Uma equipa internacional, que inclui dois astrónomos do Centro de Astrofísica da Universidade do Porto, observou 100 galáxias próximas com uma resolução nunca antes alcançada.
A equipa do projeto CALIFA (Calar Alto Legacy Integral Field spectroscopy Area survey) acabou de disponibilizar os dados da observação dos espectros de 100 galáxias próximas, de diferentes massas e morfologias.
Estes dados, obtidos através de IFS (Integral Field Spectroscopy, ou espectroscopia de campo integral), têm uma resolução espacial (4) sem precedentes, permitindo traçar a história da formação estelar nas diferentes zonas das galáxias.
Para o astrónomo do CAUP e membro da equipa Polychronis Papaderos, “o CALIFA é uma colaboração internacional de alto impacto, que irá revolucionar a nossa compreensão acerca da formação e evolução de galáxias”.
Para tal, a equipa observa o espectro das galáxias, uma das mais importantes ferramentas disponíveis para os astrónomos. No entanto, geralmente só é possível medir o espectro da totalidade da galáxia, pois, devido à distância, não é possível distinguir partes individuais. Desta maneira, só se pode descrever a galáxia na generalidade. De forma análoga, seria como descrever uma cidade dizendo que é feita apenas de prédios.
Recentemente começaram a ser desenvolvidos instrumentos que, através da técnica conhecida por IFS, permitem observar o espectro de regiões individuais de galáxias. Mas uma das principais dificuldades em usar esta técnica é que a análise dos dados é bastante complexa e demorada. Para resolver o problema, os astrónomos do CAUP Jean Michel Gomes e Polychronis Papaderos desenvolveram uma pipeline (6) que permite analisar estes dados de forma eficiente.
Para Gomes, “a nossa pipeline, de alta performance computacional, necessita de muitas horas de trabalho para conseguir extrair as informações astrofísicas mais relevantes, como por exemplo, o movimento do gás e das estrelas.”
Entre as conclusões mais importantes está a confirmação que muitas galáxias elíticas possuem gás ionizado em toda a sua extensão. Durante muito tempo, os astrónomos pensavam que estas eram galáxias “mortas”, só com gás ionizado no núcleo.
No entanto, a existência de gás em toda a extensão, neste tipo de galáxias, foi confirmada precisamente através da deteção de riscas caraterísticas, mas muito ténues, nos espectros obtidos pelo CALIFA. As observações da equipa serão agora fundamentais para esclarecer a origem desse gás e qual a fonte de energia para a sua ionização.
O objetivo final do consórcio é conseguir observações detalhadas de 600 galáxias do Universo próximo.
Autor: Ricardo Cardoso Reis (CAUP)
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva
Créditos das Imagens: a) P. Papaderos; b) J.M. Gomes, P. Papaderos, J.M. Vílchez, C. Kehrig/CALIFA.
Notas:
1. O Centro de Astrofísica da Universidade do Porto (CAUP) foi criado em maio de 1989 e iniciou as atividades em outubro de 1990. É uma associação científica e técnica privada da Universidade do Porto, sem fins lucrativos e reconhecida de utilidade pública. Inscreve entre os seus objetivos apoiar e promover a Astronomia através da investigação científica, da formação ao nível pós-graduado e universitário, do ensino da Astronomia ao nível não universitário (básico e secundário) e da divulgação da ciência e promoção da cultura científica.
É o maior instituto de investigação em Astronomia em Portugal, com mais de 60 pessoas. Desde 2000 que é avaliado como “Excelente” por painéis internacionais, organizados pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT).
2. O consórcio CALIFA é formado pelas seguintes instituições: Astrophysical Institute, Academy of Sciences of the Czech Republic, República Checa; Australian Astronomical Observatory, Australia; Centro Astronómico Hispano Alemán, Espanha; Centro de Astrofísica da Universidade do Porto, Portugal; Institut d’Astrophysique de Paris, França; Instituto de Astrofisica de Andalucia, Espanha; Instituto de Astrofisica de Canarias, Espanha; Instituto de Física de Cantabria, Espanha; Laboratoire d’Astrophysique de Marseille, França; Leibniz Institut für Astrophysik, Potsdam, Alemanha; Max-Planck Institute for Astronomy, Alemanha; Observatoire de Paris, França; Peking University – Kavli Institute for Astronomy and Astrophysics, China; Royal Military College of Canada, Canada; Tianjin Normal University, China; Universidade Autónoma de Madrid, Espanha; Universidade de Complutense de Madrid, Espanha; Universidade de Granada, Espanha; Universidade de Zaragoza, Espanha; Universidade de Bochum, Alemanha; Universidade de Cambridge, Reino Unido; Universidade de Copenhaga – Dark Cosmology Centre, Dinamarca; Universidade de Edimburgo, Reino Unido; Universidade de Groningen – Kapteyn Astronomical Institute, Holanda; Universidade de Heidelberg – Landessternwarte Königstuhl, Alemanha; Universidade de Lisboa, Portugal; Universidade de Missouri-Kansas City, EUA; Universidade de Sidney, Austrália; Universidade de Viena, Áustria.
3. O artigo “CALIFA, the Calar Alto Legacy Integral Field Area survey: II. First public data release” foi submetido para publicação na revista Astronomy & Astrophysics.
4. A resolução espacial é o limite a partir do qual um instrumento consegue distinguir separadamente duas linhas diferentes, ou o tamanho do mais pequeno detalhe que pode ser medido com esse instrumento. Como exemplo, a resolução espacial de um monitor de computador é de 72 linhas por polegada, enquanto de uma revista impressa é de 300 linhas por polegada.
5. Um espectro resulta da decomposição da radiação eletromagnética (em sentido lato, a “luz”) emitida por um objeto, nas várias frequências (ou cores) que a constituem. Os espectros apresentam riscas, que funcionam como a “impressão digital” dos elementos que compõem o objeto observado. A mais conhecida manifestação deste fenómeno é a decomposição da luz branca do Sol nas suas cores constituintes, para formar o arco-íris.
6. Uma pipeline é um conjunto de programas informáticos que funcionam de forma automática, à semelhança de uma linha de montagem de uma fábrica. Numa linha de montagem entram as peças, que são montadas de forma automática, com o produto a sair totalmente montado no final da linha. De forma análoga, a pipeline recebe os dados em bruto do telescópio, estes passam por uma série de análises automáticas, e chegam aos astrónomos prontos para serem analisados.