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Streptococcus pneumoniaeCientista portuguesa descobre mecanismo que confere virulência a uma bactéria que causa a morte de 1,6 milhões de pessoas por ano.

Ana Sousa Manso, uma cientista portuguesa a acabar o doutoramento na Universidade de Siena, em Itália, em parceria com a Universidade de Leicester, no Reino Unido, é a primeira autora num estudo que identifica o mecanismo por detrás da capacidade infecciosa daquela que é a bactéria mais mortífera no planeta – a Streptococcus pneumoniae (vulgarmente chamada pneumococo).

A descoberta, publicada na edição de dia 2 de outubro da revista Nature Communication, culmina quase um século de investigação, desde que, em 1933, se mostrou que a bactéria, capaz de causar pneumonia e meningites que matam milhões de pessoas por ano, podia também viver sem sintomas nas vias respiratórias humanas.

Entender como o pneumococo passa de inócuo “hóspede” a “agente de doença” traz a promessa de novas e melhores estratégias terapêuticas contra esta potencialmente letal bactéria (e outras de semelhante “vida dupla”), uma notícia que não podia vir em melhor altura com a resistência bacteriana a antibióticos a atingir níveis alarmantes.

O trabalho é uma colaboração internacional entre cientistas no Reino Unido, Itália, Austrália e os Estados Unidos.

A Streptococcus pneumoniae dá origem aos casos de pneumonia e meningite bacteriana de maior mortalidade, podendo mesmo causar septicemia (envenenamento do sangue frequentemente fatal).

Apesar da existência de vacinas e antibióticos contra a infeção, o pneumococo continua fora de controle, em especial entre os grupos de maior vulnerabilidade como crianças, idosos e doentes com problemas imunitários, em particular nos países mais pobres.

De facto, e de acordo com a Organização Mundial de Saúde, esta bactéria mata anualmente 1,6 milhões de pessoas, sendo também a principal causa de óbito em crianças com idade inferior a cinco anos.

Assim, compreender como emerge a virulência (capacidade de infeção) do pneumococo, é visto por muitos como o “Santo Graal” para o seu controle, e um passo crucial para isto foi a descodificação do seu ADN.

Com efeito, o ADN – também chamado livro da vida porque contém nos genes que o compõem toda a informação que dá origem ao indivíduo – é como um colar de contas em que diferentes combinações destas criam os diferentes genes, cada um com a sua função (por exemplo um gene para a cor dos olhos).

Ora, descodificar o ADN de um organismo significa (de uma forma muito simplificada) passar a conhecer a sequência das suas contas.

No caso do pneumococo, isto permitiu comparar o ADN das suas diferentes formas (desde as mais inócuas às mais perigosas) e desenvolver, por exemplo, as vacinas que agora existem.

No estudo agora publicado, Ana Sousa Manso e colegas abordam o problema de forma diferente, e vão à procura de possíveis mecanismos epigenéticos. Neste caso, os genes ligados à virulência do organismo seriam ativados (ou inibidos) por ligação de uma molécula externa “reguladora”, e não por mudanças neles mesmos (mudanças nas contas). Epi em grego significa “em cima”, epigenética é literalmente em cima dos genes.

A hipótese emergiu a partir da descoberta no pneumococo dos chamados Sistema RM. Estes funcionam como defesas bacterianas que atuam degradando o material genético de organismos invasores.

Ana Sousa MansoMas, para evitar que o ADN bacteriano seja atacado por engano – e aqui é a parte interessante –, este é marcado com um grupo químico chamado metil pelo sistema RM. Ora a metilação do ADN é um dos mecanismos epigenéticos mais comuns.

Poderia ser esta a origem da virulência e a solução do mistério da “dupla personalidade” do pneumococcus?

E com efeito, testes revelaram que um dos sistemas RM encontrado no pneumococo tinha a particularidade de funcionar como um “interruptor genético” com 6 possíveis posições para os grupos metil, resultando assim em 6 diferentes combinações de genes ativados e inibidos.

E, cada vez que uma bactéria se dividia, as novas bactérias podiam ter qualquer uma destas combinações. As formas do pneumococo obtidas tinham não só diferente estrutura e fisiologia, mas também diferente ativação dos genes ligados à virulência.

E, de facto, ratinhos infetados com estas diferentes formas podiam desenvolver a doença ou não, tal como acontece em humanos, dando suporte à ideia que o sistema RM era a origem das diferentes virulências em pneumococcus.

O estudo é importante por várias razões, para começar, ao elucidar o mecanismo como a bactéria se torna infeciosa, abre a porta ao desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas e melhores vacinas.

Mas a revelação de que as populações de pneumococo (e provavelmente muitas outras bactérias com o sistema RM) são heterógenas, é particularmente relevante, porque vai mudar de forma drástica a forma como estas são estudadas. Por exemplo, agora sabemos que, em diferentes ambientes, este tipo de populações irá evoluir de forma diferente, dependendo de qual a subpopulação melhor adaptada ao ambiente onde se encontra.

No caso do pneumococo, isso pode explicar o porquê de diferentes indivíduos (diferentes ambientes) terem populações com diferentes virulências, mas também como desenvolver formas de manipular e controlar estes microrganismos.

Para Ana Sousa Manso, “o trabalho ao demonstrar o impacto deste sistema na regulação dos fenómenos de colonização e virulência do pneumococo constitui um passo crucial para entender e controlar os seus mecanismos de doença. Mas, mais que isso, a descoberta representa um novo paradigma na regulação genética bacteriana, que deve agora ser tomada em conta no estudo de outras bactérias, sendo como tal uma descoberta de importância considerável no campo das doenças infeciosas”.

 

Artigo original http://www.nature.com/ncomms/2014/140930/ncomms6055/full/ncomms6055.html

 

Autora: Catarina Amorim
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

 

 

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