A rebentação, que na praia e num ritmo constante nos diverte o olhar e o ouvido, é o morrer mais ou menos espetacular da ondulação marítima. Agitação da camada superficial das águas de uma determinada área do mar (área de geração) soprada pelo vento, a ondulação transporta quase toda essa energia, sob a forma de ondas ou vagas, a caminho dos litorais, consumindo-a aí, quer na rebentação, quer nas correntes litorais a que dá origem.
Ao aproximar-se de terra, e à medida que a profundidade se reduz, a crista da onda torna-se, progressivamente, assimétrica, tombando para a frente até rebentar. Em tempo normal, a ondulação no nosso litoral pode ir até 1 a 2 metros de altura mas, durante os temporais, chega a atingir 10 metros ou mais.
A altura e a frequência das ondas, entre outras características, dependem da intensidade do vento, da duração da sua incidência e da extensão, em comprimento, da região do mar soprada pelo vento. Com poucas perdas durante a propagação, as vagas atingem os litorais, exercendo aí, sobretudo, erosão e transporte.
As vagas transmitem até ao litoral a energia que dele recebem e têm a sua ação erosiva grandemente potenciada pelo efeito abrasivo dos blocos, seixos e areias que põe em movimento.
Em resultado desta ação, formam-se os litorais de erosão, ou catamórficos, caracterizados por arribas, ou falésias (galicismo por adaptação do termo francês falaise) alcantiladas, que recuam à medida que aumenta a plataforma litoral, também conhecida por plataforma de abrasão marinha.
Do recuo do litoral por via desta erosão restam, como testemunhos, promontórios ou cabos escarpados, como os de São Vicente, Sagres, Roca e Carvoeiro. Muitas vezes estes cabos são prolongados mar adentro por pontuações igualmente rochosas (ilhéus, baixios, escolhos, abrolhos, calhaus, pedras, etc., nos diversos modos de dizer locais), com destaque para a conhecida e elegante Nau dos Corvos, no Carvoeiro.
No litoral de acumulação, ou anamórfico, é o mar que recua. Têm aqui lugar a praia e, quase sempre, as dunas. Na sequência desta regressão do mar, a arriba fica liberta da erosão das vagas, passando a evoluir em ambiente subaéreo até adquirir um perfil de equilíbrio ditado pela sua natureza e pelas condições climáticas ambientais.
Facilmente reconhecíveis na paisagem litoral, estes testemunhos de antigos litorais são considerados arribas fósseis. Entre a Costa de Caparica e a Lagoa de Albufeira desenha-se uma destas relíquias (classificada como Paisagem Protegida, Dec. Lei n.º 168/84, de 22 de Maio), razoavelmente preservada.
Para geólogos e geógrafos, a praia é, na maior parte dos casos, uma acumulação instável de areia e algumas vezes de cascalho, seixos ou calhaus, três modos de referir os clastos mais grosseiros, no geral arredondados pela abrasão.
Representa um ambiente onde o binómio erosão-sedimentação se caracteriza por grande instabilidade, com implicação quase imediata na morfologia (configuração). Qualquer modificação natural ou artificial introduzida na morfologia da praia ou no seu conteúdo sedimentar (areias e, eventualmente, cascalho) tem reflexos no balanço erosão-sedimentação.
O litoral de acumulação compreende um domínio submarino e outro subaéreo. A praia imersa, que se descobre na baixa-mar durante as marés vivas, corresponde ao domínio sublitoral.
Neste domínio, o perfil do fundo mostra, do mar para a terra, um talude, bancos de rebentação e uma faixa ou rampa de espraio ou espalho e de ressaca ou recuo da onda.
Para o largo, segue-se o domínio circalitoral, na transição para a plataforma continental (offshore) onde só a ondulação de tempestade tem efeito dinâmico sobre o fundo.
A praia emersa corresponde ao domínio supralitoral, só invadido por altura das marés vivas e durante as tempestades. É o domínio das dunas, dos salgados ou das marismas.
Quando a vaga incide obliquamente à linha da praia, a areia retirada e reposta pelo vaivém das ondas (o espalho e o subsequente recuo) vai migrando, em ziguezague, numa trajetória serreada, com uma resultante paralela à linha de costa, no sentido que as condições locais ditarem. Esta migração, referida entre os profissionais por deriva litoral, é conhecida entre as nossas gentes do mar por “corredoira”.
Na costa portuguesa, no litoral arenoso entre Espinho e o Cabo Mondego, atingido por ondulação maioritariamente do quadrante NW, a deriva tem o sentido N-S e é da ordem de grandeza de um a dois milhões de metros cúbicos de areia por ano (1 a 2.106 m3/a).
Na costa algarvia, esta cifra é bem menor, dez a cem vezes inferior, sendo aí W-E o sentido da deriva. O cabedelo da foz do Douro e a restinga de Tróia, por exemplo, têm orientação meridiana e apontam para Norte, em consequência do sentido N-S da deriva que aí se faz sentir.
Quando a ondulação se aproxima perpendicularmente ao litoral, formam-se correntes de retorno ou “agueiros”, que deslocam os sedimentos para o largo (impedindo a citada deriva), espalhando-os na plataforma continental e/ou permitindo-lhes o escape para os grandes fundos, através dos canhões submarinos.
No caso das praias assim expostas à vaga, a linha do litoral é uma sucessão de reentrâncias, em forma de crescente, com a parte côncava virada ao mar. Sempre que a linha de rebentação é paralela à costa, não há, praticamente, deriva. As correntes nestas praias afastam-se do litoral, pelo que constituem grande perigo para os banhistas.
Uma praia pode manter-se, crescer, recuar ou ser totalmente varrida pelo mar, consoante o balanço que aí se estabelecer entre a erosão e a sedimentação.
Nestes termos, uma praia minimamente estabilizada indica uma situação de equilíbrio entre a quantidade de sedimentos que recebe de terra (das arribas ou através dos rios) ou do mar (através das ondas e da deriva litoral) e a que lhe é retirada pelo mesmo mar.
Com a progressiva construção de barragens hidroeléctricas nos principais rios, durante o século XX, o litoral ocidental de Portugal, à semelhança de muitos outros, foi sendo privado da sua principal fonte de sedimentos terrígenos.
O Douro, antes da implantação das suas barragens, debitava no mar uma carga sólida da ordem de 13×10^6 m3/ano. Após a construção da barragem de Crestuma, este valor caiu para cerca de 25×10^4 m3/ano, isto é, 2% do caudal sólido inicial.
O litoral arenoso comporta-se, pois, como um “rio de areia” que corre ao longo da costa, mais ou menos veloz, transportando maior ou menor carga sólida.
Com uma parte emersa (praia emersa) e outra submersa (praia submersa), o litoral arenoso mantém-se enquanto os sedimentos, que recebe de “montante”, compensarem os que perde para “jusante” e para o largo.
Esta mobilidade conduz a perfis transversais de Verão (perfil de acalmia ou de calmaria), com declive mínimo, diferentes dos de Inverno (perfil de temporal), de mais alta energia, mais abruptos e com roturas de declive. A granulometria dos depósitos de praia varia, igualmente, com a energia disponível.
Assim, em condições de acalmia, ao muito pouco declive da face da praia associam-se as areias mais finas. Pelo contrário, o aumento de energia subtrai-lhe os detritos mais finos, deixando os mais grosseiros (areão e cascalho), uma situação compatível com maiores declives da face da praia.
Em consequência do constante e ininterrupto vaivém da vaga na praia e de todo o transporte sofrido, as areias (essencialmente de quartzo no nosso litoral) adquirem muito boa calibragem e os seus grãos ficam mais ou menos boleados. Do mesmo modo, os calhaus ou seixos de todos os calibres exibem acentuado grau de arredondamento.
Autor: A.M. Galopim de Carvalho
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