O WATT?, um projeto artístico para a comunidade, começou com assembleias em cada uma das sete localidades onde se previa fazer intervenções, para que as pessoas da terra, nomeadamente autarcas, dessem a sua opinião e falassem com os artistas sobre o que cada um iria fazer. Dessa interação, surgiram ideias diversas e partilhadas e todos os projetos avançaram.
Todos? Afinal não! Em Vila do Bispo, porque o coletivo de artistas convidados queria fazer, em três locais públicos cedidos pela autarquia, intervenções alusivas à exploração de petróleo, a Câmara local deu o dito por não dito e proibiu a intervenção artística.
Comecemos pelo princípio: o Watt? integra-se no projeto nacional Arte Pública da Fundação EDP, sendo coordenado, no Algarve, pelo LAC – Laboratório de Actividades Criativas, de Lagos, que convidou diversos artistas – Xana, Jorge Pereira, Mariana a Miserável, Padure e Menau – para fazer intervenções em espaços públicos.
Tais espaços foram cedidos pelas autarquias (Câmara Municipal, no caso de Vila do Bispo, e Juntas de Freguesia, nos restantes) e pela própria EDP, no caso dos postos de transformação, em atividade ou não, propriedade da empresa.
Cada uma das autarquias foi previamente contactada pelo LAC, de modo a explicar o projeto, bem como a indagar quais os espaços públicos que poderiam disponibilizar.
Em Vila do Bispo, a Câmara Municipal ofereceu uma parede do campo de futebol (onde deveria intervir o artista Xana), outra do Centro Interpretativo (Padure) e a parede principal exterior do Mercado Municipal (para onde se previa uma intervenção coletiva, coordenada por Xana). Na fotogaleria abaixo podem ser vistas as propostas dos artistas para esses espaços, censuradas pela Câmara de Vila do Bispo.
«Na Câmara de Vila do Bispo, disseram-nos que apoiavam o projeto de arte pública, mas queriam ver as propostas dos artistas. Na primeira assembleia pública, onde os moradores falaram com os artistas, as pessoas sugeriram algo ligado ao petróleo, já que é o tema quente do momento, e os artistas que deveriam fazer essas intervenções aceitaram», contou Maria João Alcobia, do LAC, ao Sul Informação.
Apesar de ninguém da Câmara ter estado presente nas assembleias, as propostas dos artistas foram, como combinado, enviadas para a autarquia. Num primeiro momento, a Câmara de Vila do Bispo considerou o projeto do artista romeno Padure muito monocromático (era a preto e branco, como se pode ver na imagem acima) e pediu para introduzir cor. O artista assim fez. Mas nem isso foi suficiente.
«Quando apresentámos os projetos definitivos, na Câmara disseram-nos que tinha sido revogado o interesse e que todo o projeto tinha sido rejeitado pela Câmara. O que nos disseram foi: não queremos continuar com os vossos projetos», acrescentou Maria João Alcobia.
A decisão de retirar o apoio da autarquia, presidida por Adelino Soares, eleito pelo PS, foi tomada por unanimidade, em reunião de Câmara. Ou seja, além do voto favorável do presidente Adelino Soares, recebeu ainda a aprovação dos vereadores Rute Silva e Afonso Nascimento (PS) e Judite Dias e Nuno Rio (PSD).
Maria João Alcobia estranha a atitude da Câmara vilabispense, já que, sublinha, «quando lhes apresentámos o projeto de arte pública foram os primeiros a dizer que estavam interessados. Até fizeram uma carta de apoio ao projeto».
«As ideias foram abertas à comunidade e as pessoas deram a sua opinião, pedindo aos artistas para fazerem algo que tivesse a ver com o petróleo. E a Câmara podia ter estado nessas assembleias, que foram públicas, abertas a todos, mas ninguém da Câmara esteve presente».
Xana (Alexandre Barata), o artista plástico mais conhecido a nível nacional e internacional deste grupo, sem papas na língua como é seu costume, não hesita em classificar a atitude da Câmara Municipal de Vila do Bispo como «censura». «Nunca, em toda a minha vida de artista, tinha sofrido censura. Mas aqui em Vila do Bispo é o que está a acontecer».
«Eles têm medo da liberdade de expressão dos artistas e esta atitude é uma falta de respeito, não só para com os artistas, mas para com a própria comunidade local. É que, ao rejeitarem o nosso projeto, nem a comunidade eles deixaram exprimir-se. Ou seja, têm receio dos seus próprios eleitores», acusa Xana.
Em declarações ao Sul Informação, Adelino Soares recusa as acusações de censura e de atentado à liberdade de expressão. «A Câmara não concordou com os desenhos e, de forma unânime, decidiu que não queria essa intervenção em sítios públicos, como o Mercado Municipal, o Centro Interpretativo ou o campo de futebol».
«O que eles queriam fazer era um peixe com uma mangueira de petróleo no rabo. Nós achámos que não é a forma correta de utilizar o espaço público e recusámos autorização», acrescentou o autarca.
«Se isso é censura? É a opinião deles e eu respeito», responde Adelino Soares. «O espaço público é de todos e tanto eles têm a liberdade de expressar o seu ponto de vista, como os outros têm de não gostar», acrescenta o presidente da Câmara de Vila do Bispo.
«Estamos num concelho turístico e, embora a posição da Câmara contra a exploração de petróleo seja clara, não podemos estar a alarmar as pessoas que nos visitam com um assunto que é sensível», concluiu o autarca do PS.
Apesar de não poderem usar as paredes dos três locais que a Câmara tinha disponibilizado, todos bem visíveis e de muito acesso público, nem por isso as intervenções artísticas criticando a exploração de petróleo no Algarve foram totalmente banidas de Vila do Bispo, curiosamente a terra natal de Sousa Cintra, concessionário dos dois blocos de pesquisa de hidrocarbonetos em terra, onshore, em quase metade do Algarve.
«A intervenção do Jorge Pereira estava prevista para um posto de transformação da EDP, logo tínhamos autorização para, pelo menos, fazer esse mural. E avançámos», contou Maria João Alcobia. De tal maneira que, no centro da Vila do Bispo, há agora um antigo PT que mostra um mariscador a apanhar perceves num mar sujo de petróleo (ver fotos). Curiosamente, das quatro propostas, acabou por avançar a que trata de forma mais explícita o tema dos perigos da exploração de hidrocarbonetos no Algarve.
Além do posto de transformação da EDP, garante a dirigente do LAC, «já houve algumas pessoas privadas a oferecer paredes e muros para fazermos a intervenção que ficou a faltar».
Entretanto, e porque o Watt? é um projeto de arte pública e comunitária, envolvendo as pessoas da terra, o LAC vai voltar a promover uma assembleia em Vila do Bispo. «Queremos explicar às pessoas porque é que as outras três intervenções previstas não avançam. Temos que lhes dar esta explicação», disse Carmo Serpa.