Quais são as partículas elementares da matéria? O que é um bosão? Porque é o de Higgs foi batizado como “partícula de Deus”? Estas são algumas das perguntas a que o físico Carlos Fiolhais responde, a propósito do bosão de Higgs.
António Piedade (AP) – Quais são hoje as partículas elementares da matéria, 100 anos depois do modelo de Rutherford para um átomo, com protões e neutrões num núcleo orbitado por eletrões?
Carlos Fiolhais (CF) – As partículas elementares de matéria são os quarks (que formam os protões e neutrões do núcleo atómico), os eletrões e os neutrinos.
AP – Então o que são bosões?
CF – Bosões são as partículas de campo ou de energia, que asseguram as forças ou interações. As partículas elementares de matéria (quarks, electrões e neutrinos) são, por seu lado, fermiões. Podemos dizer que os fermiões se relacionam graças à troca de bosões: como dois cães que se mantêm unidos porque vão trocando um osso.
De outra forma, bosões são partículas que podem ocupar o mesmo estado de energia, ao contrário dos fermiões, que não podem.
O nome homenageia Bose, um físico indiano que escreveu a Einstein e que Einstein apoiou.
Um condensado de bosões é um aglomerado de bosões no mesmo estado. Não há condensados de fermiões, a não ser que estes se associem para formar bosões (é o que acontece, por exemplo, com os eletrões na supercondutividade).
AP – E o que é o bosão de Higgs?
CF – Uma partícula de campo ou de energia, que contrasta com uma partícula de matéria. Foi proposta nos anos 60 por Higgs e outros como unidade (grão ou /quantum) de um campo, o campo de Higgs, necessário para dar massa às partículas de matéria.
AP – Em que consiste o modelo padrão da Física?
CF – Trata-se da descrição de partículas de matéria e de campo conhecidas, isto é, dos constituintes da matéria e das interações fundamentais entre elas. Assenta teoricamente em princípios de invariância relativamente a operações de simetria. Uma bela teoria, portanto.
Mas os físicos não estão satisfeitos com o modelo, pensam que há mais qualquer coisa…
AP – Qual a importância do campo e do bosão de Higgs para a compreensão da matéria?
CF – Sem esse campo, e o respetivo bosão, não há uma maneira fácil de explicar a massa das partículas de matéria.
AP – Há alguma relação entre o bosão de Higgs e a matéria escura?
CF – Que se saiba não. Mas poderá haver. A matéria escura – matéria que não se vê – e a energia escura – energia antigravitacional – são dois dos mistérios maiores do Cosmos.
AP – Porque é que ainda não podemos afirmar que o bosão encontrado nas experiências ATLAS e CMS é o Higgs?
CF – Encontrou-se um pico à energia de 125 GeV analisando os processos de decaimento que se seguem a choques a altas energias. Falta, porém, saber quais são as propriedades dessa partícula, cuja existência acaba de ser assegurada. Conhecendo a sua energia podem afinar-se as observações.
AP – Qual foi a participação portuguesa nestas experiências?
CF – Há vários físicos portugueses no CERN ou em Portugal a participar nas equipas dos detetores CMS e ATLAS (os resultados do primeiro são mais importantes na descoberta do Higgs).
AP – Quais são os passos que se seguem?
CF – Há que analisar melhor os processos à energia da partícula encontrada.
AP – Porque é que o bosão de Higgs recebeu a denominação de “partícula de Deus”?
CF – Uma brincadeira do físico Leon Lederman, que esteve há anos em Portugal a fazer uma palestra na Figueira da Foz. Deu o título de “partícula de Deus” a um livro que escreveu com um jornalista, provavelmente com o objetivo de maximizar as vendas do livro. A palavra pegou, apesar de ser despropositada.
Os físicos não chegaram mais perto de Deus com esta descoberta até porque o papel da física não é a aproximação a uma divindade.
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