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Gil Costa (Centro Champalimaud)

A escolha do momento de agir pode ser tão importante como a da ação a executar. Mas mesmo em condições laboratoriais extremamente controladas, o timing das ações dos sujeitos nunca é completamente previsível. Esta componente aparentemente aleatória pode desempenhar um papel importante em situações de competição e na exploração de opções comportamentais.

Agora, neurocientistas do Centro Champalimaud em Lisboa, Portugal, mostraram que o momento preciso da execução de uma ação é uma combinação de uma componente previsível e de uma componente imprevisível que são processadas por regiões diferentes do cérebro. Os seus resultados foram publicados na revista Neuron.

Em muitas situações, a escolha do momento certo para agir é crucial para o sucesso da ação. Agir demasiado cedo ou demasiado tarde leva a falhar o alvo, a desperdiçar oportunidades e tempo. Mas para conseguir agir no momento certo, é preciso adquirir experiência e saber adaptar-se às situações.

Introduzir “ruído” no timing de uma ação pode parecer contraproducente. Mas a imprevisibilidade pode muitas vezes ser benéfica. No futebol, por exemplo, a capacidade de um jogador experiente fintar o guarda-redes depende em parte da imprevisibilidade do timing do seu pontapé e do movimento que imprime à bola. Numa dada situação, se a mesma ação fosse sempre executada da mesma forma e no mesmo momento, os organismos seriam facilmente ultrapassados pelos competidores. E também não haveria espaço de manobra para explorar melhores soluções, não haveria criatividade.

Como é que o cérebro consegue otimizar o timing das ações em função das circunstâncias, mas retendo, ao mesmo tempo, uma boa dose de imprevisibilidade? Foi esta a pergunta a que os autores do novo estudo quiseram responder.

“O nosso objetivo era perceber melhor os mecanismos cerebrais que determinam o timing das ações”, diz Zach Mainen, que liderou o estudo. “Interessava-nos em especial a grande variabilidade do instante em que as ações são executadas – e o facto de este aparente carácter aleatório do timing existir mesmo quando a situação que motiva a ação é sempre a mesma”.

Para estudar a questão, os cientistas treinaram ratos a executar uma tarefa que testava a paciência destes animais. Os ratos ouviam um som e, a dada altura, tinham de decidir dirigir-se a um dispensador de água. Contudo, os animais aprendiam que, se fossem pacientes e esperassem (um tempo aleatório) por um segundo som antes de irem beber, a quantidade de água dispensada seria bastante maior do que se desistissem e se deslocassem ao bebedouro antes de ouvirem o segundo som.

E de facto, nesta situação experimental, o tempo que o animal está disposto a esperar pelo segundo som é, em parte, previsível. Mas ao mesmo tempo, há uma importante componente de acaso, de imprevisibilidade.

 

Separação de poderes

Numa segunda fase, os cientistas repetiram a experiência, mas, desta vez, registaram a atividade de múltiplos neurónios, em simultâneo, ora numa região do córtex pré-frontal (responsável pelas tomada de decisão, a planificação, a aprendizagem) designada MPFC, ora numa região do córtex motor, designada M2 (que se pensa estar envolvida no controlo direto dos movimentos). Ambas estas regiões são necessárias para a escolha certa do timing das ações.

Os registos da atividade neuronal permitiram-lhes observar que, no M2, essa atividade refletia ambas a componente aleatória e a componente previsível do timing da ação. Mas o resultado “mais surpreendente”, diz Masayoshi Murakami, o primeiro autor do estudo, foi que o MPFC não tem nada a ver com a componente aleatória do timing da ação. “Mostrei que o MPFC não está interessado na componente aleatória – e é nesta separação [de funções entre o MPFC e o M2] que reside a novidade”, acrescenta.

“Descobrimos que duas áreas diferentes do cérebro parecem desempenhar papéis muito diferentes na geração do timing da ação”, resume por seu lado Mainen. “Uma área, o córtex pré-frontal mediano [MPFC], parece monitorizar o tempo de espera ideal com base na experiência adquirida. E uma segunda área, o córtex motor secundário [M2], também monitoriza o timing ideal, mas acrescenta-lhe variabilidade para tornar as decisões individuais imprevisíveis. Esta possível ‘separação de poderes’ no cérebro não tinha sido devidamente avaliada até aqui”.

Como interagem as duas áreas? Segundo Mainen, os novos resultados também sugerem que a geração da componente “determinista” do timing acontece primeiro e que a componente aleatória (ou “estocástica”) é a seguir acrescentada por cima. “A variabilidade não ‘flui’ para trás”, argumenta. “A não ser assim, as duas regiões apresentariam variabilidade”. Mas serão precisos mais estudos para confirmar esta hipótese.

 

Autor: Centro Champalimaud
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

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