O melro-preto é um dos principais hospedeiros reservatório da bactéria Borrelia burgdorferi s.l., responsável pela borreliose de Lyme – uma doença que, se não for tratada no estádio inicial, provoca lesões graves no sistema neurológico, dermatológico e articular.
Esta é a principal conclusão do primeiro estudo realizado em Portugal focado no papel das aves como agentes de disseminação de doenças infecciosas e como reservatório da bactéria Borrelia burgdorferi s.l., que é mantida na natureza por vários grupos de vertebrados, incluindo para além das aves, algumas espécies de mamíferos e répteis. Esta bactéria é transmitida por carraças, especialmente a Ixodes ricinus.
Financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), o estudo foi desenvolvido ao longo dos últimos três anos por uma equipa de cinco investigadores da Universidade de Coimbra, do Centro de Estudos de Vetores e Doenças Infeciosas do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge e da Universidade de Neuchâtel (Suíça).
A borreliose de Lyme, cuja incidência é particularmente elevada nas regiões temperadas do hemisfério norte, foi detetada pela primeira vez em Portugal em 1989, tendo sido diagnosticado o primeiro caso na região de Évora. Desde então, cerca de 35 novos casos surgem anualmente.
Embora a incidência da patologia seja baixa no nosso país, «é importante estar informado sobre o risco de transmissão desta doença e saber como a prevenir porque o seu diagnóstico é difícil uma vez que os sintomas iniciais são idênticos aos de outras doenças. Esta pesquisa fornece informações valiosas para definir a áreas de risco e fatores que influenciam a emergência de patologias transmitidas por carraças e, eventualmente, evitar surtos de doenças», assevera Cláudia Norte, coordenadora do estudo que já foi publicado nas revistas internacionais “Environmental Microbiology” e “Experimental Applied Accarology”.
Por outro lado, prossegue a investigadora, «cada vez mais as pessoas viajam para outros países, incluindo para zonas onde a prevalência é elevada. A informação é essencial para que se tome os devidos cuidados». Assim, aconselha, «o uso de roupas claras para um passeio no campo ou em matas, onde normalmente existem carraças, e o cuidado de verificar se alguma carraça se alojou no corpo. Em caso afirmativo, retirá-la o mais rapidamente possível porque a bactéria demora algumas horas a passar efetivamente para o homem. Após a picada, se a doença não for devidamente tratada com antibiótico, numa fase inicial, bactéria pode disseminar-se pelo organismo e provocar lesões graves aos níveis neurológico, cardíaco e articular».
O estudo que permitiu ainda a identificação de uma nova estirpe da bactéria em Portugal – B. turdi – compreendeu a captura de aves abundantes em Portugal (cerca de 20 espécies) para recolha de amostras de sangue e de outros tecidos e de carraças que estivessem a parasitar as aves. Amostras essas que foram avaliadas, ao nível molecular, para verificar se estavam infetadas com a bactéria Borrelia burgdorferi s.l..
As colheitas foram realizadas na Tapada de Mafra e na Mata do Choupal (Coimbra), mensalmente, durante um ano, para avaliar as variações sazonais – abundância, distribuição e infestação de carraças.
Com esta abordagem, os investigadores obtiveram informações sobre quais os tipos de aves que mais contribuem para a manutenção de diferentes espécies de carraças e, naturalmente, para os agentes patogénicos que possam transportar.
Autora: Cristina Pinto
Assessoria de Imprensa – Universidade de Coimbra
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva