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Os efeitos da seca não eram, em Olhão, diferentes dos outros concelhos do litoral algarvio. O governador civil José de Beires, por determinação governamental, foi encarregue de percorrer todo o Algarve, entre os fins de maio e princípios de junho de 1875, por forma a avaliar a real extensão da estiagem e as suas consequências sobre as populações.

A região encontrava-se em seca severa e o governo, face aos apelos lancinantes dos algarvios, foi obrigado a agir. Da visita do governador, resultou um longo e pormenorizado relatório que serviria de base para as medidas a tomar pelo poder central.

Relatório que foi também publicado no jornal “Gazeta do Algarve”, de Lagos, que continuamos a seguir.

Assim, após percorrer todo o barlavento, bem como Tavira, José de Beires visitou Olhão. Os danos eram aqui avultados, principalmente pela abundância de árvores secas e da iminência de muitas outras se perderem, causando elevados prejuízos a breve e a longo prazo. Vejamos agora as principais sequelas, em cada freguesia, guiados pela pena do governador.

 

Sobre Moncarapacho escreveu:
“Está nas mesmas condições precárias da maior parte das freguezias próximas. A sua cultura principal que é de arvoredo, está consideravelmente prejudicada. As figueiras pouco ou nada rebentaram, e pouco fructo promettem. As oliveiras quasi nada produzem; as amendoeiras vão perdendo algum fructo que promettiam e as alfarrobeiras muito pouco apresentam e esse mal desenvolvido. As vinhas em geral pouco lançaram e o fructo perde-se em grande parte. As sementeiras temporans, especialmente de trigo, nem a semente produzem. Os serôdios, nas mesmas circumstancias.”

Quanto a Quelfes:
“Está em iguaes condições da freguezia de Moncarapacho. As hortas é que pouco têem soffrido, porque conservam as nascentes.”

Já em Pechão:
“Está talvez em peiores condições, por ser o seu terreno mais árido do que o das outras freguezias, e haver falta de ribeiros e nascentes.

Relativamente a Olhão, José de Beires limitou-se a referir que a área da freguesia se limitava à vila.

Feito o diagnóstico em terras da restauração, o governador civil visitou Faro, certamente o concelho que melhor conhecia.

Aqui, como em todo o Algarve, as freguesias da serra não apresentavam danos de maior, ao invés do que sucedia junto à costa, onde o “aspecto era deplorável”.

Sobre a freguesia de São Brás de Alportel (apenas se tornaria autónoma em 1914), escreveu:
“É freguezia da serra e está por isso nas condições favoráveis das que têem igual situação. A sua riqueza agrícola consiste no arvoredo (alfarrobeira, figueira e sobreiro) e este apresenta, por ora, aspecto animador. Dos cereaes espera-se colheita mediana. Só as sementeiras de legumes pouco ou nada promettem.”

Sobre a vizinha freguesia de Estoi redigiu:
“O arvoredo, sua principal cultura, acha-se em mau estado. Das figueiras ha já muitas seccas; o fructo das amendoeiras, que não era escasso, vae pecando; os olivedos perderam, sem fructo, toda a florescência; as vinhas novas estão soffrivelmente lançadas, e apresentam abundância regular de fructo; mas as velhas mostram-se resentidas da estiagem. De cereaes não se espera mais do que a sexta parte da semente; os serôdios estão irremediavelmente perdidos, e as alfarrobeiras estão regra geral pobres de fructo. É uma das freguezias que se apresenta em peiores condições agricolas. Escasseiam-lhe também as nascentes.”

Melhor sorte não tinha a Conceição:
“Está quasi nas mesmas circumstancias. A alfarrobeira é que apresenta producção mais regular.”

 

Já em Santa Barbara a situação era crítica:
“Esta freguezia está também nas mesmas condições deploráveis de Estoy, acrescendo que não existe já uma única nascente, o que obriga os habitantes a irem procurar agua a mais de 6 kilometros de distancia.”

A escassez total de água potável seria o maior problema dos habitantes de Santa Bárbara, que constituía, a este nível, a população mais afetada da região e note-se que estávamos apenas em junho.

Quanto a S. Pedro:
“Quasi no mesmo estado das outras freguezias; apenas no sitio da Arábia apparecem algumas searas soffriveis, e o arvoredo das areias acha-se menos prejudicado. Nas hortas vae escasseando a agua para a rega de que necessitam.”

Por fim, a :
“Nas mesmas condições. Os serôdios, incluindo o milho de sequeiro, totalmente perdidos; e das searas só por excepção apparece alguma regular. O arvoredo mal rebentado e com fructo escasso.”

As consequências da famigerada estiagem assumiam maior contorno no município de Faro onde às parcas colheitas, comuns a toda a região, se juntava a escassez de água, em Santa Bárbara e Estoi.

 

Dos concelhos do litoral, a exceção, em termos de perdas, era Vila Real de Santo António, o concelho visitado de seguida. Além de manter abundância de água potável, não tinha árvores secas, embora a produção fosse menor que a arrolada num ano normal. Por outro lado se as sementeiras serôdias podiam ser consideradas perdidas, as temporãs prometiam alguma produção, ainda que diminuta.

Vejamos então os principais prejuízos assinalados em cada freguesia. Assim sobre Cacela expôs:
“A parte d’esta freguezia que limita com a costa, apresenta boas vinhas, e com abundância de fructo. O seu arvoredo, principal cultura, não está perdido, e em geral o seu aspecto é menos mau. As alfarrobeiras, que são em pequena quantidade, promettem soffrivel producção; as figueiras produzirão metade de uma colheita regular, e as oliveiras, como em todo o districto, nenhum fructo mostram. Das sementeiras têmporas espera-se apenas a semente; e das serôdias poucas a poderão produzir. A outra parte d’esta freguezia é na serra. Não tem arvoredo, e os legumes semeiam-se em pequena quantidade. Tem searas, e essas apresentam bem aspecto, com quanto inferior ao de um anno regular.”

Por sua vez a sede de concelho, Vila Real:
“Não tem arvoredo. A sua principal cultura é de milho e feijão, e ambas estas sementeiras estão totalmente perdidas. Searas ha poucas, mas essas boas. O terreno é todo arenoso, e offerece abundância de nascentes.”

Se Vila Real era a exceção no litoral, ainda que sem milho e feijão, a situação em Alcoutim era idêntica à de outros municípios/freguesias localizados na serra.

 

Alcoutim foi o penúltimo concelho que José de Beires percorreu. É possível que para ali se tenha dirigido de barco, dado que Castro Marim foi o derradeiro a visitar e a estrada só viria já em pleno século XX.

A riqueza agrícola de Alcoutim consistia na cultura de cereais e como as chuvas haviam sido ali menos escassas que no litoral, a produção embora inferior estava longe de assinalar uma quebra grande.

Sobre a freguesia de Alcoutim escreveu:
“A sua principal cultura é de cereaes. Ha sitios d’esta freguezia onde se espera uma producção de cinco sementes, e n’outros menos do que uma colheita regular. Os serôdios estão perdidos. As poucas vinhas, que tem, mostram abundância de cachos, mas esbagoados já em grande parte. Tem pouco arvoredo, e esse com mau aspecto. As oliveiras não dão fructo algum. Nas proximidades da villa é onde mais escasseou a chuva, e por isso se acha em peiores condições.”

Assinale-se que não é feita qualquer referência às amendoeiras, que hoje orlam aquela vila.

Quanto à freguesia do Pereiro:
“Cultiva unicamente cereaes, e a sua colheita regular é de tres sementes. N’este anno produzirá duas. Começa a sentir-se escacez d’agua nos tres poços que existem na freguezia.”

A baixa produtividade dos solos era, já então, bem evidente, somente três sementes em anos normais (no paul, em Lagos, a produção era de 12 a 15), também os recursos hídricos não seriam abundantes, existiam só três poços.

Mais abastada era Martim Longo:
“Tem montados, e cultiva cereaes. Em anno regular a producção é de 6 sementes, n’este apenas produzirá duas, quando muito. Tem poucas sementeiras serôdias, e essas acham-se em mau estado.”

Por sua vez, Giões registava uma das exceções no Algarve sequioso:
“O mesmo género de cultura. Está em melhores condições do que as outras freguezias, podendo considerar-se regular a colheita d’este anno.”

E por fim Vaqueiros:
“A mesma cultura. Os melhores terrenos produzirão, quando muito, a semente: os peiores, e que são a maior parte, darão uma producção de 3 sementes, isto é, metade de uma colheita regular.”

Examinado o 14º concelho do distrito, partiu o governador civil para o derradeiro, Castro Marim, o término da sua viagem por todo o Algarve.

 

(continua)

 

Parte I – As “passinhas do Algarve” na seca de 1875 ou o retrato social e económico da região
Parte II – As “passinhas do Algarve” na seca de 1875 ou o retrato social e económico da região – Lagos, Monchique e Portimão
Parte III –As “passinhas do Algarve” na seca de 1875, ou o retrato social e económico da região – Lagoa, Silves e Albufeira
Parte IV – As “passinhas do Algarve” na seca de 1875, ou o retrato social e económico da região – Loulé e Tavira

 

Nota 1: As imagens utilizadas são meramente ilustrativas. Correspondem a postais ilustrados, da primeira metade do século XX.
Nota 2: Nas citações do jornal «Gazeta do Algarve», optou-se por manter a grafia e da época.

 

Autor: Aurélio Nuno Cabrita, engenheiro de ambiente e investigador de história local e regional, colaborador habitual do Sul Informação

 

 

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