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Cerveja de Alcalar_ricardo soares_1
A cerveja de Alcalar em fermentação no recipiente de barro, peça que é uma reinterpretação contemporânea da cerâmica pré-histórica – Foto: Ricardo Soares

As bagas da murta-comum (Myrtus communis) e do pilriteiro (Crataegus monogyna) são os ingredientes secretos da cerveja artesanal, feita com os métodos e os produtos que os habitantes pré-históricos de Alcalar usariam, há 5000 anos, nesta zona situada no interior do atual concelho de Portimão.

A apresentação desta cerveja artesanal e a sua degustação será uma das grandes novidades das comemorações do Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, a 15 e 16 de abril, numa organização do Museu de Portimão, e que terão por base a própria estrutura museológica e os Monumentos Megalíticos de Alcalar.

A recriação desta cerveja, segundo métodos e ingredientes como os usados pelos alcalarenses de há cinco milénios, resulta do trabalho conjunto da arqueóloga Elena Morán e dos jovens mestres cervejeiros algarvios André Gonçalves e Ruben Silva. A  experiência contou também com o apoio do Museu de Portimão, nomeadamente do seu técnico de história, António Pereira.

Elena Morán explicou ao Sul Informação que «os ingredientes (cereal e frutos) correspondem aos que foram recolhidos por nós, por flutuação, e identificados em laboratório pelo nosso botânico, o Prof. Hans-Peter Stika, da Universidade de Estugarda».

Entre essas sementes com milhares de anos, o botânico identificou o mirto e o pilrito, frutos daquelas plantas, e que se sabe terem sido usados no fabrico de cerveja, muito antes de o lúpulo, vindo do Mar Negro, ter chegado à Europa Ocidental, na Idade Média.

 

Os criadores da "nova" cerveja pré-histórica de Alcalar - Foto: Ricardo Soares
Os criadores da “nova” cerveja pré-histórica de Alcalar – Foto: Ricardo Soares

 

André Gonçalves, um dos criadores da «Marafada», a primeira cerveja artesanal algarvia, explica, por seu lado, que o lúpulo, «que dá aroma e é quase um condimento da cerveja», não poderia ser usado nesta recriação tão rigorosa da cerveja que os nossos antepassados alcalarenses produziriam.

«Fizemos experiências para chegar a esta cerveja, feita à base de cevada [cujas sementes milenares também foram identificadas em Alcalar], de mirto e de pilrito». O resultado é uma cerveja mais amarga, de sabor e aroma diferente mesmo das cervejas artesanais que agora estão na moda e que, por isso, «poderá não agradar a todos». No entanto, garante André Gonçalves, do primeiro lote produzido na sua cervejaria já pouco resta: «os arqueólogos gostaram e nós também».

Elena Morán acrescenta que a preparação desta cerveja, um verdadeiro exemplo de arqueologia experimental, começou na semana passada, com um «teste em ambiente controlado, no laboratório do André e do Ruben, em recipientes de alumínio, como as outras cervejas artesanais que eles produzem». Esse teste correu «muito bem» e já esta semana foi feito um segundo lote, agora usando vasilhas de barro feitos pela artista e ceramista Sara Navarro.

«A panela globular foi emprestada pela Sara Navarro, cuja experiência com o barro e o fogo também tem sido importante para a investigação de Alcalar. Esta peça é uma reinterpretação contemporânea da cerâmica pré-histórica», disse ainda a arqueóloga.

«Essa panela de barro já não é o ambiente controlado do primeiro lote, mas os resultados foram também muito bons», garante a arqueóloga, para quem a cerveja pré-histórica de Alcalar é «altamente recomendável». Essa cerveja produzida em Alcalar, com ingredientes locais e técnicas milenares, está agora a fermentar.

Para já, André Gonçalves não sabe se um dia irá ou não engarrafar e vender esta nova cerveja, usando, quem sabe, o nome «Alcalar», e comercializando-a em colaboração com o Museu de Portimão e o seu Grupo de Amigos. «Tendo em conta as suas características especiais, não sabemos se há um público que possa vir a preferir e a apreciar uma cerveja sem lúpulo. Nunca foi engarrafada uma cerveja deste tipo», admite o mestre cervejeiro.

Ora, esta cerveja vai ser precisamente uma das estrelas das comemorações do Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, que se prolongam pelos dias 15 e 16 de Abril, sexta-feira e sábado.

 

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O arqueólogo experimental Pedro Cura, em Alcalar, a desmanchar o porco com instrumentos líticos – Foto: Elisabete Rodrigues

No dia 15, terá lugar a conferência intitulada «Era uma vez na Pré-história», dedicada à Arqueologia Experimental, área científica inovadora onde os Monumentos Megalíticos de Alcalar, geridos pelo Museu de Portimão, estão entre os pioneiros em Portugal.

Com cinco comunicações previstas, nomeadamente de José Antonio Riquelme, da Universidade de Córdoba (Espanha), ou do arqueólogo experimental Pedro Cura, entre outros, e uma degustação de cerveja artesanal à beira do rio Arade, serão apresentadas reflexões acerca das diferentes vertentes do trabalho que tem vindo a ser realizado nos Monumentos Megalíticos de Alcalar, os contributos científicos, a experimentação e a própria gestão e divulgação do espaço. A conferência irá decorrer no Museu de Portimão, entre as 15h00 e as 18h30, com entrada livre, sujeita a inscrição prévia (clique aqui para conhecer o programa detalhado).

No sábado, dia 16, realiza-se, entre as 10h00 e as 16h30, nos Monumentos Megalíticos de Alcalar, mais uma recriação histórica “Um dia na Pré-história”, um evento de referência, que, só no ano passado, contou com 1600 visitantes.

Nesta que é a sua 15ª edição, o programa vai para além dos habituais ateliês onde o quotidiano alcalarense é retratado e o visitante pode testar a destreza de caçar, tecer, modelar cerâmicas, cultivar e ceifar, entre outras experiências.

A arqueologia experimental volta a marcar a oferta desta iniciativa, com um conjunto de propostas que permitirão ao visitante participar e assistir à preparação dos alimentos, desde o “desmanchar” de um porco, ao aproveitamento de toda a sua carne e ossos, até à sua confeção.

Os mariscos, berbigão, ameijoa e o peixe fazem igualmente parte da ementa que os mais curiosos poderão provar.

Sem fósforos nem facas, a equipa, especializada neste tipo de experimentação, vai fazer o fogo e preparar os alimentos como se se recuasse 5000 anos, utilizando os instrumentos de pedra.

Através da “soenga”, os visitantes vão perceber como era o processo de cozedura ancestral da cerâmica, com fogo direto, ficando igualmente a conhecer as práticas do talhe de líticos (pedras) e outros materiais que possivelmente seriam usados no fabrico de ferramentas, machados, pontas de setas, enxós e flechas.

Será um dia de experiências fundamentadas pelos estudos já realizados sobre o território Alcalarense e os trabalhos desenvolvidos por parte de investigadores das universidades de Estugarda (Alemanha), Córdoba (Espanha) e pelo Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa.

 

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Recriação de um enterramento pré-histórico, pelos alunos da Escola da Bemposta – Foto: Elisabete Rodrigues

Para que a viagem no tempo seja uma realidade, haverá encenações efetuadas pelo Grupo de Teatro da Escola de Artes da Bemposta e os visitantes poderão conhecer, através das visitas comentadas, a história da comunidade de Alcalar.

O evento, organizado pela Câmara Municipal de Portimão, Museu de Portimão e Direção Regional de Cultura do Algarve, estende-se, à semelhança do ano passado, ao território onde há 5000 anos a comunidade de Alcalar desenvolveu as suas atividades, assumindo um caráter intermunicipal, através de uma parceria entre os municípios de Portimão, Lagos e Monchique (que volta a oferecer o porco) e as Juntas de Freguesia de Portimão, Alvor e Mexilhoeira Grande.

Este ano, mais uma vez, o programa das comemorações do Dia Internacional dos Monumentos e Sítios conta com um significativo apoio financeiro proveniente da candidatura realizada pelo Grupo de Amigos do Museu de Portimão ao Programa DiVaM da Direção Regional da Cultura do Algarve.

O Dia na Pré-História tem entrada livre e conta com o apoio do Jumbo, Hotel Júpiter, Grupo Pestana, Restaurante Restinga, Restaurante Myself, Clube Instrução e Recreio Mexilhoeirense, Escola da Bemposta e Cerveja Marafada.

 

Veja aqui mais fotos da experiência da cerveja pré-histórica de Alcalar:
(Fotos: Ricardo Soares)

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