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Embora o título possa parecer um pouco reles, o teor deste texto é tudo menos provocador.

Bem, talvez o seja para alguns seres vivos.

As beatas de que falamos são as pontas dos cigarros depois de fumados ou, em português do Brasil, as bitucas ou guimbas de cigarro.

Mas porquê falar da terminologia de um produto tão nocivo à saúde e, pior, misturá-lo com ninhos?

É que, por vezes, a natureza dá voltas por onde menos se espera. Neste caso, verificou-se que algumas aves da cidade do México utilizam as beatas de cigarros na construção dos seus ninhos.

O comportamento foi observado e avaliado por investigadores da Universidad Nacional Autónoma de México, que utilizaram um procedimento experimental para comprovarem a influência das guimbas de cigarro sobre parasitas que atacam as crias de aves. Os cientistas verificaram que ninhos com pontas de cigarros fumados apresentavam menos parasitas externos do que aqueles construídos com pontas de cigarros não fumados.

Bem, nada de especial, escarnecerão os mais radicais, acrescentando que o tabaco é tão mau que nem os parasitas o aguentam.

Os investigadores verificaram que as aves que utilizam as beatas nos seus ninhos, pardais (Passer domesticus) e a espécie de tentilhão Carpodacus mexicanus, o poderão fazer como recurso a um inseticida natural, já que as pontas dos cigarros preservam quantidades de nicotina e outras substâncias químicas.

Um amigo meu inglês já me havia descrito que infusões frias de beatas de cigarros quando vertidas nos vasos de plantas ornamentais as tornam mais saudáveis. Ou assim diz ele.

Estes investigadores não descartaram a hipótese de que as aves utilizem as beatas como um revestimento térmico para os ninhos, uma vez que estas têm celulose. Tão pouco afastam que as vantagens de as aves utilizarem a nicotina como desparasitante sejam anuladas pelos efeitos tóxicos dos químicos tabágicos.

Ainda que não totalmente esclarecidos, os autores propõem duas hipóteses para o comportamento das aves: as substâncias químicas presentes nas pontas de cigarro poderão estimular o sistema imunitário das crias e, assim, favorecer as suas hipóteses de sobrevivência. A segunda hipótese aponta para que os químicos presentes nas bitucas de cigarros possam ter um papel mais direto, evidente e já referido: as beatas seriam um inseticida natural, que desinfetaria os ninhos de parasitas externos.

Ave com ponta de cigarro (foto de Victor Argaez)

Esquecendo as infusões de nicotina e desejando que as hipóteses levantadas sejam testadas, o que as aves urbanas parecem ter descoberto é a reutilização do arsenal químico dos cigarros a favor das suas crias.

Ao contrário do que escreveu Tchekov, estas aves mexicanas descobriram os benefícios do tabaco. Aparentemente.

 

Referências:

Suarez-Rodriguez M., Lopez-Rull I. & Macias Garcia C. (2012). Incorporation of cigarette butts into nests reduces nest ectoparasite load in urban birds: new ingredients for an old recipe?, Biology Letters, 9 (1) 20120931-20120931. DOI: 10.1098/rsbl.2012.0931

 

Imagens:
Foto 1 (ninho): http://idreamofeden.wordpress.com/2011/04/18/birds-nest-of-the-future-americans-and-their-waste/

Foto 3 (ave com ponta de cigarro): http://blogs.scientificamerican.com/culturing-science/2012/12/04/cigarette-butts-in-nests-deter-bird-parasites/

 

 

Autor: Luis Azevedo Rodrigues é professor, doutorado em Paleontologia, divulgador de Ciência e Diretor Executivo do Centro Ciência Viva de Lagos. É ainda autor do blogue Ciência ao Natural .

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