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Se um dia destes vir uma pessoa no meio dos caniços das margens de uma ribeira, de máquina fotográfica com teleobjetiva na mão, saiba que se pode tratar de um apaixonado pelas libélulas e libelinhas do Algarve.

Precisamente para facilitar o desenvolvimento deste nicho de mercado no Algarve e fornecer informação útil aos interessados pelo tema, Nuno de Santos Loureiro, investigador, professor da Universidade do Algarve em áreas que pouco têm a ver com libelinhas, fotógrafo, acaba de lançar um Guia de Libélulas e Libelinhas, que pode ser pedido gratuitamente via internet, a partir do site http://blog.odonata-algarve.info/, está otimizado para iPod, iPad e iPhone, mas também é um PDF que se lê em qualquer computador.

No Algarve, estão identificadas 51 espécies de libélulas e libelinhas, que podem ser encontradas em fase adulta (insetos voadores), entre março e novembro de cada ano, distribuídas por praticamente todo o território, desde que exista água por perto. É mesmo possível que existam mais duas ou três espécies destes insetos da ordem Odonata, na região.

As libélulas e libelinhas, tal como as aves, ainda que em menor número, atraem gente interessada – naturalistas amadores e fotógrafos obcecados por conseguir “aquela” imagem -, em especial dos países do Norte da Europa, como a Holanda ou a Alemanha.

E porquê fazer um guia sobre libélulas e libelinhas e não sobre aves? «Para promover um nicho de turismo em crescimento e com potencial», responde Nuno Loureiro. «A oferta de informação e guias sobre aves e plantas, mesmo no Algarve, é muito grande. Pode mesmo dizer-se que o mercado está satisfeito», acrescenta.

«Mas as libélulas e libelinhas são um tema a explorar, aliás em muitas coisas semelhante ao birdwatching. Há muitos mais interessados em Odonata do que se pensa, nomeadamente alemães e holandeses com elevado nível de autonomia, que saem do circuito mais tradicional do inglês que vem de binóculos observar aves».

«É um nicho que é assumidamente interessante quer para os naturalistas, quer para os fotógrafos». Veja-se o exemplo da foto que ganhou o prémio internacional da National Geographic Magazine: era uma imagem fantástica de uma libelinha!

Para lá de ser um nicho de mercado a explorar, Nuno Loureiro considera que há, no interesse por libélulas e libelinhas, uma certa dose de paixão e outra de obsessão. E recorda a sua experiência de mais de dois anos de fotografia pelo Algarve fora, às vezes horas dentro de água, numa ribeira de águas frias, para conseguir “aquela imagem daquela espécie”.

O investigador sublinha que se trata de «animais com um ciclo de vida muito interessante e complexo, que são particularmente interessantes como bioindicadores da qualidade do ambiente, nomeadamente da água». Ou seja: onde há libelinhas a água é quase sempre de boa qualidade.

Aliás, sublinha, «o Algarve é muito interessante nesse aspeto». A distribuição de cada uma das espécies de libélulas e libelinhas está condicionada por parâmetros climáticos, como a temperatura do ar e da água, e ainda pela perenidade ou não dessa água: se se trata de cursos de água ou de lagoas permanentes ou temporárias, como charcos ou rios que secam no verão, e que são decisivos para condicionar a distribuição das espécies.

No trabalho de investigação que tem desenvolvido nos últimos anos sobre as Odonata, Nuno Loureiro foi à procura do que já tinha sido descoberto e publicado sobre o tema. E concluiu que há muito trabalho de investigação já feito sobre as alterações de distribuição das várias espécies ao longo dos últimos 30 a 40 anos em função do aquecimento global e que «há mesmo duas ou três espécies que poderão ter desaparecido do Algarve nestas últimas décadas».

Mas, «mais do que isso, temos o surgimento de algumas espécies que vêm do Norte de África», um fenómeno que o investigador atribui às alterações climáticas – nomeadamente ao aquecimento do Sul de Portugal.

«Nos últimos tempos, vários observadores e eu próprio identificámos espécies do Norte de África, nomeadamente de Marrocos, no Algarve, coisa que nunca tinha acontecido antes. É um fenómeno interessante e que não está ainda suficientemente caracterizado».

Ou seja, além de o Algarve ser das zonas de Portugal e da Europa com mais densidade de espécies observáveis, tem ainda a particularidade de ser uma região onde os interessados podem ver, quase ao mesmo tempo, espécies europeias e espécies norte-africanas. Para os cientistas são factos importantes, mas para os simples observadores também.

 

Guia fundamental para o Turismo de Natureza no Algarve

 

O Guia das Libélulas e Libelinhas (Odonata) do Algarve surgiu no âmbito do projeto iDescobrir, promovido por Nuno Loureiro, e que foi um dos finalistas do mais recente concurso de ideias do CRIA, a Divisão de Empreendedorismo e Transferência de Tecnologia da Universidade do Algarve.

Para já, o Guia está apenas editado em português, porque não há ainda dinheiro para o fazer em inglês e alemão. Mas o seu autor considera que isso não é, por agora, absolutamente fundamental, apesar de a maioria dos seus potenciais clientes e utilizadores até serem estrangeiros.

É que, explica, para um público minimamente conhecedor, a partir dos nomes científicos, da cartografia e das fotografias que compõem este Guia, o fundamental percebe-se. Para mais, porque o vocabulário técnico está em português e em inglês. «Mesmo quem não fala português, consegue usar grande parte da informação».

Nas suas andanças pelas ribeiras, charcos, lagoas e outras zonas húmidas do Algarve, Nuno Loureiro tem encontrado muitas pessoas a observar e a fotografar Odonata, em especial alemães e holandeses, mas também muitos espanhóis.

Por tudo isso, Nuno Loureiro considera que este é «um guia temático de turismo de natureza com um interesse inegável para o Algarve». É que, frisa, «hoje o Turismo de Natureza no Algarve está muito centrado nas aves, mas este é um produto que permite a diversificação da oferta, é uma mais valia para a região».

O Algarve tem algumas espécies interessantes de Odonata, algumas delas protegidas pela Diretiva Habitats, e «alguns colecionadores de fotografias vêm cá à procura de raridades», garante. «Uma vez encontrei um grupo de estrangeiros que tinha vindo à Quinta do Lago/Ludo de propósito para fotografar uma pequena população de uma espécie com uma distribuição muito limitada e que tem ali um núcleo».

Outra população de Odonata interessante e que desperta grande curiosidade entre os entusiastas é uma espécie de libelinha que só há em ambientes salobros, na periferia de salinas, e que pode ser encontrada na Reserva do Sapal de Castro Marim, junto ao Rio Guadiana. Nuno Loureiro já encontrou e fotografou também alguns exemplares dessa espécie na Lagoa dos Salgados, no litoral, entre os concelhos de Silves e Albufeira.

Da sua experiência de campo e da compilação de dados anteriores, Nuno Loureiro chegou à conclusão de que, nos últimos anos, no Algarve, as libélulas e libelinhas têm beneficiado de duas coisas: «a criação de charcos e pequenas barragens de combate aos incêndios na serra, que criaram inúmeros pequenos reservatórios de água e por isso muito mais pontos de água, diversificando os habitats», e ainda a instalação de campos de golfe, que «também têm dado uma ajuda, porque dispõem de lagos permanentes, criando novos habitats para uma série de espécies».

Ou seja, para os interessados nestes simpáticos insetos, as perspetivas no Algarve são muito boas, para mais agora que já têm à sua disposição um guia que sistematiza toda a informação disponível e pode ser descarregado de forma gratuita e fácil, para qualquer smartphone que se leva no bolso e consulta no meio do campo.

 

Investigação e recolha de dados continua

 

Mas o trabalho do investigador Nuno de Santos Loureiro não fica por aqui. E por isso, como revelou ao Sul Informação, «o próximo produto que vou disponibilizar ao público, também ligado às novas tecnologias de informação, é um Atlas das Libélulas e Libelinhas para ser consultado no Google Earth», um projeto que considera ser «imensamente inovador».

«Será uma forma de facultar uma base de dados muito detalhada que se consulta no Google Earth, tirando partido da informação disponibilizada nesse programa: vai-se fazendo zoom e vê-se o charco onde aquela espécie foi observada, todos os contornos, como chegar lá, etc», explica.

Nos próximos tempos, o projeto iDescobrir quer avançar em três vertentes: na investigação, nomeadamente sobre os novos habitats, as migrações, a mudança climática, e a importância dos Odonata como bioindicadores.

Depois, no desenvolvimento da componente do turismo, para «oferecer à região um produto novo e em permanente atualização para o Turismo de Natureza».

Finalmente, Nuno Loureiro pretende criar à volta do tema um conjunto de pessoas interessadas e de voluntários. Para isso, já deu palestras sobre Libélulas e Libelinhas no Centro de Ciência Viva de Lagos, deu um workshop em abril em Querença, no âmbito do Projeto Querença e, tendo em conta o interesse despertado, agora irá também dar um curso, novamente em Querença, nos dias 5 e 6 de maio.

«Da mesma forma que há os grupos de observadores de aves no Algarve, que colaboram com a SPEA [Sociedade para o Estudo das Aves], a ideia é ir criando um outro grupo à volta das libélulas e libelinhas, que identifiquem e recolham dados que enriqueçam a informação disponível», explica.

É que «para fazer a cartografia para o Atlas, é muito importante haver voluntários qualificados», acrescenta. Neste momento, o projeto já conta com três voluntários – Nelson Fonseca, João Tiago Tavares e Martin Hodges – mas na palestra de Lagos surgiu outro possível interessado, um jovem estudante.

 

Qual a diferença entre uma libélula e uma libelinha?

 

Libélula da espécie Trithemis annulata

As libélulas e libelinhas são insetos da ordem Odonata, que se dividem em duas Subordens: Zygoptera (libelinhas) e Anisoptera (libélulas).

As libelinhas são mais pequenas, mais delicadas e frágeis, e bastante mais dependentes da água. Quando estão pousadas, por norma têm as suas quatro asas fechadas e todas juntas sobre o abdómen. As libélulas são maiores, podem ser vistas longe da água e algumas são até espécies migradoras. Quando estão pousadas, ficam com as asas abertas.

«Há milhares e milhares de libélulas que fazem migrações, no Algarve. No ano de 2011, com os meses de Setembro e outubro muito secos que tivemos, houve milhões de libélulas na Costa Sudoeste», conta.

Assim sendo, o investigador coloca uma hipótese: «será que as libélulas fazem parte da “lancheira voadora” das aves de rapina na sua migração?». Uma hipótese que ainda não teve ocasião de testar, mas que gostaria de aprofundar, até estabelecendo parcerias com investigadores do Norte de África, de universidades de Marrocos e Argélia, nomeadamente.

Libelinha da espécie Calopteryx haemorrhoidalis

No Algarve, as libélulas e libelinhas sempre foram conhecidas pelo nome popular de «azeiteiro» ou mesmo mais vernáculo de «caga-azeite», talvez pelo brilho dourado que todas as espécies têm, independentemente da sua cor.

No Norte do país, pelo menos em Trás-os-Montes, a libelinhas são conhecidas como «tira-olhos».

Nomes vulgares portugueses bem menos poéticos que o termo inglês de «dragonfly» (dragão voador).

 

Guia completo e fácil de utilizar

 

O Guia «Libélulas e Libelinhas (Odonata) no Algarve» pode ser pedido via internet aqui e está otimizado para iPod, iPad e iPhone. Mas pode ser simplesmente descarregado como PDF que se lê em qualquer computador.

Além de informação detalhada e georreferenciada sobre cada espécie identificada na região, profusamente ilustrado com fotografias, o Guia inclui conselhos úteis para quem quer observar ou fotografar estes insetos, referências bibliográficas e ainda um Top 10 dos melhores locais para observar Odonata no Algarve.

Como resultado do trabalho de campo necessário para a elaboração deste Guia, o número de registos com observações de Odonata no Algarve foi duplicado, o que permite melhorar significativamente a cartografia da distribuição regional das 51 espécies.

Por outro lado, foram adicionadas seis novas espécies à checklist algarvia recente.

A profusão de fotografias que ilustra este ebook contribui igualmente para a sua fácil utilização, mesmo por públicos que não são, nem ambicionam vir a ser, experts no assunto. Ou seja, mesmo para quem não é especialista, só pela qualidade das fotos o Guia merece uma atenta vista de olhos.

E porque não experimentar uma visita a um dos 10 hot spots para ver libélulas e libelinhas no próximo fim de semana? Ou então inscreva-se no curso em Querença.

 

Nota: Todas as fotos são da autoria de Nuno de Santos Loureiro

 

 

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