Acaba de vir a lume (em novembro de 2011) a reedição de “Os Dragões do Éden”, de Carl Sagan. É a oitava edição em Portugal, agora incluída na coleção “Obras de Carl Sagan” (6º título) que a Gradiva dedica a esse incontornável comunicador e divulgador de ciência e tecnologia, passados 15 anos da sua morte.
Este livro de Carl Sagan (Os Dragões do Éden – Especulações Sobre a Evolução da Inteligência Humana e das Outras) foi premiado em 1977 com o prémio Pulitzer, e foi pela primeira vez traduzido para português pela editora Gradiva, em maio de 1985.
Esta nova edição daquela que “para alguns é mais bela obra de Carl Sagan” apresenta-se agora mais agradável, com uma paginação mais generosa e cómoda à leitura, com as anotações cuidadas na sua localização mais apropriada, com uma melhor impressão das mesmas imagens originais e constantes na primeira edição portuguesa.
Recorde-se que a tradução desta obra foi efetuada pela Ana Falcão Bastos e que a revisão científica é do físico José Mariano Gago e dos Biólogos Maria Margarida Perestrello Ramos e Carlos Henriques de Jesus.
O volume atual com 269 páginas compagina a sua introdução, nove capítulos principais, mais um outro de agradecimentos, uma extensa, rica e diversificada bibliografia, e por fim, um glossário generoso.
Capítulo a capítulo, Carl Sagan apresenta-nos uma progressiva problematização, a um só tempo lúcida, estimulante e sem preconceitos, da evolução do cérebro e da inteligência humana.
Numa abordagem interdisciplinar, facilitada pelo amplo domínio que Carl Sagan detinha de várias áreas do conhecimento científico, filosófico e histórico da humanidade, somos embalados numa leitura cativante que questiona a dimensão da nossa importância, lugar e presença na evolução da vida e do Universo.
Sem receio de revisitar e desmistificar as origens incrustadas na diversidade cultural humana, provoca o leitor com hipóteses ainda hoje arrojadas e que incendeiam a imaginação daquilo que porventura julgava bem estabelecido.
De capítulo em capítulo, Carl Sagan leva-nos por uma viagem sem nos desacompanhar. Compara, confronta a evolução e atividade do cérebro, visitando e transmitindo o que então se conhecia da biologia daquele órgão, presente em nós e em outros seres vivos.
Carl Sagan contagia-nos com a sua paixão pelo conhecimento e apresenta-nos as várias construções, umas mais abstratas, outras mais concretas e tecnológicas, fruto da atividade daquele órgão capaz de produzir pensamentos, emoções e de as integrar com a informação que recebe do meio exterior, desenvolvendo culturas e mitos, modelando comportamentos e estabelecendo hierarquias concetuais nas relações intra e inter-espécies.
Ao longo do livro, Carl Sagan guia-nos progressivamente pelo retrato, possível à época (desde então muitos foram os avanços obtidos pelas neurociências e mesmo na área da psicologia evolutiva), da estrutura orgânica das fundações da nossa inteligência, das nossas paixões, dos nossos medos e das nossas realizações.
Identifica e situa a inteligência humana no contexto da evolução da inteligência dos seres vivos.
O último capítulo, famoso também pelo seu título, que, aliás, ecoa na última frase do livro, propõe-nos uma direção para a descoberta: “O conhecimento é o nosso destino – inteligência terrestre e extraterrestre”.
Trinta e cinco anos depois da primeira edição original em inglês, esta obra-prima e clássico da literatura científica para todos continua muito atual na forma como contextualiza e problematiza a inteligência humana como uma última fronteira do nosso conhecimento.
Ademais, a sua reedição é oportuna nesta época em que “pseudociências irracionais” e diversos engodos tipo “banha-da-cobra e elixires da juventude” têm ganho espaço crescente e privilegiado em alguns meios de comunicação social, a despeito da iliteracia científica que ainda grassa indiferenciada.
A sua leitura, ou releitura, permite ao leitor fortalecer o espírito crítico e adquirir ferramentas para desbravar os terrenos férteis do conhecimento com a ajuda da inteligência cativante e contagiosa de Carl Sagan.
Autor: António Piedade é cientista, comunicador de ciência e responsável pelo projeto Ciência na Imprensa Regional, do qual o Sul Informação faz parte