Aquele que pode muito bem vir a ser o walkietalkie do século XXI está a nascer pelas mãos de um algarvio, que vive em Nova Iorque. A aplicação Roger, que está disponível para iOS e, em versão beta, para Android, promete revolucionar a forma de comunicar no telemóvel e já captou o investimento de um milhão de dólares de um dos homens fortes do Facebook.
Este é o novo projeto de Ricardo Vice Santos, um farense de 29 anos, que foi um dos impulsionadores do Spotify e que, no fim de um mau dia de trabalho a carregar malas no Aeroporto de Faro, decidiu mudar a sua vida. Desde então, nunca mais parou de ajudar a construir o Futuro.
Ricardo Vice Santos era um aluno do ensino secundário, que gostava de programar, na Escola Pinheiro e Rosa, em Faro. Este gosto – e talento – levou-o a vencer as Olímpiadas da Informática, em Portugal, tendo prosseguido os estudos no Instituto Superior Técnico, mas por pouco tempo.
«No primeiro ano que estive no Técnico, a Gulbenkian pagou um estágio em Londres e essa foi a primeira vez que andei de avião. No regresso, recebi a notícia que os meus pais se iam divorciar, fui obrigado a voltar a Faro, e fui carregar malas para o aeroporto. Trabalhava 12 horas por dia. Uma vez, perdi a boleia para o Aeroporto e fui a pé [Ricardo morava perto da Escola Pinheiro e Rosa]. Acabei por fazer o meu turno e o turno de um colega que faltou. No final do dia, ainda perdi o autocarro, e voltei a pé para casa, enquanto chorava. Pensei que se sobrevivia àquilo, sobrevivia a tudo!».
Ricardo estabeleceu um objetivo: «duplicar o ordenado todos os anos. Sempre que estagnava, mudava o emprego». O jovem deixou o aeroporto e voltou à informática. Começou pela Algardata, a arranjar computadores, depois Lisboa, depois Barcelona, depois Helsínquia, ou melhor Tampa, mas esta foi apenas uma “escala” para Estocolmo onde iniciou a colaboração com a Spotify.
«Em Barcelona, cheguei ao pé do meu chefe e pedi o dobro do salário, que não aceitou. Eu tinha uma oferta da Nokia, mas quando cheguei a Helsínquia tinha um e-mail a dizer que, afinal, ia trabalhar em Tampa, uma cidade no meio de nada. Não me agradou. Eu conhecia o Spotify e tinha-me candidatado, mas demoraram muito tempo a decidir. Por isso, liguei e perguntei: “se eu estiver em Estocolmo amanhã dão-me uma resposta?” Aceitaram. Paguei o voo de avião mais caro da minha vida, porque foi comprado de um dia para o outro e passei lá o 24º aniversário. Tive a entrevista mais longa da minha vida e foi assim que entrei para o Spotify».
Dentro da empresa, Ricardo Vice Santos teve uma carreira ascendente: começou como programador na Suécia mas, em 2011, foi para Nova Iorque, com dois colegas, para construir e liderar a equipa técnica. O que começou com três pessoas, atingiu as 500. Depois, deixou de programar e foi promovido a responsável de growth new markets – «uma mistura de analista, com negócios» – o que representava mais de 200 dias dentro de um avião por ano, para reuniões, apresentações, mais reuniões e mais apresentações. No fundo, Ricardo Vice Santos ajudou a lançar o Spotify um pouco por todo o mundo.
Um ritmo de vida intenso, que não permite perder tempo com nada. A título de exemplo, Ricardo Vice Santos revelou aos alunos da Escola Pinheiro e Rosa, na passada segunda-feira, que tem «22 camisas todas do mesmo modelo, mas de cores diferentes, e cinco calças, todas iguais».
Na sessão na sua antiga escola, foram muitas as perguntas a Ricardo Vice Santos. Uma das intervenções questionava qual seria o Futuro da tecnologia. «Não sou bom a prever o futuro, sou melhor a construí-lo», disse.
E é isso que Ricardo quer fazer com a aplicação Roger que lançou com Andreas Blixt, um dos companheiros que atravessou o Atlântico com ele para criar a equipa de desenvolvimento da Spotify, em Nova Iorque.
O Spotify ficou para trás há um ano e, em dezembro de 2015, foi disponibilizada a Roger. Os investidores apareceram, entre eles Chamath Palihapitya, um dos responsáveis pelo crescimento de utilizadores do Facebook, que tem uma Capital de Risco em Silicon Valley: a Social Capital. Desta “fonte”, chegou um milhão de dólares.
Deixar o Spotify não foi uma decisão fácil para Ricardo Vice Santos, mas ao Sul Informação, explicou as razões: «no mundo das empresas, há alturas certas para trabalhar em certas coisas e, nos últimos anos, sentia alguma frustração. Não era o Spotify, era eu. Toda a gente sonha que a sua empresa cresça como o Spotify cresceu, mas eu já tinha saudades do Spotify quando era mais pequeno. Foi difícil, tive que ir pedir ao “pai da noiva” para sair [Daniel Ek, fundador do Spotify], mas guardo as melhores relações, tenho ações na empresa, e só quero que vençam. Ainda falo bastante com o Daniel, é família», garante.
Roger já tem utilizadores em 63 países
Uma aplicação com um botão para falar, outro para ouvir. Uma conversa em jeito de walkietalkie adaptada à disponibilidade dos utilizadores, que podem ouvir a mensagem e dar a resposta quando houver tempo para tal. É um pouco isto, a Roger. Uma mistura entre sms e voz. Tudo isto num período temporal de 48 horas. Depois as mensagens são apagadas.
«É uma conversa ao longo do tempo. A casualidade e a espontaneidade e foi uma das coisas que achámos importante. Queríamos uma coisa que não fosse ensaiada, que não desse para editar. Se tiveres uma coisa que não é guardada, vais pensar menos nisso, tem menos downsides. Até posso vir a dizer as coisas erradas, mas torna tudo mais humano», explica Ricardo Vice Santos.
O novo projeto de Ricardo Vice Santos e Blixt já captou investidores e começa a captar também utilizadores. «Já temos utilizadores em 63 países diferentes. Nesta altura, interessa menos o volume total de utilizadores, interessa mais o impacto que conseguimos ter em quem utiliza a aplicação».
Uma das avaliações positivas que a Roger tem recebido vem da parte dos médicos:«recebi já um e-mail de um médico dos Estados Unidos que está a utilizá-lo com a equipa. Há leis que dizem que não se podem guardar dados dos pacientes durante mais do que determinado tempo, leis de proteção de dados, neste caso a comunicação pode ser feita pelo Roger, porque as mensagens só estão guardadas por 48 horas».
Além disso, «há pessoas cegas a usar, ou com dificuldades motoras, dada a simplicidade de utilização», concluiu Ricardo Vice Santos.