No Palácio das Varandas, já não moram os «guerreiros ferozes como leões», nem sequer as «mulheres de ancas opulentas e talhe delicado» cantados por Al-Mutamid (1068-1091) na sua «Evocação de Silves». Mas ainda hoje, no interior do Castelo de Silves, há vestígios desse palácio e das riquezas que encerrava e o tornaram quase lendário.
Pôr a descoberto mais fragmentos da história do Palácio das Varandas foi a tarefa dos investigadores durante duas semanas, entre 23 de Agosto e 2 de Setembro, numa campanha de escavações sob a responsabilidade dos arqueólogos Rosa e Mário Varela Gomes, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa. os trabalhos contaram com o apoio da Câmara Municipal de Silves.
A tarefa principal da equipa, que contou ainda com seis estudantes e uma assistente de arqueologia (a doutoranda Joana Gonçalves), passou sobretudo por retirar, com mil e um cuidados, os fragmentos de estuque pintado.
Os estuques serão depois alvo de restauro e reconstituição gráfica para posterior estudo e musealização.
Estes estuques adornaram, outrora, as paredes do edifício, mas depois, com a sua ruína, acabaram por ficar soterrados durante séculos. «São estuques do Palácio Almoada de Al-Mutamid [século XI], que foram em parte reutilizados depois das Taifas, com as comunidades almorávidas, porque foram pintados por cima, para tapar a decoração», explicou ao Sul Informação a arqueóloga Rosa Varela Gomes.
O problema, explicou a investigadora, é que, com o passar do tempo e o avançar das escavações, «os estuques ainda soterrados estão a ficar empapados com a água da chuva». Sendo estruturas tão frágeis, feitas com gesso e argamassa com cal, o seu pior inimigo é precisamente a água.
Para os retirar, é preciso primeiro tirar a terra que os cobre com muito cuidado, às vezes recorrendo a um pincel e uma pequena espátula. Depois, os técnicos de restauro que colaboraram nos trabalhos, Pedro Gago, da Câmara de Albufeira, e Isabel Maria Nunes e Fátima Silva, da Câmara de Silves, colocam sobre o estuque, caído com a parte pintada para baixo, uma gaze que pincelam com cola, esperam que seque e depois levantam o fragmento, sem o partir, inteiro.
É uma tarefa que é preciso repetir uma e outra vez, tantas quantas os fragmentos de estuque que forem sendo postos a descoberto pelo trabalho, também paciente, dos futuros arqueólogos.
Num corte no terreno vermelho, vêem-se «os dois níveis de estuques», sublinha Rosa Varela Gomes. Ou seja, ainda ali há muito trabalho a fazer.
Mais tarde, estes fragmentos serão colocados todos juntos, num paciente trabalho de puzzle, de modo a tentar reconstituir os estuques na sua magnificência ancestral. Para facilitar essa tarefa de restauro, os estuques retirados são numerados a partir de uma grelha.
Depois de, em campanhas anteriores e com estuques retirados de outras zonas do Palácio das Varandas, já ter sido analisada a sua composição – gesso e argamassa com muita cal -, agora será a vez de «fazermos a análise dos pigmentos», revelou ainda a arqueóloga. Será uma tarefa que vai ficar a cargo do professor Luis Filipe Ferreira, do Instituto Superior Técnico, e que poderá fornecer à investigadora mais pistas sobre os estuques que outrora cobriram o palácio de Al-Mutamid, o rei-poeta.
Mas os estuques ainda debaixo de terra, séculos depois de o Palácio das Varandas ter sido derrubado, certamente durante as guerras que assolaram o Castelo de Silves, não foram todos retirados ao longo destas curtas duas semanas de trabalho.
«Esta campanha serviu sobretudo para tentar avaliar a quantidade e o estado de conservação dos estuques. O trabalho de recolha e de boa consolidação é muito demorado», admite Rosa Varela Gomes. Por isso, «talvez tenhamos de fazer outra campanha de escavações na Páscoa. Temos de aproveitar as férias escolares para estes trabalhos».
Ao lado da zona que este Verão foi alvo desta curta campanha de escavações, existe já uma vasta zona do Palácio Almoada, ou das Varandas, posta a descoberto ao longo de quase duas décadas de trabalhos arqueológicos, sempre coordenados pelos casal Rosa e Mário Varela Gomes.
Os restos deste palácio ainda deviam existir nos anos 30 e 40 do século XX, quando foram feitas obras para desobstruir os panos de muralha, acabando por destruir esses vestígios das estruturas palatinas, que só voltariam a ver a luz do dia décadas depois.
Graças ao trabalho de investigação feito nestes últimos anos, sabe-se que o Palácio Almoada (que já deu azo a um livro e a uma exposição em Lisboa), era um edifício retangular, com espaços anexos de armazenamento, cujo conjunto atingia uma área de cerca de 320 metros quadrados.
Os vestígios, hoje em grande parte conservados no Museu Municipal de Arqueologia de Silves, permitem reconstituir o espaço habitacional, com amplas salas, alcovas, banhos privados, pátios e jardins, um dos quais porticado e com galeria superior. Os revestimentos dos solos (mármores e ladrilhos), das paredes e arcarias e os estuques finamente trabalhados testemunham o carácter apalaçado que teria o edifício original.
Rosa Varela Gomes espera que os trabalhos no terreno, para porem a descoberto esses estuques pintados, às vezes com policromia (negro, vermelho e turquesa) e trabalhados com decoração de carácter geométrico, possam prosseguir em próximas campanhas. «Ainda há muito para descobrir e investigar», garante a arqueóloga.