Há milhares de anos que o ser humano desvenda o universo através da luz visível. Com ela, aprendemos a ver o cosmos.
No século XVII, a partir do uso do telescópio por Galileu para observar o céu noturno (e não só), descobrimos que havia muito mais luz onde antes só havia breu. Com o progressivo desenvolvimento de melhores telescópios, os astrónomos foram vendo cada vez mais estrelas, descobrindo galáxias e outros astros. A contemplação do universo deslumbrava, mas o melhor ainda estava para vir.
Com a descoberta de diferentes gamas de radiação eletromagnética (infravermelho, ultravioleta, ondas de rádio, micro-ondas, raios X, raios gama), de que a luz visível é uma muito pequena parte, foi possível amplificar a nossa íris de observação do universo e descobriu-se o que antes não se conhecia, nem se pensava existir. O Universo é muito maior e antigo do que se julgava. Uma nova astronomia e cosmologia nasciam há cerca de cem anos.
Contudo, temos observado o universo “só” através da radiação eletromagnética que nos chega. E hoje sabemos que o Universo observável através desta radiação corresponde só a 4% daquilo que se estima constituir o Universo.
Por exemplo, a radiação eletromagnética parece não interagir com a matéria negra (que sabemos existir, mas não sabemos o que é!).
Mas esta matéria negra parece interagir graviticamente com os corpos com massa como as galáxias. Se a gravidade é importante para compreender o movimento dos corpos feitos com a mesma matéria que nos compõe, talvez ela nos traga alguma luz sobre aquilo que não podemos ver, como sejam os buracos negros.
É por aqui que a deteção de ondas gravitacionais, previstas teoricamente há precisamente cem anos por Einstein, pode permitir-nos dizer que poderemos estar na alvorada de uma nova jornada na nossa investigação sobre o universo em que existimos. E o mais deslumbrante é que é imprevisível o que ainda não conhecemos hoje. A surpresa mora no futuro.
Einstein previu que certos fenómenos não só deformariam o espaço-tempo, como dariam origem a ondulações, a ondas gravitacionais.
Assim como o choque de uma pedra com a superfície de um lago gera ondas que podemos sentir na margem, acontecimentos envolvendo grandes massas em movimento acelerado provocam ondulações que se propagam no espaço-tempo à velocidade da luz.
A teoria prevê que as ondas gravitacionais resultantes de fenómenos muito distantes da Terra sejam muito ténues.
Para a sua deteção direta, os cientistas necessitam de instrumentos muito sensíveis. Ao longo das últimas décadas, foram instalados, para esse efeito, quatro detetores baseados na interferometria de raios LASER: dois nos Estados Unidos (LIGO – Laser Interferometer Gravitational-Wave Observator), um na Alemanha (GEO600) e outro na Itália (VIRGO).
No dia 14 de Setembro de 2015, os dois detetores da experiência Advanced LIGO registaram quase em simultâneo, e pela primeira vez, um sinal concordante com a previsão teórica para uma onda gravitacional.
Esta deteção foi comunicada publicamente a 11 de Fevereiro deste ano e a sua notícia foi recebida em tom de festa e muita satisfação. Não só se tinha comprovado a previsão de Einstein, como se iniciava potencialmente uma nova era na astronomia. Contudo, logo muitas vozes disseram que seriam necessárias novas deteções para consolidar a fragilidade de uma única observação.
Agora, no passado dia 15 de Junho, foi publicado um artigo na revista Physical Review Letters, que anuncia que, às 3h38m de 26 de Dezembro, os dois detetores LIGO, em colaboração com o detetor VIRGO, detetaram, pela segunda vez, ondas gravitacionais.
Estas demoraram apenas 1,1 milissegundos entre os dois detetores (situados a 3000 km de distância entre Livingston e Hanford nos EUA) e foram geradas nas últimas 27 órbitas de dois buracos negros, antes de se fundirem, há cerca de 1400 milhões de anos.
Os buracos tinham 14 e oito vezes o tamanho da massa do Sol e resultaram num novo buraco negro com 21 vezes a massa solar. Durante a fusão, cerca de uma massa solar de energia foi convertida em ondas gravitacionais que agora foram sentidas na Terra.
É a confirmação de que somos capazes de detetar ondas gravitacionais, que os buracos negros existem e de muitos andam aos pares por esse Universo fora. Agora vemos, onde antes éramos cegos.
Autor: António Piedade
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva