Cientistas do Instituto Gulbenkian de Ciência descobrem que o sistema imune afeta a evolução de bactérias do intestino.
A nossa saúde depende fortemente da diversidade de bactérias que habitam o nosso intestino e da forma como o sistema imune tolera essa diversidade ou responde às bactérias patogénicas para prevenir doenças.
Num estudo publicado na revista científica Nature Communications, investigadores do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) descobriram que, quando o sistema imune do hospedeiro é comprometido, a composição de bactérias do intestino muda, e o ritmo e a previsibilidade do processo de adaptação dessas bactérias são afetados.
Este estudo sugere que o tratamento de patologias intestinais que resultam de um sistema imunitário deficiente, tais como a doença inflamatória intestinal, pode requerer terapias baseadas em medicina personalizada que tenham em conta a composição individual das bactérias intestinais.
Esta investigação, liderada por Isabel Gordo e Jocelyne Demengeot, é o primeiro trabalho experimental que confirma a hipótese de que o sistema imune influencia a evolução das bactérias do intestino.
O intestino é um ambiente altamente complexo, tendo as bactérias aí residentes de se adaptar e evoluir para lidarem de forma eficiente com os diferentes estímulos, incluindo a dieta diversificada que ingerimos todos os dias.
Isto origina cada vez mais diversidade de bactérias, que necessitam de ser controladas pelo nosso mecanismo de vigilância, o sistema imunitário, de modo a evitar doenças. Já se sabia que surgem patologias quando o sistema imunitário falha e há disrupção na comunidade de bactérias do intestino. Mas uma ligação direta ou indireta entre o sistema imunitário e a evolução de bactérias ainda não tinha sido provada.
A equipa de cientistas do IGC investigou como é que a Escherichia coli (E. coli), uma das primeiras bactérias a colonizar o intestino depois do nascimento, evolui em ratos saudáveis e em ratos que não possuem linfócitos, os glóbulos brancos do sistema imune.
Enquanto em animais saudáveis são observadas rápidas adaptações metabólicas à dieta, as mudanças são mais lentas em ratos imunologicamente comprometidos, onde o sistema imune não funciona corretamente.
Os investigadores observaram ainda que o mesmo tipo de adaptações benéficas ocorria em todos os ratos saudáveis que foram estudados. No entanto, nos animais que não possuem linfócitos, foram observadas grandes variações entre indivíduos, tornando difícil prever o curso de evolução das bactérias naqueles animais.
João Batista, estudante de doutoramento e primeiro autor do estudo, explica: “nós observámos que esta característica se deve a mudanças na composição da comunidade de bactérias no intestino, que é mais semelhante em indivíduos com um sistema imune saudável e bastante mais diversificada em animais com um sistema imune comprometido”.
“Foi possível desenvolver este trabalho de investigação porque no IGC há um espírito de cooperação que junta grupos de investigação de diferentes áreas de ação. Assim, integrámos os nossos conhecimentos sobre evolução e imunologia para estudar as complexas interações existentes entre o sistema imune dos vertebrados, composto por inúmeras células diferentes, e a microbiota intestinal, também composta por inúmeras bactérias diferentes. Aprendemos que o sistema imune funciona como um normalizador da composição de bactérias do intestino”, comenta Jocelyne Demengeot.
Isabel Gordo acrescenta: “o nosso trabalho mostra que é possível prever a evolução das bactérias comensais em organismos saudáveis, mas o mesmo não acontece em organismos com problemas no seu sistema imune. Assim, o uso de terapias generalistas para tratar pessoas que sofrem de patologias intestinais resultantes de um sistema imunitário deficiente, como é o caso da doença inflamatória do intestino, pode não ser a melhor abordagem. Em vez disso, devem ser consideradas terapias baseadas em medicina personalizada, que tenham em conta a composição de bactérias do intestino de cada pessoa”.
Recentemente, o trabalho desenvolvido por esta equipa que antecedeu este estudo foi distinguido com o Prémio PLOS Genetics Research Award 2015. Este estudo foi financiado pelo Conselho de Investigação Europeu e pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
Referência do artigo
Barroso-Batista, J., Demengeot, J., and Gordo, I. (2015) Adaptive immunity increases the pace and predictability of evolutionary change in commensal gut bacteria. Nature Communications. DOI: 10.1038/ncomms9945
Link para o artigo: http://www.nature.com/ncomms/2015/151130/ncomms9945/full/ncomms9945.html
Autora: Ana Mena (IGC)
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