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Evitar «o falso histórico» e «acautelar que a torre albarrã não se transforme numa falsificação de si própria». Estes são pressupostos de base dos trabalhos de conservação e restauro da torre albarrã do Castelo de Paderne, no concelho de Albufeira, que estão agora a começar, para estarem prontas dentro de quatro meses.

Orçada em 132 mil euros, a intervenção é apenas a primeira fase das obras programadas pela Direção Regional de Cultura para este monumento classificado como Imóvel de Interesse Público.

«Esta primeira fase é mais tímida», explicou Alexandra Gonçalves, diretora regional de Cultura, durante a assinatura do contrato de adjudicação da obra de Conservação e Restauro dos Módulos de Taipa Almóada do Castelo de Paderne, que teve lugar ao fim da tarde de sexta-feira, 28 de Julho, no monumento.

Além da intervenção em si, coordenada pelo arquiteto Manuel López Vicente, um dos maiores especialistas mundiais em conservação de taipa militar, esta primeira fase inclui ainda a produção e edição de um livro monográfico sobre o Castelo e os trabalhos de conservação que aí estão a ser feitos.

A segunda fase, a iniciar em 2018 e que custará 460 mil euros, refere-se à conservação e restauro do pano de muralhas nascente, junto à torre albarrã.

Pano de muralha que será restaurado na 2ª fase, em 2018

Tudo isto pretende garantir que este monumento, «edificado há 900 anos», possa perdurar por mais uns séculos. Para mais porque se trata, como salientou Natércia Magalhães, historiadora da Direção Regional de Cultura, de «um caso, quase único a nível nacional, para as estruturas almóadas», que «chegou até nós mantendo uma só técnica construtiva e o mesmo desenho que lhe deram os seus fundadores, no século XII».

Este projeto, recordou a diretora regional de Cultura, «esteve em carteira para execução desde 2010», mas foi sempre «bloqueado pela falta de financiamento para se poder concretizar o investimento». Por isso, sublinhou, a assinatura do contrato de adjudicação das obras na torre albarrã foi um «momento de muita emoção».

É que a abertura para a concretização dos trabalhos acabou por surgir em 2016, quando, «unindo a boa vontade de todos», se conseguiu garantir que os 40% de comparticipação fossem assegurados pelo Município de Albufeira (20%) e pela Fundação Millennium bcp (os restantes 20%).

Os restantes 60%, assumidos pela própria Direção Regional de Cultura, foram candidatados, com sucesso, aos fundos europeus do CRESC Algarve 2020. «Nós somos o dono da obra, mas o dinheiro não vem da Direção Regional de Cultura», disse ainda Alexandra Gonçalves.

Carlos Silva e Sousa, Alexandra Gonçalves, Marlene Silva e Fernando Nogueira

A candidatura, explicou por seu lado Natércia Magalhães, «integra a valorização deste património, mas também a execução de um livro de prestígio sobre o Castelo de Paderne», que é «ex-libris de um processo construtivo e de um império muçulmano, um califado berbere de origem magrebina, que durante um século se estendeu entre as duas margens do Mediterrâneo e nelas deixou vestígios como este».

Fernando Nogueira, presidente da Fundação Millennium bcp, entidade que assegura 20% do investimento necessário nesta primeira fase da obra, também presente na cerimónia, salientou que os trabalhos são um «momento que respeita a história e prepara o futuro».

«Em Portugal, começa a haver uma fileira significativa de empresas na recuperação do património», sublinhou, referindo-se à empresa In Situ Conservação de Bens Culturais Lda, a quem a obra especializada foi adjudicada após concurso. «A In Situ vai querer mostrar com grande orgulho o belo trabalho que aqui vai fazer», disse.

«A Cultura, até a este nível, pode promover a criação de postos de trabalho», acrescentou Fernando Nogueira. Alexandra Gonçalves, por seu lado, salientou que «cultura e património são fundamentais para a competitividade do turismo».

Carlos Silva e Sousa, presidente da Câmara de Albufeira, manifestou a sua «grande alegria» por se estar «a mexer positivamente num património que é único no país».

A pedra colocada num restauro mal feito há umas décadas vai ser retirada, para ser recuperada «a pele do monumento»

A torre albarrã (maciça) do Castelo de Paderne, que é o símbolo deste monumento, apresenta uma série de doenças, patologias que «colocam em risco a continuidade da torre como património histórico». Há zonas a desfazer-se, onde a resistente taipa militar almoáda tem perdido massa, «grão após grão», com a ajuda da chuva, do vento, da matéria orgânica e até das plantas cujas raízes vão invadindo a taipa, há fendas a abrir e sulcos a alargar-se e secções dos paramentos que ameaçam cair.

Para reparar estas doenças no monumento com nove séculos, e ao contrário do que foi feito há algumas décadas, não se vai usar materiais estranhos, mas de novo a taipa. O objetivo é repor a chamada “pele do monumento” e «reanimar o seu valor patrimonial com novos usos culturais, nomeadamente a fruição e visita ao topo» da torre albarrã.

A assistir à cerimónia da assinatura da adjudicação da obra estava Elidérico Viegas, presidente da Associação de Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA), que, tendo nascido e vivido em criança ali bem perto,  aproveitou para recordar os tempos em que, com o irmão e amigos, subia até ao castelo para ver os ninhos de corvos e de corujas que então havia, em abundância. «Nessa altura não havia estrada até aqui, subíamos a encosta pelo meio do mato», recordou.

 

O castelo

O castelo apresenta a forma de um polígono irregular de 10 lados, que modela uma forma quase trapezoidal.

Está orientado na bissectriz do quadrante NE, em coerência com a topografia do local e a forma e a orientação do cabeço onde está implantado.

As características mais notáveis do recinto são o uso massivo da taipa como sistema construtivo e a inexistência de torres esquineiras ou intermédias, com a presença de uma única torre de albarrã.

Talvez por tratar-se de uma fortaleza de pequena escala, localizada num sítio tão escarpado, o quebrar dos muros seja um recurso defensivo suficiente para compensar a falta de torres. A arquitetura militar tem a característica de ser completamente racional, no sentido que não há desperdícios nos meios para garantir os fins.

Como é lógico, a torre albarrã, avançada em relação à muralha, flanqueia o tramo NE, que, de todos, é o mais acessível e vulnerável.

Uma única porta de acesso ao recinto abre-se diretamente ao exterior, no côvado do alçado NE. Curiosamente não corresponde à preferencial tipologia almóada que era a porta em cotovelo.

O interior da fortaleza corresponde 2.557 m2. Como curiosidade, aplicando um cálculo convencional que determina 2m2 de espaço livre por pessoa, como atualmente se calcula a capacidade de um centro comercial, este recinto poderia albergar quase um milhar e meio de pessoas, em momentos de máxima ocupação, faltando saber se os recursos alimentícios e de água estariam garantidos para tanta gente.

A torre albarrã do Castelo de Paderne

A torre

Trata-se de uma torre de maciça de um só corpo com um piso ou um terraço superior acessível desde o adarve geral.

A planta é um quadrilátero quase quadrado, cujos lados arredondam 5,85 metros. A altura máxima atual é 9,30 metros.

O módulo empregado no seu desenho e construção parece ajustar-se ao côvado comum almóada de 0,418 metros. O uso deste módulo verifica-se na Torre na altura de caixas (2 côvados) e na largura na base (14 côvados).

A altura da torre atualmente está formada por uma sucessão de onze filas ou módulos de taipais, nove que formam o corpo da torre e os dois últimos, muito degradados, formam o parapeito do terraço. Já não há vestígios de ameias. Junto ao solo, sobre uma base compactada, há um nível de módulo em taipa (com maior teor em cal e aglomerado grosso).

Ao terraço da torre, acede-se por vão ao centro da face SO, desde o adarve geral, através da pontezita cuja abóbada de canhão arranca a nível inferior do módulo 6 numa simples imposta.

No solo do passadiço, parece que existiu uma fresta/abertura para bater a zona inferior da ponte.

Os parapeitos do terraço apresentam importantes perdas de massa e estão muito erodidos. Não há vestígios de ameias e o parapeito desapareceu totalmente no lado NO e esquina O. Observam-se restos de seteiras nas caras SE e NE.

Ao centro da torre, registaram-se restos de um muro transversal intermédio que dividia terraço em dois espaços.

No solo de ambos os espaços se conservam marcas de uma possível estrutura de madeira e certas covas, no solo, a modo de silos para munições ou apetrechos.

Não obstante, todos estes vestígios arqueológicos não permitem conformar uma imagem do acabamento do terraço da torre para alem do parapeito.

 

Taipa

A taipa é uma técnica construtiva de origem remota, estendida por todo o âmbito mediterrânico desde a antiguidade, especialmente na Península Ibérica e norte de África.

Hoje em dia, esta técnica construtiva tradicional está reconhecida como património cultural a nível internacional e estudam-se as suas aplicações na arquitetura bioclimática.

Basicamente, consiste em amassar um conglomerado de granulados, terras mais ou menos selecionadas e cal em distintas proporções segundo seu uso e função, que vão desde a mais modesta arquitetura doméstica até poderosas muralhas. Neste caso, em Portugal denomina-se especificamente “taipa militar” que se caracterizam pelo seu elevado teor em cal e a cuidada composição da mistura, ademais pela sua espessura.

A massa obtida desta mistura, ligeiramente humedecida com água, põe-se em obra mediante cofragens de madeira chamados taipais, onde se verte e compacta manualmente de forma mecânica, mediante um maço. Terminado um módulo de imediato se retiram os taipais, se colocam em continuação ou em cima, para continuar o pano.

A composição da mistura de terra tem um papel importante. A terra empregada como material de construção deve conter uma porção de argila para garantir a coesão e areia suficiente para dar esqueleto interno ao muro. Uma boa terra para fazer taipa deve conter menos de 30% de argila e limos e mais de 35% de areia. O teor de gravilha deve oscilar entre os 10-20%.

Do sistema de construção, fazem parte elementos de madeira embebidos na parede, a intervalos, para sujeitar  a cofragem e absorver os esforços horizontais durante a compactação.

Esses elementos de madeira embebidos na parede chamam-se agulhas, e foi o seu desaparecimento ao longo dos séculos que deu lugar aos orifícios dispostos metricamente nas muralhas de taipa almóada, que são uma sua marca exclusiva.

 

Fotos: Elisabete Rodrigues|Sul Informação

 

 

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