A generalidade das companhias de teatro descentralizadas «estão todas à beira da rutura» financeira e um grupo de seis companhias de todo o país, entre as quais a ACTA-A Companhia de Teatro do Algarve, quer que o poder central tome medidas urgentes para evitar a sua extinção.
Em causa está a indefinição quanto aos apoios à cultura, dossiê que as seis estruturas de cariz regional querem ver resolvido «o mais tardar até setembro».
O diretor da ACTA Luís Vicente explicou ao Sul Informação que, nos últimos anos, «estas seis companhias sofreram cortes nos apoios de 30 a 60 e tal por cento». Uma percentagem que apenas se refere aos apoios dados pela Direção Geral das Artes e que não inclui «os cortes dos apoios das autarquias e de outros».
Além da ACTA, pertencem ao grupo de subscritores de um comunicado que foi tornado público ontem, segunda-feira, o Centro Dramático de Évora, a Escola da Noite de Coimbra, a Companhia de Teatro de Braga, o Teatro das Beiras e o Teatro Regional da Serra de Montemuro.
«Ninguém faz nada e o Estado não se tem mostrado interessado em resolver a situação», acusou Luís Vicente. Além da tomada de posição conjunta, os seis signatários do movimento têm já audiências agendadas «com o diretor geral das artes e com o secretário de Estado da Cultura», para falar sobre esta matéria, revelou o diretor da ACTA.
A situação destas companhias é muito delicada, o que as levou a alertar para o facto de estarem à beira da extinção. Aos cortes generalizados nos apoios há que juntar uma redução no número de espetadores, que, no caso da ACTA, diminuiu para quase metade, no último ano.
«Houve um rombo enormíssimo ao nível da bilheteira. Antes tínhamos uma média de espetadores por espetáculo na ordem dos três dígitos. Este ano, a média está em 61,5 espetadores por espetáculo», revelou.
Comunicado das seis companhias de teatro:
«V Festival das Companhias da Descentralização
Évora, 5 a 9 de Junho de 2012
COMUNICADO
Decorreu em Évora, entre 5 e 9 de Junho, a quinta edição do Festival das Companhias da Descentralização, com a participação d’A Escola da Noite (Coimbra), da ACTA – A Companhia de Teatro do Algarve, do Centro Dramático de Évora, da Companhia de Teatro de Braga, do Teatro das Beiras (Covilhã) e do Teatro do Montemuro. Em diferentes espaços do Teatro Garcia de Resende, foram apresentadas 11 sessões de sete espectáculos diferentes, vistos por cerca 700 espectadores. A próxima edição terá lugar na Covilhã, organizada pelo Teatro das Beiras e conforme o interesse manifestado pelo respectivo Vereador da Cultura, presente na abertura do Festival.
Mantendo a tradição, a iniciativa cumpriu a função de encontro das dezenas de profissionais que trabalham nas seis estruturas de criação artística. O panorama é assustador: para além dos cortes no financiamento público entre 38 e 60% sofridos nos últimos dois anos, há atrasos na liquidação de apoios comunitários; incapacidade de garantir a contrapartida nacional em projectos internacionais; dificuldade crescente na angariação de patrocínios; retracção dos públicos; redução drástica das possibilidades de digressão pelo território nacional. Muitas autarquias, parceiros essenciais das companhias ao longo dos anos, estão a denunciar protocolos e há outras que se atrasam anos em pagamentos contratualizados. Em consequência, registaram-se já dezenas de despedimentos (e outros estão programados), multiplicam-se as pessoas a trabalhar a meio tempo, há salários em atraso, crescem as dívidas a fornecedores e os empréstimos, bancários ou pessoais, para fazer face a urgências de tesouraria.
A somar a tudo isto, subsiste uma terrível incerteza sobre o futuro próximo. Os contratos quadrienais ou bienais ao abrigo dos quais estas companhias têm prestado o serviço público que as carateriza terminam no final de Dezembro e o Governo nada diz sobre o que quer ou pensa fazer em relação aos próximos anos. A indisponibilidade do Secretário de Estado e da Direcção-Geral das Artes para sequer se fazerem representar no debate organizado pelo Festival é apenas mais uma manifestação do desprezo das instituições públicas que tutelam o sector, não apenas pelo trabalho destas seis companhias mas pela globalidade da criação artística nacional. Depois de, entre Dezembro de 2011 e Janeiro de 2012, terem andado pelo país a dizer que queriam discutir “um novo modelo de financiamento”, acantonaram-se e têm permanecido escondidos, à espera que ninguém os interpele e como quem aguarda instruções superiores. Com esta atitude, foram deixando que se instalasse a ideia – entre públicos, estruturas de criação e até chefias intermédias da Secretaria de Estado da Cultura – de que se calhar até iria deixar de haver financiamento público à criação artística em Portugal. Entretanto, o sector agoniza, fica desestruturado e impossibilitado de projectar o que quer que seja em relação aos próximos anos.
Este insustentável silêncio por parte do Governo foi interrompido no sábado pelo Secretário de Estado, em resposta a uma dramática declaração de Luis Miguel Cintra. Disse ele, atirando areia para os olhos das pessoas, que “os concursos” irão abrir em Setembro. Importa dizer que a abertura dos “concursos” através dos quais o Estado financia a criação artística em Portugal decorre da lei. E que, portanto, caso lhe passasse pela cabeça não os abrir este ano, teria no mínimo de apresentar uma justificação qualquer e de se dar ao trabalho de encontrar o mecanismo legal que lhe permitisse não o fazer. E, já agora, de justificar perante a Assembleia da República e o país a forma como pretende cumprir o desígnio constitucional de garantir o direito “à criação e fruição cultural” de todos os cidadãos.
A “notícia” não só não nos tranquiliza como nos deixa indignados, pelo que revela de desinteresse pelas consequências do desinvestimento público junto de estruturas como as nossas, junto dos nossos trabalhadores e dos nossos públicos.
Neste contexto, as seis companhias da descentralização abaixo identificadas:
– alertam o Governo, o público e a população em geral para o facto de estarem à beira da extinção. A manutenção do actual nível de financiamento determinará o seu desaparecimento, dada a insustentável situação em que se encontram;
– exigem que o Governo clarifique rapidamente o prazo e as condições em que pretende abrir os concursos de apoio plurianual às estruturas de criação artística, nomeadamente no que diz respeito ao orçamento global, número de projectos a apoiar e requisitos de acesso;
– defendem que o processo relativo aos financiamentos a atribuir nos próximos anos esteja totalmente concluído (e não apenas supostamente iniciado) até ao final de Setembro, de forma a que as companhias possam adaptar-se, salvaguardar os direitos dos seus trabalhadores, preparar e rentabilizar adequadamente a sua actividade e procurar fontes complementares de financiamento.
Évora, 10 de Junho de 2012
A Escola da Noite – Grupo de Teatro de Coimbra
ACTA – A Companhia de Teatro do Algarve
Centro Dramático de Évora
Companhia de Teatro de Braga
Teatro das Beiras
Teatro do Montemuro»