Precisamos das palavras para viver. Elas são uma das essências do nosso pensamento, que faz de nós os seres humanos que somos. As palavras que usamos, e o modo como as usamos, dizem muito de quem nós somos.
Sabemos que é no cérebro que as palavras ganham os seus significados, é no cérebro que estão “guardadas” as memórias que a elas estão associadas. Mas onde moram as palavras no cérebro? Haverá algum local próprio para cada uma dos milhares de palavras que usamos? E palavras de línguas diferentes terão “moradas” distintas no cérebro?
Para melhor compreender como é que o cérebro processa palavras ouvidas, investigadores neurocientistas da Universidade da Califórnia, em Berkeley, nos Estados Unidos da América, usaram técnicas de imagiologia por ressonância magnética funcional (fMRI) para visualizar e mapear as regiões do cérebro de sete voluntários, enquanto estes ouviam, de olhos fechados, segmentos de mais de duas horas de uma história retirada do programa de rádio The Moth Radio Hour. Os cientistas selecionaram, neste estudo, um conjunto de 985 palavras, constituído maioritariamente por substantivos e verbos.
A imagiologia por ressonância magnética funcional mede as variações do fluxo sanguíneo (a que correspondem variações no consumo de oxigénio por parte das células neuronais) nas diferentes regiões do cérebro, o que é associado à ativação neuronal dessas zonas.
Com os milhares de dados obtidos foi gerado um atlas semântico que pode ser consultado aqui. Nele é possível identificar localizações específicas de diversas famílias de palavras em diferentes regiões cerebrais. Parece haver “moradas” para as palavras! E os investigadores verificaram que essas localizações eram surpreendentemente semelhantes em todos os sete indivíduos que participaram no estudo!
Usando os mapas obtidos, os investigadores desenvolveram um algoritmo matemático que lhes permitiu prever qual a resposta neural dos participantes no estudo, aquando da audição de outras histórias nunca antes ouvidas! Ou seja, a “morada” cerebral de cada uma das 985 palavras estudadas parece ser independente da história em que estão contextualizadas.
Ao contrário do que se esperava, tendo em conta anteriores dados e estudos clínicos de doentes com danos cerebrais, este estudo revelou que, tanto o hemisfério esquerdo, como o hemisfério direito do cérebro, estão envolvidos na atividade de atribuir significado às palavras.
Até agora, os cientistas associavam o processamento da linguagem ao hemisfério esquerdo, num processo chamado de lateralização. Mas, por outro lado, o que os cientistas observaram nestas experiências foi a audição e não a produção de linguagem.
Assim, estas duas atividades poderão possuir arquiteturas funcionais distintas no cérebro. Quando se está a avaliar a compreensão das palavras no cérebro, os resultados apontam para que os dois hemisférios trabalhem em conjunto.
Todo este estudo foi publicado na revista Nature da passada quinta-feira e é um ponto de partida, mais que um de chegada. Abrem-se com ele novas perspetivas de investigação e surgem novas questões ainda sem resposta, como é próprio da ciência.
Por exemplo, os autores deste estudo consideram importante ampliar o número de indivíduos a estudar e verificar se o atlas semântico agora obtido pode ser aplicado a pessoas de outras línguas e de outras culturas.
Quanto a aplicações, e pondo de lado a fácil especulação de desenvolver uma técnica para “ler” o pensamento, a equipa de cientistas antecipa futuras aplicações médicas: “um descodificador de linguagem pode ter um valor incalculável para indivíduos com problemas de comunicação, como na esclerose lateral amiotrófica e na síndrome do encarceramento”, diz Jack Gallant, o líder da equipa deste estudo.
Este é mais um passo experimental da moderna neurociência que nos diz também, com humildade, o quanto ainda não sabemos sobre o funcionamento do nosso cérebro.
Autor: António Piedade
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva