O Aeroporto de Faro foi finalmente inaugurado a 11 de Julho de 1965, pelo Presidente da República Américo Tomás. Mas não foi só esta infraestrutura a ser inaugurada nesse dia: também a estrada de acesso, entre a EN125 e o Aeroporto, foi aberta ao público.
A imprensa da época deu amplo destaque à inauguração do Aeroporto de Faro, bem como aos três dias de visita presidencial, que o Almirante Américo Tomás fez à região.
Fonte primordial de informação sobre aqueles dias, a reportagem dos jornais sofre, todavia, com a censura que limitava a sua ação e ocultava a realidade dos acontecimentos, deturpando-os. Pese embora esta contrariedade, as reportagens de então permitem-nos hoje, à distância de meio século, vivenciar aqueles dias.
Apoiados nas edições do “Diário de Notícias”, de “O Século” e do “Diário de Lisboa”, bem como dos semanários “O Algarve” e “Jornal do Algarve”, propomo-nos, desta forma, viajar ao Algarve de há 50 anos.
O dia 11 de julho de 1965 amanheceu festivo na região. O presidente da República Almirante Américo Tomás, acompanhado pela esposa, D. Gertrudes Tomás, e da filha D. Maria Natália, deixou a Pousada de São Brás de Alportel, onde se alojara de véspera, pelas 9h30 da manhã em direção a Faro.
Envergando a farda branca de almirante, o Chefe de Estado atravessou a vila de São Brás a pé onde foi saudado pelas entidades locais e população, que à sua passagem lançavam papelinhos multicolores e pétalas.
A Avenida e Largo de São Sebastião encontravam-se “engalanados com colgaduras e colchas que pendiam das janelas e varandas”. Segundo “O Século”, a vila tinha um “aspecto alegre dos seus grandes dias”.
Os bombeiros locais formaram a guarda de honra e uma banda de música executou o hino nacional, “inclinando-se, em continência, os estandartes das colectividades”.
O séquito presidencial partiu então para Faro. Na Pontinha, então à entrada da cidade, onde se concentravam algumas centenas de pessoas, o Presidente tomou lugar num carro aberto, continuando o trajeto pela rua de Santo António até ao Arco da Vila.
As ruas encontravam-se ornamentadas com colchas e colgaduras, bandeiras e galhardetes, e à sua passagem o público lançava flores e papelinhos coloridos.
Feita a receção pelas entidades locais no Arco da Vila, e entregues ao Chefe de Estado as chaves da cidade pelo presidente da Câmara, Major Vieira Branco, a comitiva seguiu a pé até à Câmara Municipal.
Esta encontrava-se, segundo o “Diário de Lisboa”, “vistosamente engalanada”. Centenas de pessoas aguardavam no Largo da Sé, coberto de um viçoso tapete de junco e macela, o ilustre visitante.
Passada revista à guarda de honra, formada pelos bombeiros voluntários e municipais de Faro, o Chefe de Estado descerrou, a meio da escadaria que conduz ao andar nobre dos Paços do Concelho, uma lápide alusiva à visita, junto a uma outra ali colocada, aquando a visita do General Carmona, em 1932.
O presidente da Câmara deu as boas vindas, em sessão solene. No seu discurso referiu que “a visita de V. Exa. a esta cidade tem, além desta linha norteadora geral, o fim de inaugurar o maior melhoramento jamais levado a efeito na província. Não sou a pessoa indicada para em nome dela vo-lo agradecer, mas o facto do aeroporto se situar na área do concelho de Faro, embora largamente o transcendendo, faz com que não possa calar os agradecimentos de toda a população”.
Seguiu-se o discurso do Almirante Américo Tomás, na forma prosaica que o caracterizava, tendo, a determinada altura, felicitado o Algarve “por esse grande melhoramento, que não é apenas um melhoramento do Algarve, porque é um melhoramento de todo o país. Todos os habitantes desta região estão hoje contentes e não só elas devem estar contentes.”
Terminada a sessão, o Presidente da República e demais comitiva dirigiram-se para a Sé, onde assistiram à homilia celebrada pelo Bispo do Algarve, D. Francisco Rendeiro, acolitado pelo pároco da Sé, Dr. Henrique Ferreira da Silva.
Findo o ofício religioso, a comitiva convergiu para as Pontes de Marchil, onde cerca do meio dia, e na confluência com a EN125, o Almirante Américo Tomás inaugurou a nova estrada para o aeroporto.
Esta encontrava-se ladeada no troço inicial por um numeroso e bem apetrechado grupo de cantoneiros.
A infraestrutura, orçada em 5 mil contos, dispunha de uma plataforma de 11 metros e uma extensão de 8 quilómetros até à Praia de Faro.
O séquito seguiu então para o aeroporto. Junto das vedações do recinto, e “atraídas pela consumação de um melhoramento que marcava sem dúvida, a realização de uma das mais fortes aspirações de toda a província encontravam-se milhares de pessoas, que exteriorizavam sem rebuço a mais viva satisfação pela conclusão da obra e pela presença honrosa do Chefe da Nação”, nas palavras de “O Século”.
Ali, aguardavam o Almirante Américo Tomás o diretor do aeroporto, Manuel Torres de Mendonça Alexandrino, bem como o ministro das Comunicações, Eng. Carlos Ribeiro, e o diretor geral da Aeronáutica Civil, Eng. Vítor Veres. Estes últimos deslocaram-se para o Algarve já de avião, um Dakota especial, que aterrou em Faro cerca das 11 horas daquela manhã.
A norte da pista principal, um batalhão a três companhias, constituído por instruendos do Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Tavira, com bandeira, banda e fanfarra, sob o comando do Sr. Major Alcobia Cirne, fazia a guarda de honra ao Presidente da República que, depois de executado o hino nacional, passou revista à formatura.
Seguiu-se o desfile em continência, perante o Chefe de Estado, que tomou lugar num pequeno palanque, acompanhado pelo ministro do Exército e comandante da 3ª Região Militar.
Eram 12h30 quando, na pista, aterrou o avião Super-Consttelation, da TAP, “Infante D. Henrique”, que desde Lisboa transportou 84 convidados, entre os quais o ministro das Comunicações da República Federal Alemã (RFA), Hans-Christoph Seebohm.
Pouco depois chegavam várias avionetas, de diversos aeroclubes do país, associando-se, desta forma, ao ato festivo.
Prestados os cumprimentos ao Presidente da República pelas individualidades que desembarcaram, realizou-se junto à torre de comando, a cerimónia de bênção das instalações, pelo bispo D. Francisco Rendeiro, que a propósito referiu: “o Algarve sonhou largos anos com este melhoramento, e, ultimamente viu nele o meio de se erguer ao nível de zona de turismo internacional. Hoje viu essa alegria e espera, confiadamente, que ela se há-de traduzir na realidade futura sonhada nos últimos tempos”.
Num pavilhão armado ao ar livre, também junto à torre, realizou-se a sessão solene. Aberta a sessão, o Chefe de Estado procedeu à entrega da Grã-cruz da Ordem do Infante D. Henrique ao ministro das Comunicações da RFA, como reconhecimento pelo apoio prestado na construção de vários aeroportos portugueses.
O ministro agradeceu, lembrando, de acordo com o «Diário de Notícias», que “este aeroporto será importante para o estreitamento das nossas relações, através da vinda de turistas alemães para conhecerem esta linda província e apreciar as elevadas qualidades da hospitalidade portuguesa”.
Seguiram-se os discursos, tendo principiado o diretor geral da Aeronáutica Civil, que referiu a importância do aeroporto como elemento fundamental na ligação aérea de todas as parcelas do território, bem como, a utilização na obra de técnica, mão de obra e materiais portugueses, à exceção de certos equipamentos especializados.
Sucedeu-lhe o governador civil de Faro, Dr. Romão Duarte, que lembrou as condições naturais da região: “desde a mansidão das águas e os areais dourados das suas praias à verde frescura das encostas da serra de Monchique – ficam, de hoje para o futuro, com mais fácil acesso, o que nos permite admitir que o afluxo de visitantes se torne cada vez mais intenso”.
Por sua vez, o ministro das Comunicações disse, a determinada altura, que, “de hoje em diante, esta bela província que forma a renda de praias do continente, que possui um enorme potencial de riquezas, de atractivos e de costumes, cujo povo tem qualidades inatas de trabalho e de iniciativa dispõe de um decisivo elemento para o seu progresso e para a valorização do seu turismo. Os aviões dos T.A.P. vão passar desde já a escalar Faro três vezes por semana e mais vezes virão aqui quando as necessidades do tráfego o determinarem”.
Por último, dissertou o Chefe de Estado, que, num discurso usual, lembrou a importância desta inauguração para o distrito e para Portugal.
O presidente condecorou então oito individualidades, ligadas à aeronáutica e ao Aeroporto de Faro, entre as quais Vítor Manuel da Silva Ribeiro, sócio gerente da empresa Alves Ribeiro, construtora do aeroporto.
Terminada a sessão, e nos tempos em que ainda não havia as fortes medidas de segurança dos dias de hoje, a comitiva visitou a torre de comando, dirigindo-se depois para o edifício central, onde o Almirante Américo Tomás descerrou uma lápide comemorativa da inauguração.
No andar superior, foi servido um almoço volante aos convidados, confecionado pela Estalagem de S. Cristóvão, de Lagos.
Findo o repasto, o Chefe de Estado deslocou-se para a Pousada de São Brás, de onde saiu ao fim do dia para visitar os museus Marítimo Ramalho Ortigão e Etnográfico da Junta Distrital de Faro, a que se seguiu um banquete oferecido pelo governador civil, no edifício dos Paços da Concelho. Às 16h00 o avião “Infante D. Henrique” deixava Faro e regressava a Lisboa.
O Aeroporto do Algarve estava inaugurado e em funcionamento, com um quadro de pessoal de cerca de 100 funcionários.
No ano anterior, o Almirante Américo Tomás inaugurara o aeroporto do Funchal e em 1960 havia sido a vez do de Porto Santo. Nos anos seguintes, seriam inaugurados o de São Miguel (1969) e o da Horta (1971). Se Faro não teve primazia, também não foi o derradeiro.
Inaugurado o Aeroporto, a visita presidencial prosseguiu, e com ela o Algarve abria as primeiras páginas dos jornais, por mais dois dias.
No dia seguinte, o Presidente percorria o Sotavento, com a inauguração do abastecimento de água e da energia elétrica a Alcoutim (a última sede de concelho do país a dispor de eletricidade), bem como do posto clínico de Vila Real de Santo António, e ainda a passagem por Castro Marim, Tavira e Olhão.
No dia 13, Américo Tomás visitava Loulé, Armação de Pera e Silves e inaugurava em Lagoa a conclusão do fornecimento de água, ao setor sul do concelho (Sesmarias), e o Liceu em Portimão, com uma capacidade para 1200 alunos.
A visita terminou com um banquete no novíssimo Hotel Sol e Mar, em Albufeira, a que se seguiu, nas palavras do “Jornal do Algarve”, uma “deslumbrante sessão de fogo de artifício na baía”.
Na manhã seguinte, o Almirante Américo Tomás, após pernoitar na Pousada de São Brás de Alportel, viajou também de carro para Lisboa.
A imprensa, a que não era alheia a omnipresente censura, descreveu a visita como uma jornada triunfal e de aclamação ao regime de Salazar, a que os algarvios se associaram, como evidenciam as fotografias publicadas nos jornais.
Outros melhoramentos e outras visitas se seguiriam nos anos seguintes, mas nenhuma outra infraestrutura, inaugurada por aqueles tempos, foi tão estruturante para a região como o Aeroporto.
Uma nova página na história da região estava agora aberta. Um ano depois, o aeroporto contabilizava já cerca de 59 000 passageiros, número que tem subido continuamente, ultrapassando os 6 milhões em 2014, com passageiros oriundos principalmente do Reino Unido, Alemanha e Irlanda.
Os prognósticos dos oradores da cerimónia inaugural cumpriram-se na íntegra. O turismo, que já então despontava, tornou-se o motor económico da região, e é inquestionável a riqueza que ele trouxe ao Algarve e aos algarvios em geral, habituados a uma outra realidade, materializada na expressão “as passinhas do Algarve”.
Bibliografia
Jornal “O Século”, 11 a 15 de julho de 1965
Jornal “Diário de Notícias”, 12 a 14 julho de 1965
Jornal “Diário de Lisboa”, 10 a 13 julho de 1965
Jornal “O Algarve”, 18 e 25 de julho de 1965
“Jornal do Algarve”, 03, 10 e 17 julho de 1965
Fotografias
– Inauguração do aeroporto: http://restosdecoleccao.blogspot.pt/
– Algarve em 1965: COSTA, Jorge Felner; Algarve, Colecção Turismo n.º 13, Lisboa, 1965
Autor: Aurélio Nuno Cabrita é engenheiro de ambiente e investigador de História Local e Regional
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