Praticamente toda a medicina convencional se baseia na utilização de duas estratégias empregues pelo sistema imune contra doenças infeciosas: deteção e eliminação de agentes invasores.
Miguel Soares, do Instituto Gulbenkian de Ciência, Ruslan Medzhitov, de Yale School of Medicine, e David Schneider, da Universidade de Stanford, propõem num artigo publicado a 24 de fevereiro de 2012 na “Science”*, que deve ser considerada uma nova e terceira estratégia: a tolerância à infeção, um fenómeno no qual o hospedeiro infetado se protege contra a infeção reduzindo os efeitos nocivos causados quer pelo patogéneo, quer pela resposta imunológica arquitetada contra o invasor.
Os autores defendem que o conhecimento dos mecanismos subjacentes a este fenómeno de tolerância poderá abrir caminho ao desenvolvimento de novas terapêuticas de combate a várias doenças infeciosas.
Após invasão de um organismo por agentes patogénicos (bactérias, vírus ou parasitas), o sistema imune entra em ação: deteta, destrói e, em última análise, elimina o patogéneo. Este fenómeno, chamado de “resistência à infeção”, é essencial na proteção do hospedeiro contra infecções, mas acarreta muitas vezes danos colaterais a alguns dos órgãos vitais do hospedeiro (fígado, rim, coração, cérebro).
Se não forem controlados, os danos causados nestes tecidos poderão ter consequências mortais, como acontece em malária grave, sepsis grave e, possivelmente, noutras doenças infeciosas.
A tolerância reduz o impacto prejudicial da infeção e da resposta imunológica subsequente sobre o hospedeiro.
Embora seja um fenómeno bem conhecido em imunologia de plantas, a tolerância à infeção em mamíferos, incluindo humanos, tem recebido pouca atenção. Apesar do muito que ainda falta conhecer sobre como e em que circunstâncias tolerância à infeção é empregue pelo hospedeiro, quase tudo o que se sabe sobre os mecanismos moleculares subjacente a esta estratégia de defesa do hospedeiro, foi descoberto no Instituto Gulbenkian de Ciência, pelo grupo liderado por Miguel Soares.
Esta equipa está interessada em identificar os mecanismos de tolerância específicos a cada doença, e ainda, em desvendar as estratégias gerais de tolerância que poderão, possivelmente, ser empregues como proteção do hospedeiro contra infeções futuras.
Em estudos animais e em humanos, a resistência à infeção é geralmente o único mecanismo tido em conta quando há infeção. Desta forma, sempre que um hospedeiro sucumbe a uma infeção, tal resultado é atribuído a deficiências do sistema imune.
Os autores sustentam que não se deve generalizar, e sublinham a importância de se distinguir entre resistência falhada e tolerância falhada, quando se analisa a causa da morbilidade e mortalidade resultante de doenças infeciosas. Tal distinção definirá qual a abordagem terapêutica a escolher.
Quando o problema principal é falha da tolerância, reforçar o sistema imune ou administrar antibióticos de nada servirá. Nestes casos, seria provavelmente mais eficaz melhorar a tolerância, no combate a infeções, doenças inflamatória e doenças auto-imunes.
(*) Ruslan Medzhitov, David Schneider, Miguel Soares (2012) Disease Tolerance as a Defense Strategy. Science.
Science, 24 Fevereiro 2012: Vol. 335 no. 6071 pp. 936-941;
DOI: 10.1126/science.1214935