores mais importantes da Street Art em Portugal, foi convidado pelo LAC – Laboratório de Atividades Criativas, para fazer esta intervenção naquela parede de Portimão, durante o Março Jovem. Aliás, a inauguração do mural que não deixa ninguém indiferente é mesmo uma das últimas atividades deste mês inteiramente dedicado à juventude portimonense.
Mário Belém está contente com a reação das pessoas, tanto dos vizinhos do seu mural, como de quem passa na rua. «Nos primeiros dias, ainda não se conseguia ver grande coisa e ninguém falava. Ao terceiro dia, a coisa começou a tomar forma e as pessoas começaram a interpelar-me imenso», diz o artista, cujo trabalho t na segunda-feira.
O mural chama a atenção pela cor, pela estética, pelo conjunto, pelo slogan, por aquilo que mostra e que sugere. Muita coisa fica aberta à interpretação de cada transeunte. Mas street art é mesmo assim.
De qualquer modo, Mário Belém diz: «eu estou cá cinco dias a pintar isto, mas as pessoas que cá vivem e aqui passam têm de viver com isto para sempre. Por isso, procuro não fazer nada ofensivo. Eu até sou conhecido por ter tendência para fazer coisas fofinhas [risos]». De qualquer modo, avisa, apesar de a parede ter sido arranjada antes de receber a sua intervenção artística, «ela está a desfazer-se, vai durar pouco tempo».
A street art, arte de rua ou urbana, é mesmo isto: «arte efémera». Mas, enquanto durar, Portimão tem mais um atrativo a conhecer.
Quem é Mário Belém?
Após ter trabalhado como ilustrador digital e designer gráfico durante vários anos, Mário Belém decidiu voltar a sujar as mãos com tinta e concentrar-se no seu trabalho artístico, dando forma a um mundo mágico que faz uso recorrente da cultura e sabedoria popular portuguesa.
Os seus murais foram muito bem recebidos na crescente cena da arte urbana portuguesa e o seu estilo colorido e jocoso dá forma a uma refinada narrativa visual, plena de detalhes e profundamente imbuída de histórias e provérbios tradicionais.
Fotos: Elisabete Rodrigues|Sul Informação