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Há quem diga que, depois de apanharmos o “bichinho” da arqueologia, ele (qual carrapato!) não nos larga para o resto da vida. Na minha infância, esse bichinho passou pelo Indiana Jones a salvar a Arca da Aliança, empunhando um chicote cheio de estilo que estalava na direção dos lazarentos nazis dos anos 30. Mal sabia eu que a arqueologia envolve muito mais que as aceleradas aventuras descritas pelos livros ou vistas no grande ecrã.

Existem aqueles que, como eu, mais tarde se deixam seduzir pelo trabalho coca-bichinhos no campo e pelas emoções de descobrir vestígios antigos que respondem ao que é ser humano. Ou pelas complexas análises de laboratório, onde juntamos as mais diversas peças e tentamos decifrar estranhos códigos do passado. Outros, porém, mantêm-se fora da profissão, alimentando um saudável interesse, menos oficial mas mais prazenteiro, por aquilo que chamamos de “coisas do passado”.

Lembram-se daqueles livros da Agatha Christie com títulos sugestivos como “Assassínio na Mesopotâmia” ou “Morte no Nilo”? (Em Portugal, estiveram em moda nos anos 80 aquando da publicação dos volumes duplos da coleção Vampiro Gigante.) Sabiam que muitos têm um cenário arqueológico? Isto porque Mrs. Christie, graças ao seu segundo matrimónio, foi também Mrs. Mallowan.

Agatha Miller casou pela primeira vez, em 1914, com Archibald Christie. Durante a Grande Guerra trabalhou como enfermeira e, segundo consta, dessa experiência resultaram os seus mistérios que envolvem venenos.

Capa da primeira publicação da “Morte no Nilo” (1938, Collins Crime Club)

Em 1926, o casamento teve um fim conturbado, doloroso ao ponto de levar ao desaparecimento durante 11 dias da já célebre escritora, o que causou grande escândalo. Um turbilhão de rumores: Agatha havia tentado o suicídio! Tratara-se de um golpe publicitário para promoção do seu último livro! Ou, melhor ainda, uma tentativa sinistra de incriminar o marido na sua hipotética morte.

Alguns anos mais tarde, após o divórcio, foi convidada pelo arqueólogo britânico Leonard Woolley a visitar a Mesopotâmia, onde ele dirigia as escavações de Ur. Essa viagem foi balsâmica pois nela conheceu Max Mallowan, o jovem assistente de Woolley, com quem viria a casar em 1930.

E assim entra a arqueologia na vida de Agatha Christie. Durante as décadas seguintes, viajou pelos desertos do Médio Oriente em missões arqueológicas, onde investigou civilizações antigas, limpou e restaurou peças e fotografou ruínas. Sem ser uma profissional, tornou-se, nessa altura, numa das mulheres mais informadas sobre o trabalho de campo arqueológico porque nele participava entusiasticamente.

Essa experiência e paixão pela arqueologia foram também (e tão bem) aproveitadas nos seus mistérios. As escavações em Ur serviram de cenário ao “Assassínio na Mesopotâmia”, um livro que dedicou aos seus “muitos amigos no Iraque e na Síria”. “Morte entre as Ruínas” baseou-se nas visitas da escritora à cidade arqueológica de Petra, na Jordânia.

O barco SS Karnak, utilizado na navegação do Nilo, é essencial no argumento da “Morte no Nilo”. E no “Encontro em Bagdade” a jovem turista Victoria Jones, no meio de uma intriga política internacional, acaba por se envolver com um arqueólogo. Neste livro até se descreve o quotidiano de uma escavação arqueológica.

Como vêm, o bichinho da arqueologia ataca os mais desprevenidos. Em especial aqueles que têm nos seus genes grande dose de curiosidade e gosto pela resolução de mistérios… presentes ou passados.

Entretanto, acho que vou ali à biblioteca. Escolho um Poirot ou uma Miss Marple?

Max Mallowan, Agatha Christie e Leonard Wooley em Ur, em 1931

 

Texto de: Maria João Valente

Nascida em Lisboa, mudou-se há mais de dez anos para o Algarve. Arqueóloga de profissão e paixão, é investigadora e professora na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade do Algarve. Leciona nos cursos de Arqueologia (licenciatura, mestrado e doutoramento) e Património Cultural (licenciatura) e as suas áreas de especialização são a zooarqueologia e a pré-história.
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