Entrevista a Teresa Firmino e Filomena Naves, jornalistas de ciência dos jornais Público e Diário de Notícias, respetivamente, a propósito do seu último livro de divulgação de ciências que acabam de publicar pela editora A Esfera dos Livros, e que se intitula “Por que Choramos Quando Cortamos uma Cebola?”.
António Piedade – Por que é que escreveram este livro agora?
Teresa Firmino– Partiu de um convite da editora, a Esfera dos Livros, que aceitámos como uma aventura divertida. A ideia era responder às perguntas do quotidiano que todos fazemos, mas depois acabamos por não procurar uma resposta. Algumas são interrogações sobre aspetos comuns do dia-a-dia, a começar pela razão de ser da agressão da cebola aos nossos olhos, das malaguetas picarem ou de os ovos não se colarem às frigideiras, ou pelo menos, a algumas delas. Outras não são tão banais, como o destino que vai ter o Universo, se há vida noutros planetas fora do sistema solar ou qual é o sítio mais fundo dos oceanos.
Filomena Naves– Este foi um desafio que a editora Esfera dos Livros nos lançou no ano passado. Pensámos que era uma bela ideia e aproveitámos para ir atrás da nossa própria curiosidade. Os nossos amigos, em algumas conversas bem animadas, também nos fizeram algumas boas sugestões.
AP – Para quem escreveram este livro e quem são essas “pessoas curiosas” a quem destinam o livro?
TF – Este livro é para o grande público, dos 9 aos 99 anos. Não é preciso saber muito de ciência para o ler, porque a linguagem é simples e fácil de entender. Quisemos espicaçar a curiosidade de toda a gente, respondendo às perguntas que nós ou os nossos amigos já fizeram alguma vez. É um livro de porquês. E, para lhes responder, recorremos às explicações dadas pelos cientistas. Mesmo para os mais pequenos, os pais, depois de lerem as respostas, podem explicar-lhes os muitos mistérios de que fala este livro de uma forma ainda mais simples.
Procuramos ainda que contasse histórias, algumas relacionadas com Portugal, o que foi uma maneira de tornar o livro diferente de outros e de o aproximar dos leitores portugueses. Também não é preciso lê-lo de uma ponta a outra. Pode saltar-se para as perguntas sobre as quais se tem mais curiosidade e as respostas são geralmente curtas.
FN – Este livro destina-se a um público alargado e a pessoas de quase todas as idades. Escrevêmo-lo de uma forma simples e acessível e, pensamos que interessante, justamente com o intuito de tornar apelativa a sua leitura e de despertar o interesse pela ciência e pelas questões que são objecto da sua busca.
AP – Que resposta ao vosso desafio esperam dos leitores?
TF – Que se divirtam a ler o livro e que, pelo caminho, se deixem cativar pela ciência e pelo que ela tem de maravilhoso e inspirador. Saber que pode haver vida noutras partes do Universo é inspirador, como saber que o nosso Sol vai morrer é uma forma de pôr tudo em perspetiva. A ciência procura desvendar os mistérios da natureza e as respostas que vai encontrando não diminuem em nada a beleza das coisas, pelo contrário. Essa procura constante do saber faz parte da essência do ser humano e a ciência molda-nos na forma como vemos o mundo e até fazemos escolhas pessoais, em aspetos tão simples como não abandonarmos a toma de um antibiótico a meio.
FN – Se as pessoas se interessarem, e se ele puder despertar mais curiosidade pelas coisas da ciência, isso será certamente uma boa resposta.
AP – O que é que presidiu à escolha dos seis territórios em que se desenvolvem o mesmo número de capítulos do vosso livro?
TF – Foi uma maneira de organizar todas as perguntas que tínhamos. Reparámos que podiam organizar-se em seis temas ou, como diz, em seis territórios. Um desses territórios remete para o que está por cima das nossas cabeças – o espaço e a astronomia –, outro para fenómenos no planeta Terra. Não esquecemos o território dos animais, nem o das mundanidades, nem das inquietações e dos mistérios sobre nós próprios. A fechar o livro estão os mitos e as curiosidades, começando pela ideia de que o tamanho dos pés pode indicar o dos pénis e terminando na lenda de que D. Afonso Henriques bateu na mãe.
FN – Decidimos logo no início que seria mais útil, mesmo em termos de facilidade de leitura, ter grandes áreas que permitissem aos leitores uma “navegação” mais imediata e simples do livro. Pensamos que as seis áreas acabam por abranger quase tudo: o universo e o espaço, a Terra nas suas várias dimensões, os seres vivos, o ser humano e as suas complexidades e também alguns mitos e curiosidades do dia-a-dia.
AP – Qual o critério que utilizaram na escolha das 130 perguntas?
TF – A escolha das perguntas resultou de muitas conversas entre nós as duas e também com os nossos amigos, a quem pedimos para dizerem o que gostariam de ver respondido. Procuramos que o livro fosse diversificado e assim chegámos a 129 perguntas sobre ciência, mais uma, a da cebola que se encontra no título.
FN – Conversámos com amigos e exercemos a nossa curiosidade, como já disse, mas procurámos também contar algumas histórias através destas perguntas. Algumas perguntas estão aqui porque as suas respostas se nos revelaram através de histórias fascinantes. A verdade é que a ciência e a busca científica estão cheias de histórias fantásticas.
AP – Este livro é uma extensão, um complemento, da vossa intensa atividade de jornalismo científico?
TF – Sem dúvida que este livro decorre da nossa atividade como jornalistas de ciência. Todos os dias, nos nossos jornais, eu no “Público” e a Filomena Naves no “Diário de Notícias”, escrevemos sobre as novidades científicas para os leitores. Procuramos descodificar a ciência e as descobertas que acabam de ser feitas, que muitas vezes são herméticas e áridas, utilizando uma linguagem compreensível e, sempre que possível, agradável de ler. Também é essa ponte entre a ciência e o leitor, neste caso para as curiosidades do dia-a-dia, que procurámos fazer no livro.
FN – Creio que sim. Em jornalismo, um dos critérios essenciais para publicar algo é o facto de esse algo ser notícia. Aqui não existe esse constrangimento, por assim dizer. O livro é portanto mais abrangente e, nesse sentido, pode dizer-se que é uma extensão da nossa atividade de jornalistas de ciência.
AP – Como classificam a produção de ciência e tecnologia em Portugal desde o 25 de Abril de 1974?
TF – Cresceu tremendamente. E não foi só a produção científica, também subiu o número de doutorados e a percentagem do produto interno bruto (PIB) gasto em ciência e desenvolvimento (I&D). A forma como se faz ciência no país também mudou desde o 25 de Abril. Era fechada ao resto do mundo, muitas vezes feita por um cientista sozinho e isolado, mas entretanto internacionalizou-se, com a adesão a organizações internacionais como o Laboratório Europeu de Física de Partículas (CERN) ou a Agência Espacial Europeia, e muitos jovens foram doutorar-se no estrangeiro.
Atualmente, a grande incógnita é se, com a crise e com menos dinheiro, vai ser possível manter, pelo menos, a produção científica e outros indicadores, como o PIB gasto em I&D.
FN – Um crescendo notável, que decorreu diretamente do investimento político e financeiro que foi feito nessa área e que hoje permite a Portugal ser parceiro científico em diferentes áreas a nível internacional. Esta, parece-me, é hoje uma ideia bastante consensual.
AP – Seria possível fazerem o mesmo exercício (o de escreverem um livro de divulgação de ciência que dá “voz” aos cientistas portugueses) quando começaram a vossa atividade de jornalistas de ciência?
TF – Parece-me que já teria sido possível, porque havia bons cientistas portugueses e eles tinham notícias e histórias para contar. Tornei-me jornalista nessa altura, em 1992, quase logo desde o início na área da ciência, e a diferença que notei ao longo destes anos é que agora há mais investigadores portugueses a publicar resultados em revistas científicas internacionais. Ou seja, os jornalistas têm mais investigações sobre as quais podem escrever. E os cientistas não só estão mais habituados a falar com os jornalistas, como querem divulgar o seu trabalho. Consideram que faz parte das suas funções comunicarem aos cidadãos o que fazem e uma forma de o fazerem é falando com os jornalistas.
FN – Comecei a trabalhar nesta área em 1986, no já extinto “Semanário”, justamente no momento em que se iniciou o crescimento da ctividade científica em Portugal. Nessa altura já havia alguns bons exemplos de cientistas e grupos científicos a trabalhar no país, e eu andei justamente à procura deles, para poder relatar os seus trabalhos, mas não teria sido possível escrever na época um livro assim, com tantas “vozes” de cientistas portugueses.
Título: Por que choramos quando cortamos uma cebola?
Autores: Teresa Firmino e Filomena Naves
Editora: A Esfera dos Livros
Coleção: Fora de Coleção
Nr de páginas: 264
ISBN:978-989-626-397-3
Data: Julho de 2012
http://www.esferadoslivros.pt/livros.php?id_li=316
Autor da entrevista: António Piedade
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva