Manuel Ramirez e António Feu trocaram um abraço emocionado no sábado, 24 de maio, no 6º aniversário do Museu de Portimão. Nesse abraço, estava simbolizado o passado e o futuro da indústria conserveira.
A representar o passado estava António Feu e o próprio local, a antiga fábrica Feu Hermanos, onde um dos produtos de topo eram as conservas «La Rose», e que hoje é o museu. O futuro era representado pelo empresário Manuel Ramirez, cuja empresa decidiu relançar no mercado a prestigiada marca «La Rose».
Como disse José Gameiro, diretor científico do Museu de Portimão, ao Sul Informação, não é todos os dias que acontece, como ali, «a ligação do património industrial à atual indústria conserveira».
A própria empresa, a Ramirez & Cª (Filhos) SA, é quase peça de museu, não fosse o seu dinamismo contínuo, já que se trata da mais antiga empresa do mundo em laboração no sector das conservas de peixe.
As conservas «La Rose», com uma caixa inspirada na imagem antiga da marca, foram dadas a provar em várias versões, no seu lançamento no Museu de Portimão, no sábado, com a ajuda da «Maria do Mar», a loja gourmet de conservas e petiscos situada na baixa da cidade, onde estas conservas de alta qualidade – sardinhas, cavalas, atum e especialidades – já estão à venda.
Apesar de todo o revivalismo e do simbolismo do momento, há, porém, uma grande diferença – é que, ao contrário do século XX, quando a «La Rose» era produzida na fábrica Feu Hermanos, em Portimão, com peixe pescado no mar algarvio, agora é produzida nas fábricas da Ramirez & Cª (Filhos) SA, em Matosinhos, no Norte de Portugal.
Acabaram-se os barcos e as fábricas
Manuel G. Ramirez, presidente do conselho de administração, explicou ao Sul Informação que «infelizmente, o Algarve já não tem fábricas conserveiras». E as poucas que ainda vão resistindo (em Olhão), não significam, na opinião do empresário, que haja «revitalização das conservas no Algarve, infelizmente».
É que, explica, «para haver conservas, é preciso haver barcos. O desaparecimento das conservas no Algarve foi causado pelo desaparecimento da frota. No nosso caso, da Ramirez [que tinha fábricas em Vila Real de Santo António], primeiro deu-se o desaparecimento da pesca do atum, mais tarde da pesca de cerco».
«Há umas décadas existiam centenas de barcos e 84 fábricas no Algarve. Ainda vivi essa época…», recorda, com alguma saudade, o patriarca da Ramirez, nascido na capital do Guadiana.
«A verdade é que, quando desapareceram os barcos, nomeadamente com o fim do acordo de pescas Portugal-Espanha, desapareceram as fábricas. Depois, os barcos voltaram, mas, quando foram pescar sardinha, já não havia fábricas e o cerco morreu. Hoje só há para fornecimento do mercado de fresco, para as sardinhadas e os restaurantes».
E será que a indústria conserveira pode voltar em força ao Algarve, agora que tanto se fala da Economia do Mar? «Para isso, tem que haver estratégia e projeto, tem que haver investidores. Talvez assim pudéssemos ter uma revitalização da indústria».
Uma história de amizade
E como surgiu esta ideia de relançar uma marca que já teve enorme prestígio, a nível nacional e internacional?
«As famílias Feu e Ramirez têm uma longa história de amizade ao longo do século XX. Numa conversa, em 2013, com o meu amigo António Feu, falei da possibilidade de relançar a marca “La Rose”, ideia que ele acolheu com grande entusiasmo».
António Feu, por seu lado, manifestou-se «muito emocionado» pelo relançamento da marca e, ainda por cima, no museu que vive no local onde antes foi a fábrica Feu Hermanos.
«Fico muito satisfeito e honrado com a recuperação da marca “La Rose” por via do Manuel Ramirez, que é um amigo de longa data, já as nossas famílias eram amigas, ambas de origem espanhola e pioneiras no setor conserveiro», acrescentou, em declarações ao nosso jornal.
Também o empresário conserveiro Manuel G. Ramirez e os seus filhos, que o acompanham no negócio da família, estavam particularmente felizes no sábado. Afinal, não é todos os dias que se faz renascer aquilo que, desde os anos 70, era apenas uma peça de museu.
«Há aqui um entrelaçar entre este Museu, que mostra o expoente máximo do que foi a indústria conserveira em Portimão, e a atualidade de uma marca. Celebramos aqui o imaginário de um grande nome desta terra e homenageamos todos os que aqui trabalharam e a engrandeceram», disse o empresário.
«Nasci no Algarve e é com emoção que partilho com o Museu de Portimão, e com Vila Real de Santo António, a memória da indústria conserveira».
E o que pensa Manuel Ramirez (filho) sobre esta associação da marca ao museu? «É fundamental! Há aqui um win-win perfeito, que se encaixa no perfil e política das Conservas Ramirez. Temos 14 marcas, muitas delas dentro do perfil da La Rose».
Cruzamento de boas vontades
Por outro lado, sublinhou o representante desta nova geração de industriais conserveiros, nas próprias caixas de cartão das conservas «La Rose» (as cartolinas), há uma referência, em português e inglês: «Visite o Museu de Portimão, onde a La Rose nasceu!».
Por isso, sublinhou, «há aqui um cross de good wills», um cruzamento de boas vontades.
Para José Gameiro, diretor do Museu, «faz todo o sentido» esta ligação entre património industrial e a atual indústria conserveira, «porque é uma forma de projetar essa memória no futuro». «É uma renovação e uma vida que se dá a toda uma história e cultura que havia nesta casa e que tentamos preservar no museu». No fundo, como referia a própria Ramirez numa nota de imprensa, é «fazer a historiografia de uma marca viva».
«Há aqui um paradigma interessante para mudar: tentar que os museus se aproximem, como laboratórios de ideias, como observatórios das cidades onde se encontram, e estar atentos a este tipo de movimentações da sociedade civil».
Tendo em conta que a marca vai ser exportada para todo o mundo, a começar pelo Oriente, «quem sabe se um dia não vem ao Museu de Portimão um turista de Hong-Kong, por causa das conservas “La Rose”?»
Veja aqui mais fotos do relançamento da «La Rose» e do aniversário do Museu.